Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
Por Mellanie Fontes-Dutra
Em 14 de agosto de 2024, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional (ESPII) para a Mpox, uma doença, por muito tempo, negligenciada. A declaração tem como contexto o aumento de casos na República Democrática do Congo (RDC) e em um número crescente de países da África, trazendo riscos para um espalhamento maior dentro e fora do continente africano. Não é a primeira vez que uma ESPII é declarada para a Mpox – a declaração anterior ocorreu há cerca de dois anos, em que muitos conheceram esta doença, a qual afeta países da África Ocidental e Central há décadas.
A Mpox é uma doença infectocontagiosa, causada por um vírus (monkeypox virus ou MPXV), do mesmo gênero (Orthopoxvirus) do vírus causador da varíola humana. Anteriormente, era conhecida como “varíola dos macacos” (ou monkeypox, em inglês), mas em 2022, no mesmo período em que a primeira ESPII foi decretada, a OMS renomeou a doença. Naquele momento, a vacinação, somada ao monitoramento de casos e à conscientização dos mecanismos de transmissão da doença, auxiliaram no controle dos surtos, e a ESPII foi dada como encerrada em 2023.
Porém, o vírus continuou circulando, especialmente nos países endêmicos onde o acesso às vacinas foi considerado “baixo ou inexistente”. Isso cria uma combinação perigosa, trazendo riscos para o surgimento de versões do vírus com características pertinentes à saúde pública. O clado II do MPXV (clados são agrupamentos de vírus com características similares, e que têm um ancestral comum, conceito próximo do que observamos com as variantes da Covid-19), associado com a ESPII de 2022, teve uma circulação reduzida, enquanto o clado I ganhou mais espaço na África Central, incluindo a RDC. Com aumento progressivo de casos na RDC, atingindo um recorde de 14.626 casos em 2023, uma nova linhagem do clado I foi detectada, relacionada com uma transmissão entre humanos mais sustentada.
A transmissão pode ocorrer, por exemplo, a partir do contato próximo, direto e prolongado, não apenas pelo contato sexual, mas também por abraços, beijos, por gotículas expelidas ao tossir ou falar em proximidade e contato com lesões na pele, além do contato com secreção de animais infectados. O clado Ib está relacionado não apenas com os surtos atuais na RDC e em países vizinhos, mas também com o contexto da ESPII e, atualmente, faltam dados para entender se a gravidade da doença seria, de fato, maior, ou se a mortalidade tem sido alta por conta da soma de fatores como área geográfica e população atingida e/ou acesso a saúde, por exemplo.
Entidades de saúde, como os Centros de Controle e Prevenção de Doenças Europeu e Americano, esperam que as vacinas atuais mantenham proteção contra o clado Ib, apesar de ainda não termos dados específicos para este clado. Infelizmente, dados recentes apontam que o antiviral Tecovirimat, originalmente desenvolvido contra a varíola humana e usado para tratar Mpox, não demonstrou aceleração na recuperação de pacientes infectados com o vírus do clado I, comparado a um placebo. No entanto, mais estudos precisam investigar se o tratamento iniciado de forma precoce e em populações com doença grave pode trazer benefícios, como sugere um press release da farmacêutica SIGA.
Vale destacar que estar numa ESPII não significa que estamos em uma pandemia. Uma pandemia ocorre “quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se espalha por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa”. A ESPII eleva o alerta global que temos sobre uma doença, com a finalidade de evitar um maior espalhamento para outras regiões, e mitigar os impactos naquelas já afetadas. São necessárias ações, locais a globais, para conter surtos, enviando doações de vacinas e medicamentos para as regiões afetadas.
Conhecemos a doença, conhecemos formas efetivas para seu controle e principalmente, conhecemos os rumos que tomamos em 2023, os quais nos trouxeram para uma segunda ESPII num período de dois anos. A saúde global precisa ser para e alcançar a todos.
Sobre a autora
Mellanie Fontes-Dutra é biomédica habilitada em Bioquímica e Patologia Clínica, mestra e doutora em neurociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É professora da escola de saúde da Unisinos, pesquisadora e divulgadora científica, membro da rede Todos Pelas Vacinas.