Publicado originalmente em Agência Lupa por Chico Marés. Para acessar, clique aqui.
Conteúdos falsos levando ao golpe do resgate do cartão de crédito tiveram, pelo menos, 10 milhões de visualizações no YouTube desde o dia 27 de dezembro. Ao todo, a Lupa encontrou 22 vídeos que usam desinformação para induzir os espectadores a comprar cursos para “resgatar” um dinheiro inexistente ao qual, supostamente, eles teriam direito. Desses, pelo menos seis ainda circulavam como propaganda no dia 15 de fevereiro — e é provável que vários outros tenham circulado dessa forma antes disso.
O golpe é relativamente simples. Uma propaganda no YouTube, geralmente uma reportagem televisiva deliberadamente manipulada, diz que milhões de brasileiros têm direito a sacar uma determinada quantia, e indica um link para o espectador clicar para ter mais informações. Isso leva a um segundo vídeo, geralmente de duração longa — acima de 10 minutos — que conclui com a oferta de um “curso” para o resgate do dinheiro — que não existe. Assim, os golpistas recebem o pagamento do “curso” e ainda têm acesso a dados pessoais das vítimas.
O golpe também está presente no Facebook e em outras plataformas da Meta. Na quarta-feira (15), a Lupa publicou uma reportagem explicando como o golpe funciona. Na quinta (16), uma segunda matéria explicou como páginas “fake” usaram anúncios pagos para viralizar o golpe, contrariando as diretrizes da plataforma.
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Ao menos dez desses links circularam de forma paga no YouTube. Um deles, publicado pelo canal Notícia News no dia 15, tinha 77 mil visualizações apenas 11 horas após a publicação. No dia 16, o número já tinha subido para 243 mil. O vídeo começa com uma reportagem da Jovem Pan que foi digitalmente manipulada para parecer que tratava de “resgate de cartões”. A mesma reportagem foi editada e usada em uma peça de desinformação no Facebook.
Esse anúncio pode aparecer com uma pesquisa usando diversas palavras-chave, como “resgate cartão de crédito”, “resgate dinheiro cartão” e até mesmo somente “cartão de crédito”. Essa aparição não é certa, visto que a veiculação de anúncios não é fixa.
Outra forma de se deparar com esses anúncios é assistindo a vídeos no YouTube de pessoas que desmentem esse tipo de golpe. Um canal de finanças pessoais chamado Doutor Equilíbrio publicou um vídeo no qual diz que pagou por um dos supostos “cursos” — para entender qual era o golpe — e recebeu apenas vídeos que ensinavam a fazer o resgate de dinheiro em sites de milhagem, sem nenhuma relação com “dinheiro retido” pelo governo. Antes do vídeo, porém, pode ser exibido um informe publicitário do golpe — novamente, isso varia, visto que os anúncios não são estáticos.
A propaganda, no caso, foi publicada por um canal chamado Revelado. No ar desde 2 de fevereiro, o vídeo acumula 1,1 milhão de visualizações no YouTube. Ele começa com um trecho de uma reportagem do Jornal da Record, de 31 de janeiro de 2022, publicado fora de contexto. Na época, o Banco Central tinha anunciado a devolução de R$ 8 bilhões retidos em diversas contas, pelo chamado Sistema de Valores a Receber — atualmente inativo. Os golpistas, porém, selecionaram apenas a parte em que as jornalistas diziam que um grande número de brasileiros tinha direito a esses benefícios.
Depois disso, uma narração automatizada diz que os brasileiros deixam R$ 100 milhões “de bandeja para os bancos” todos os anos, e indica ao espectador que ele deve clicar em um link para ter mais informações. Esse link segue o mesmo padrão citado anteriormente — é isca para um “curso” que, supostamente, ensinaria a acessar esse dinheiro inexistente.
Biblioteca paga
Ao contrário da Meta, que permite acesso fácil a informações sobre anúncios publicados por cada conta no Facebook ou Instagram em sua biblioteca, não é possível ter essas informações ao acessar a página de um canal no YouTube. As únicas formas de descobrir se um determinado conteúdo está sendo veiculado de forma paga é se deparando com uma propaganda na própria plataforma ou consultando ferramentas externas pagas.
Uma dessas ferramentas é o VidTao, que permite acesso gratuito por 15 minutos a cada mês. Através dela, foi possível confirmar que o canal Mestre da Renda veiculou pelo menos quatro vídeos desinformativos como propaganda, no mês de janeiro. Eles seguem o mesmo padrão dos casos citados anteriormente, mas a página usada para vender os “cursos” está fora do ar. Os vídeos, porém, ainda estavam disponíveis no YouTube em 15 de fevereiro.
Uma dessas gravações, disponível desde 17 de janeiro, teve 4,8 milhões de visualizações. O VidTao estima que o canal tenha pago US$ 236.762,70 ao YouTube para que esse nível de popularização tenha sido atingida — embora seja importante frisar que se trate de uma estimativa com base no número de visualizações e no custo médio dos anúncios, e não um valor confirmado.
O vídeo é apenas uma tela azul com um texto escrito e narrado, simulando comunicados oficiais transmitidos em TV aberta. É dito que, em 12 de janeiro de 2023, o Banco Central disponibilizou para saque mais de R$ 3 bilhões para 52 milhões de pessoas que usaram cartões de crédito — isso não é verdade. Para ter mais informações, o espectador é orientado a clicar em um link — que provavelmente levaria a um golpe similar aos citados acima. O site, porém, está fora do ar.
Números
Ao todo, foi possível identificar 22 vídeos lançados desde 27 de dezembro com desinformação referente ao “resgate” de valores ligados ao uso de cartão de crédito e outras formas de pagamento. Esses vídeos, juntos, receberam 10,4 milhões de visualizações. Dez deles foram veiculados como propaganda paga — os outros 12 podem, também, ter sido veiculados, mas não é possível saber. Seis canais distintos publicaram esses vídeos: Mestre da Renda, Revelador, Revelado, Fofoquei Choquei, O Caminho e Notícia News.
Uma métrica que pode indicar que o vídeo recebeu impulsionamento é a relação entre o número de visualizações e o número de seguidores do canal. Dos canais citados, o primeiro tem 7,5 mil seguidores, e todos os outros têm menos de mil. São números pequenos para a plataforma.
Porém, três vídeos atingiram mais de um milhão de visualizações — todos eles são anúncios — e outros 13 receberam pelo menos 50 mil views — alguns, sem prova de impulsionamento. No outro extremo, há quatro vídeos que foram vistos menos de 500 vezes — um número condizente com o tamanho dos canais, o que indica que não viraram propaganda.
O que diz o YouTube
Em nota, o YouTube afirmou que todos os conteúdos da plataforma devem estar de acordo com as diretrizes e que há “políticas rígidas para coibir publicidade com conteúdo fraudulento e políticas específicas que regem o conteúdo permitido em anúncios sobre produtos e serviços financeiros”.
A empresa ainda destacou que usa “uma combinação de sistemas automatizados e manuais para revisar os anúncios e conteúdos”, além de ressaltar que age “imediatamente” quando identifica violações de políticas, inclusive a partir de denúncias dos usuários.
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