No Piauí, 49% das mortes violentas e intencionais foram de jovens; crime organizado é o principal causador de ondas de assassinatos

Publicado originalmente em O Estado do Piauí por Vitória Pilar e edição de Luana Sena. Para acessar, clique aqui.

Wesley Matos estava na frente de casa, na Vila Samaritana, zona Leste de Teresina, quando foi atingido com três disparos. Morreu aos 27 anos. Do outro lado da cidade, Dário da Silva, de 23 anos, foi morto nas mesmas circunstâncias. No Residencial Dilma Rousseff, zona Norte, o jovem foi alvejado com pelo menos cinco tiros. Os dois crimes aconteceram em menos de cinco horas, no dia 28 de janeiro.

Os jovens sequer se conheciam, mas segundo as dinâmicas do crime, sem roubo ou qualquer pertence da vítima furtado, a Polícia Civil suspeita que Wesley e Dário fazem parte das mesmas estatísticas de violência que crescem no Piauí: jovens do gênero masculino, que moram na periferia e são as principais vítimas de mortes violentas no Piauí.

Quando os jovens foram mortos, Teresina ultrapassou a marca de 15 homicídios naquela semana. Da noite de sexta-feira (27) até a madrugada do sábado (28), antes da morte de Wesley e Dário, três assassinatos já haviam sido registrados na capital. 

Em 2022, mortes violentas intencionais, como a dos jovens assassinados, concentraram-se em 18 municípios do Piauí. Teresina é a cidade com o maior índice de crimes: das 662 mortes, 301 aconteceram na capital. Quase 50% das vítimas são homens, negros, com idade entre 18 e 29 anos, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-PI). 

O avanço da violência entre a juventude faz parte de um fenômeno muito maior: a  interiorização do crime. Se antes, homicídio e mortes violentas cresciam nas áreas urbanas mais populosas do país, hoje é possível ver a descentralização da violência nas cidades intermediárias e de pequeno porte. Na última década, o crime organizado em facções criminosas – antes originado no Rio de Janeiro e São Paulo -, tem se expandido para o Norte e Nordeste do país. 

Bem longe das capitais ou das grandes cidades, onde os investimentos e o aparato de segurança são menores, o cenário para a instalação de facções torna-se mais propício. De acordo com o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), essa expansão para as duas regiões está ligada às rotas do tráfico internacional. Na dinâmica criminal, Norte e Nordeste funcionam como um hub para esse mercado: cidades amazônicas nas fronteiras de países como Bolívia, Colômbia e Peru, concentram conexões e redistribuem para cidades nordestinas no litoral. 

O “Primeiro Comando da Capital (conhecido como PCC) e o “Bonde dos 40” (B40), se apresentaram há pelo menos uma década como os grupos com intensa prevalência de disputas na capital e interior do Piauí. No entanto, nos últimos dois anos, outros grupos de origem local têm surgido nas disputas por território. A atuação das facções está diretamente ligada ao tráfico de drogas e aumento circunstancial de crimes letais. Dentro das consequências dessas disputas estão os jovens – paralelamente, os grupos  que lideram sistematicamente nos altos índices de violência letal no estado. 

Palco da rota do tráfico internacional de drogas e o epicentro das disputas violentas entre organizações criminosas, o Piauí tem “fechado” fronteiras do Nordeste onde estão localizados alguns dos principais destinos turísticos do país e os portos marítimos. O fluxo dos produtos ilegais segue para o mercado europeu, onde acaba despontando um lucrativo comércio de substâncias proibidas. A região litorânea de Parnaíba é um ponto estratégico, se comparada a outras cidades piauienses, como aponta o Observatório de Segurança Pública do Piauí.  

No início de 2022, Teresina e Parnaíba viveram o que especialistas da Rede de Observatórios de Segurança passaram a chamar de “cotidiano bélico”. À época, segundo o Monitor da Violência, o número de crimes violentos foi considerado o 3º maior do país, em relação à população do estado. Até o final do 3º trimestre de 2023, um novo boletim acerca do panorama da violência na região deve ser lançado pelos pesquisadores. 

A suspeita, entretanto, é que a violência tenha aumentado ao longo do ano passado. Isso porque, além da instalação de facções criminosas no litoral, uma progressiva onda de violência tem sido presenciada em cidades onde a população não chega a quatro mil habitantes. Depois de Teresina e Parnaíba, cidades como Piripiri (5%), Luís Correia (4%) e Picos (4%) aparecem com a maior quantidade de casos de mortes violentas e intencionais no último boletim. 

Alvo com cor e endereço

A presença de facções no Piauí se expressa nos números de violência e tinge os muros das comunidades. Pichações surgindo nas cidades, principalmente em zonas periféricas, denunciam o avanço das facções nas entranhas do estado e dão o tom da violência nos municípios por todo o estado, alistando jovens do gênero masculino e feminino. 

Em janeiro deste ano, um levantamento feito pela SSP-PI revelou que mais de 70% dos casos de homicídios cometidos no estado se concentram em 10 cidades piauienses. Os dados foram apresentados pelo novo secretário de segurança, Chico Lucas, em declaração à imprensa. O novo gestor afirmou que os crimes estavam relacionados ao acesso às armas, facilitado pelo governo Bolsonaro. A nova gestão sustenta que a política pública de controle de armas foi desmontada pelo governo anterior e, por isso, deve promover uma nova regulamentação para a Lei 10.826/03, o Estatuto do Desarmamento.

Como medida para combater o avanço do tráfico de drogas no Piauí, Chico Lucas havia ressaltado que, ao longo deste ano, novas delegacias devem ser criadas para o combate ao crime organizado. Teresina, Parnaíba e Piripiri são os municípios que mais devem receber ações e medidas no combate à violência, com ênfase nos próximos meses. 

Leia mais: Teresina violenta = capital registra série de homicídios por armas de fogo

A chegada das juventudes às facções, sobretudo os negros, é um reflexo da falta de alcance de outras políticas públicas na vida da periferia. “Esse alto índice de letalidade faz com que a maior parte desses jovens não consiga formar famílias, realizar projetos de vida e também ascender socialmente”, aponta o pesquisador da Rede de Observatórios de Segurança, Elton Guilherme Santos. Políticas de repressão e policiamento, conforme o pesquisador, não dão conta de suprimir o complexo problema. 

Para Elton, as políticas existentes hoje dentro da periferia são da ordem de assistência social e distribuição de renda. Por outro lado, no tocante à segurança pública, resumem-se ao policiamento e operações que solucionam parte do problema. “Hoje, no Piauí, tem um sistema que anula as possibilidades de jovens dentro de comunidades”, destaca o pesquisador. “Existem lógicas de sobrevivência na periferia e isso é totalmente ignorado na formulação de políticas para frear a violência nas comunidades”, completa. Sem participação social para novas políticas na segurança, os dados e previsões indicam que a taxa de letalidade entre os jovens será cada vez mais crescente no estado.

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