Nina Santos – Redes políticas e a política das redes: desinformação nas eleições de 2022

Publicado originalmente em Observatório da Comunicação Pública – OBCOMP. Para acessar, clique aqui.

A pesquisadora Nina Santos discorre sobre as relações entre meios de comunicação digitais e democracia e, especialmente, seu papel no acirramento das tensões em torno da desinformação no contexto eleitoral de 2022 no Brasil.

A internet, e especialmente as mídias sociais, abriram todo um novo espaço para campanhas políticas e, mais amplamente, para ação política em geral. Se lembrarmos do início da segunda década dos anos 2000, por volta de 2011, encontraremos um discurso extremamente positivo sobre essas possibilidades que se abriam. Especialmente o Twitter, mas também outras redes, eram vistas como capazes de empoderar cidadãos, dar voz a grupos excluídos e fomentar levantes contra governos autoritários. Foi o momento em que aconteceram a chamada Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, os Indignados, todos movimentos que, de diferentes formas, demonstraram insatisfações com o sistema vigente. Podemos também encaixar nesse momento as manifestações de 2013 aqui no Brasil.

O desafio que esses movimentos oferecem aos sistemas que questionam se dá não apenas pelo tipo de pauta e reivindicação que levantam, mas também pela forma que eles tomam. Fugindo à lógica dos movimentos sociais tradicionais, eles se apresentam descentralizados – mas não completamente horizontais -, unidos por interesses, muitas vezes, pontuais e fortemente articulados pelas redes digitais. Daí o surgimento de um conceito que se tornou muito usado entre os acadêmicos, aquele de “ação conectiva”, proposto por Alexandra Segerberg e Lance Bennett em um texto de 2012. Para os autores, esse tipo de mobilização política se diferenciaria da tradicional “ação coletiva” não apenas por ter o uso de redes digitais no centro da sua ação, mas especialmente por incorporar essa lógica de rede na sua própria estruturação.

Pois bem, uma década depois, a visão mais comum sobre o que o digital pode oferecer à democracia mudou diametralmente. Depois do processo do Brexit, da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e da chegada de Bolsonaro ao poder, as mídias digitais passaram de salvadoras a assassinas da democracia. Fenômenos como a ampla disseminação de fake news, o impacto dos discursos de ódio e o mau uso das novas possibilidades da publicidade digital são alguns exemplos de como as redes passaram a ser consideradas culpadas por muitos dos males que a sociedade enfrentou recentemente.

O cenário das eleições de 2022

A campanha já começou e as tensões em torno da desinformação estão no ar. A disputa se dá em várias instâncias. A esfera jurídica certamente tem sido uma das arenas privilegiadas desse embate, com uma série de decisões sobre retirada de conteúdos do ar e até de investigação sobre grupos de mensageria privada em que circulam discursos golpistas e de ataque às instituições. O Observatório da Desinformação nas Eleições de 2022 tem monitorado essas decisões judiciais e explicado alguns aspectos interessantes de como esses processos têm sido conduzidos.

Em outra frente, a pressão nas plataformas também tem sido grande. Além de assinarem termos de compromisso com o TSE, algumas delas têm anunciado medidas adicionais que buscariam enfrentar a questão da desinformação eleitoral. O Facebook, por exemplo, anunciou recentemente que qualquer postagem que coloque em questão a integridade eleitoral será considerada desinformação e o WhatsApp anunciou que o Brasil será o último país a aderir à ferramenta ‘comunidades’, que tem potencial de aumentar a viralidade de mensagens no aplicativo. A página de eleições do *desinformante está acompanhando os compromissos das plataformas e seus desdobramentos.

O discurso dos candidatos também mostra que a questão da desinformação está definitivamente incorporada ao debate político. As entrevistas dos candidatos no Jornal Nacional e o primeiro debate televisivo, liderado pela Band, mostraram, de um lado, o uso de uma série de informações falsas, e, de outro, como acusações de se tornaram parte do jogo político, inclusive contra jornalistas. Na primeira vertente, no dia seguinte à entrevista de Bolsonaro no Jornal Nacional, disseminou-se na rede o vídeo em que ele imita pessoas com falta de ar durante a pandemia de Covid-19. Na entrevista, ele afirmou que jamais havia feito aquilo. Já no caso do uso da desinformação como retórica de ataque, talvez o episódio mais emblemático até o momento tenha sido mais um triste ataque a mulheres jornalistas. O mesmo candidato que mentiu na entrevista no jornal televisivo de maior audiência da televisão brasileira, atacou brutalmente a jornalista Vera Magalhães durante o primeiro debate do pleito. Infelizmente essa prática se tornou frequente nos últimos anos e diversas instituições registram um aumento exponencial de violências contra jornalistas.

Por um lado, a questão das redes – e especialmente das fake news – nunca esteve tão no centro do debate. Isso significa que as instituições do nosso país – ou o que sobrou delas – estão muito mais atentas a essa questão e de prontidão para agir. Por outro lado, como já defendemos em diversos momentos neste texto, os efeitos das redes precisam ser vistos dentro de um contexto político. E, como estamos vendo, o cenário eleitoral não está sendo nada alvissareiro.

Em meio ao caos das notícias diárias, não podemos esquecer que a campanha é também um momento de debate amplo, de formulação de propostas e de firmar compromissos. Nesse sentido, precisamos refletir sobre como avançar no Brasil para a construção de um ambiente digital propício à transformação social. O espaço plataformizado que vivemos hoje não pode ser confundido com a totalidade do espaço digital. Alternativas são possíveis, mas precisamos saber construí-las.

Nina Santos
Doutora em Ciências da Informação e da Comunicação pela Université Panthéon-Assas
Pesquisadora do INCT.DD
Diretora do Aláfia Lab
Coordenadora acadêmica do *desinformante

Compartilhe:

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
Share on linkedin
Share on telegram
Share on google

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Language »
Fonte
Contraste