Naiza Comel – Ainda é preciso avançar na transparência pública – e em todos os âmbitos

Publicado originalmente em Observatório de Comunicação Pública – OBCOMP. Para acessar, clique aqui.

Em sua dissertação de Mestrado, Naiza Comel analisou a transparência pública online de prefeituras, a partir da legislação e de elementos além das exigências legais. Neste texto, ela apresenta os resultados do estudo e aponta a necessidade de avanços em transparência e comunicação pública no Brasil.

Mais de 10 anos após a entrada em vigor das duas principais leis sobre transparência pública – Lei Complementar nº 131/2009 (ou Lei da Transparência) e a Lei Federal n° 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), ainda vemos a necessidade de manter o debate sobre as obrigações das instituições públicas de prestarem contas à sociedade. A organização não-governamental Transparência Brasil levantou, por exemplo, dezenas de casos em que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro atentou contra a LAI ou sonegou informações de acesso público.

Em minha dissertação, defendida em 2021 no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), busquei verificar como se dava a transparência pública em municípios – o foco foi, então, a transparência ativa (as informações disponibilizadas sem solicitação). As primeiras reflexões versavam apenas sobre como a comunicação pública poderia contribuir para a ampliação da transparência das prefeituras, a partir, por exemplo, da existência de textos explicativos e outros canais de participação para a população. Mas, logo nas observações preliminares, foi possível perceber que a análise precisaria incluir as questões relacionadas à legislação. Ainda não era possível verificar em que medida os problemas ocorriam, mas eles estavam lá.

Assim, a pesquisa “Transparência na casa do cidadão: uma avaliação dos websites de prefeituras da Região Sul do Brasil” propôs 60 critérios divididos em duas dimensões: aspectos da legislação e elementos associados a iniciativas além das exigências legais. Apenas para exemplificar estes critérios, a dimensão aspectos da legislação levantou questões como: As informações de receitas e despesas são atualizadas com prazo máximo de 24 horas? Os salários são divulgados nominalmente no Portal de Transparência? A legislação do município é disponibilizada? Já a investigação das iniciativas além das exigências legais procurou identificar, entre muitos outros aspectos, a existência de manuais e cartilhas para explicar sobre procedimentos; informações sobre conselhos municipais; acompanhamento de obras; possibilidades de indicação para melhorias no site.

O trabalho, que foi orientado pelo professor Francisco Paulo Jamil Marques, apresenta os resultados desta análise em sites de 21 prefeituras (seis do Paraná, sete de Santa Catarina e oito do Rio Grande do Sul), definidas a partir das Regiões Geográficas Intermediárias do IBGE. Vale ressaltar que a escolha de avaliar a transparência online em municípios se deu porque trata-se da instância de poder mais próxima do cidadão e, portanto, as decisões dos gestores públicos têm impacto direto no seu dia a dia. Além disso, ao elaborar os critérios de análise em forma de questionário, acredito que esta é uma pesquisa que pode colaborar para a identificação de lacunas pelos próprios profissionais de comunicação e outros servidores das administrações municipais envolvidos em processos de abertura e controle social.

Avanços são necessários – mas como promovê-los?

A investigação identificou a transparência dos municípios a partir de cinco níveis: avançado, significativo, moderado, fraco e insuficiente. A maior parte dos municípios analisados (15 das 21 cidades) teve transparência moderada. Outras cinco cidades foram classificadas tendo transparência significativa, enquanto somente uma apresentou transparência fraca. Não houve cidade classificada como “transparência avançada” ou “transparência insuficiente”.

Mais do que esta classificação, o trabalho mostrou que a maior parte das exigências legais vem sendo cumprida – alguns critérios, inclusive, são atendidos por todas as prefeituras. Isso, porém, não me parece motivo de comemoração: a ausência de algumas determinações é grave, visto que, como dito anteriormente, estes aspectos de análise foram baseados em leis existentes há muitos anos. E há, inclusive, ações realizadas pelo Ministério Público para monitoramento dos municípios e indicação de adequações.

Já no que diz respeito aos aspectos e recursos de comunicação que facilitam a compreensão dos dados, o monitoramento das decisões tomadas e a disponibilidade de informações complementares, alguns pontos determinados pela análise já estavam presentes em muitos sites – como divulgação de informações históricas, dados acerca da existência de conselhos municipais, divulgação de links para os perfis das prefeituras em redes sociais e acesso a dados das secretarias a partir das páginas principais. Para citar bons exemplos, a prefeitura de Florianópolis/SC apresentou uma ferramenta interativa de acompanhamento de obras – a partir do mapa da cidade e clicando na indicação da área, era possível ver o investimento realizado até o momento, a porcentagem de conclusão da obra e até imagens da mesma. A prefeitura de Joinville/SC, por sua vez, foi a única a apresentar seção com informações sobre o funcionamento do governo. Ela continha, entre outros, definições sobre quem exerce o governo, o que são programas e ações, como se configura o orçamento da cidade.

De uma forma geral, como esperado, as prefeituras cumpriram mais os quesitos legais do que atenderam aos critérios para além da legislação. Obviamente, é preciso levar em conta que o segundo grupo foi composto exatamente no sentido de verificar uma “ampliação” da transparência com outras ferramentas da comunicação pública. Mas, a meu ver, os resultados indicam que este é um debate que precisa ser constante – não apenas pelos órgãos de fiscalização, mas também na academia e pela sociedade.

A atualização das leis de transparência pode ser outro caminho – o que colaboraria, inclusive, para impedir que boas iniciativas sejam descontinuadas com mudanças nas gestões das administrações. Isso poderia ser feito nos próprios municípios, mas determinações federais facilitariam este processo. As reflexões passam por incluir na legislação questões que ajudem o cidadão a compreender as informações. Os dados de licitações e contratos estão no Portal da Transparência, mas todos os interessados entendem de que forma esse processo ocorre e, até mesmo, porque ocorre? Em situações mais amplas, como no caso da Lei de Diretrizes Orçamentárias, estar disponível no site representa o acesso à informação, mas não a compreensão, por uma parte da sociedade, da importância e de como é elaborada. Nesse sentido, o trabalho de mediação exercido pelos profissionais de comunicação é central.

Por enquanto, o que se vê no que diz respeito a esta ideia de uma transparência ampliada são iniciativas isoladas de municípios mais preocupados – e, provavelmente, com mais estrutura – para desenvolver e disponibilizar novas ferramentas de transparência e de comunicação em seus sites. Desta forma, é possível inferir que a realidade verificada na dissertação seja ainda mais problemática em cidades de menor porte. Reforço assim o entendimento que a promoção da transparência pública – mesmo que com avanços inquestionáveis na última década – ainda precisa ser acompanhada de perto (e por todos nós).

Naiza Comel

Mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista CAPES e integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE/UFPR).

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