Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
Por Eduardo José Grin, Diogo Joel Demarco e Fernando Luiz Abrucio
Desde 1988 há um paradoxo no federalismo brasileiro. Todos os municípios transformaram-se em entes federativos, com status similar aos estados e à União. Essa autonomia, no entanto, foi instituída num cenário em que a imensa maioria dos municípios não tinha todas as condições para exercer esse novo poder político-administrativo.
Além das enormes diferenças que caracterizam o país em relação à geografia, à demografia e à desigualdade econômica e social, o maior desafio federativo está no seguinte fato: a Constituição e as leis subsequentes repassaram autonomia e a responsabilidade pela implementação de boa parte das políticas sociais ao plano local, só que a maioria dos governos municipais têm baixa capacidade administrativa e gerencial para realizar essa tarefa.
A gestão municipal brasileira, considerando seu status constitucional e características assumidas após 1988, certamente está enfrentando o seu maior teste com a Covid-19. O governo local que sairá desta crise não será o mesmo de antes da pandemia. Várias carências de capacidades estatais nos municípios brasileiros indicam que o desafio para o enfrentamento das demandas multidimensionais sobre a gestão, advindas da pandemia, não serão triviais.
Capacidades estatais serão testadas para implementar políticas públicas com menos recursos, para lidar com maiores demandas sociais por serviços públicos decorrentes do desemprego e com a queda de arrecadação financeira, além de haver uma necessidade maior de criar canais de interlocução com a sociedade para planejar e executar medidas referentes aos múltiplos desafios provocados pela pandemia.
Se as capacidades de gestão e planejamento já eram carências da maioria das localidades, não seria improvável estimar que muitas poderão enfrentar grandes dificuldades frente ao cenário pós-crise gerada pela Covid-19. O vírus tem ensinado que barreiras físicas são, em muitos casos, meras convenções administrativas, o que também serve para outras áreas, como meio ambiente, resíduos sólidos e abastecimento de água, que guardam a mesma lógica. Este tipo de atuação requer um reforço de capacidades técnica e político-relacionais.
Ademais, muitas cidades não possuem canais minimamente institucionalizados com a sociedade, o que deverá cobrar um preço alto, já que o poder público sozinho não terá condições de enfrentar essa situação e gerar políticas públicas que atendam demandas crescentes das populações locais.
O debate sobre qual governo local sairá dessa crise ainda está por ser realizado, mas quanto mais ele for retardado, mais lenta será sua capacidade de se (re)colocar como um ator estratégico para responder as demandas oriundas dos setores afetados pela pandemia. Esse também é um debate necessário, pois será no nível local que as questões sanitárias, sociais e econômicas mais pressionarão diretamente o governo. O papel dos governos municipais será vital e indispensável para o enfrentamento das múltiplas questões derivadas da crise provocada pela Covid-19. É nesse contexto que o tema das capacidades estatais municipais adquire relevância e repõe a importância de analisar os recursos administrativos, técnicos e político-relacionais que dispõem as localidades brasileiras.
Publicação sobre o tema disponível aqui.
Sobre os autores
Eduardo José Grin é professor do programa de doutorado em Administração Pública (Universidad del Valle/Colômbia) e pesquisador do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPGFGV/ São Paulo).
Diogo Joel Demarco é docente associado da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EA/UFRGS) no curso de Administração Pública e Social, docente permanente do Programa de Pós-Graduação Profissional em Economia (PPECO/UFRGS) e Vice-diretor do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV/UFRGS).
Fernando Luiz Abrucio é professor e pesquisador da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP).