MULHERES NO JORNALISMO

Publicado originalmente em SOS Imprensa por Gabriela Boechat. Para acessar, clique aqui.

Ataques a jornalistas demonstram clara tentativa de silenciamento dessas mulheres 

Ontem, 7 de abril, foi comemorado o Dia do Jornalista. Criado pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a data escolhida homenageia Giovanni Libero Badaró, importante jornalista que lutou pelo fim da monarquia portuguesa e pela independência do Brasil.  Assim como Badaró, desde os primórdios da atividade jornalística no Brasil, profissionais lutam pelo direito à liberdade de imprensa. O inciso V do artigo 2º do Código de Ética do Jornalista, por exemplo, prevê que “a obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação, a aplicação de censura e a indução à autocensura são delitos contra a sociedade”. 

Infelizmente essa luta ainda é constante e necessária. O Brasil, de acordo com o ranking mundial da liberdade de imprensa de 2021, caiu quatro posições e agora se encontra na zona vermelha. A partir de uma rápida análise de dados, compreende-se que desde 2019, quando Jair Bolsonaro (PL) assumiu a Presidência, o ambiente de trabalho para jornalistas se tornou mais perigoso, e a liberdade de imprensa está cada vez mais ameaçada. “Insultos, estigmatização e orquestração de humilhações públicas de jornalistas se tornaram a marca registrada do presidente, sua família e sua entourage”, afirma o texto de apresentação do ranking. 

Em entrevista à DW Brasil, o diretor da organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), Emmanuel Colombié, defende que há uma estratégia estruturada de ataques a jornalistas no Brasil. Segundo ele, a atuação começa no presidente e atinge sua base fiel de apoiadores, criando um “ambiente tóxico” para a atividade dos profissionais. “Não à toa, vemos muitos ataques a jornalistas em protestos e linchamentos digitais, principalmente contra mulheres”. 

Mulheres no jornalismo  

Se nos últimos anos pudemos observar o ambiente de trabalho de jornalistas homens se tornarem tóxicos, os dados que demonstram uma pior situação para profissionais mulheres não surpreendem. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) em 2018 demonstrou que 84% das jornalistas já vivenciaram alguma situação de violência psicológica no trabalho, incluindo insultos presenciais ou pela internet, humilhação em público, intimidação verbal e ameaças pelas redes sociais.  

Outro artigo, também produzido pela Abraji e publicado em agosto de 2021, relata que os ataques direcionados às jornalistas mulheres são diferentes dos orientados aos homens. Os primeiros tendem a focar “em atributos sexuais ou na violação de padrões sociais de comportamento”. Essas agressões têm repercutido de forma grave na vida das profissionais. As reações incluem autocensura, alterações no envolvimento com o público, recusa em participar de certas pautas por receio de ataques e deterioração da autoestima e saúde mental.  

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Ainda nesse mesmo artigo, foram efetuadas entrevistas com algumas jornalistas. Uma delas (não identificada) ressalta que os ataques sofridos “não são um movimento espontâneo de crítica. É tudo muito bem feito, parte de uma estratégia. (…) O objetivo é tirar a credibilidade e também a segurança emocional.” Outra entrevistada diz: “geralmente, os ataques duram em torno de uma semana, porque o assunto muda. No meu caso, durou dois meses. [..] Fizeram print das minhas fotos, procuraram coisas antigas. Você percebe que não é só uma tentativa de questionar a matéria, o trabalho, é uma tentativa de silenciar, intimidar.” 

A misoginia estrutural da sociedade fica ainda mais evidente quando analisamos outra pesquisa realizada pela revista Azmina em novembro de 2021. Ela demonstra que, “no caso dos homens, a incidência de ataques diretos é menor e, muitas vezes, as ofensas se misturam com ataques a outras mulheres ou à imprensa no geral. Várias mensagens direcionadas aos homens também contêm comentários misóginos ofendendo outras figuras femininas relacionadas a eles, como mãe, irmã e colegas de profissão.” 

Governo Bolsonaro  

Ambas as pesquisas também mostram que os ataques são mais violentos e frequentes para jornalistas que cobrem política, principalmente quando a pauta é relacionada ao Presidente da República, Jair Bolsonaro.  

A jornalista do jornal Folha de S. Paulo Patrícia Campos Mello, por exemplo, foi vítima de um ataque misógino perpetrado pelo presidente em 2020. Patrícia foi autora de uma reportagem que revelava uma campanha de disparo de mensagens anti-PT nas eleições de 2018, na qual o principal beneficiado seria Bolsonaro. Em entrevista, ao comentar sobre um depoimento presente na matéria, Bolsonaro fez os ataques à jornalista.  Em 2021, o presidente foi condenado a indenizar Patrícia pelo comentário. 

Ainda assim, a fala do presidente motivou diversas agressões contra Patrícia nas redes sociais pelos seus apoiadores. E aqui encontra-se uma das maiores problemáticas: quando se tem uma figura máxima como a do Presidente da República perpetrando abusos contra liberdade de imprensa e a favor da misoginia, e raras vezes sendo responsabilizado por isso, é passada a mensagem de que tais atitudes podem ser normalizadas.  

Além da Patrícia, Miriam Leitão (jul/2019), Thais Oyama (jan/2020), Eliane Catanhêde (fev/2020) e Daniela Lima (jun/2021) foram atacadas diretamente por Bolsonaro. 

Esses fatos demonstram uma clara tentativa de silenciamento das mulheres jornalistas a partir do medo, o que é evidenciado numa das reações mais comuns das vítimas da violência: a autocensura, como já citado. As agressões comunicam que a mulher não pertence ao jornalismo. Não pertence ao lugar que age para exigir que o Estado garanta os direitos fundamentais de seus cidadãos. Por isso, impedir mulheres de se posicionarem criticamente e politicamente é uma forma perspicaz de censura com o objetivo de manter o status quo: uma política e mídia dominada pelos e baseada nos interesses masculinos. É necessário que se compreenda que se não há espaço para mulheres no jornalismo, não há imprensa livre e, por consequência, a democracia se mostra impossível.   

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