Mudanças climáticas e planejamento urbano

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Artigo | Diante do cenário atual, é preciso tomar atitudes preventivas para proteger populações e ambientes urbanos e rurais, argumenta Gerson Luis Miltzarek, pós-doutorando no Laboratório de Processamento Mineral do Departamento de Metalurgia

*Por Gerson Luis Miltzarek
*Foto: Vista aérea de região na Zona Sul de Porto Alegre (Flávio Dutra/Arquivo JU 13 mai. 2010)

A aventura humana na face da Terra vem adquirindo contornos dramáticos nos últimos cinquenta anos. A opção estratégica de adotar os combustíveis fósseis como principal fonte de energia para as indústrias, os meios de transportes e para o aquecimento de residências nas regiões de invernos rigorosos tem cobrado a conta. As mudanças climáticas, o consequente aquecimento global e as ocorrências cada vez mais frequentes de eventos extremos, tais como grandes inundações, tempestades com ventos de elevada velocidade e estiagens em larga escala, têm potencial destrutivo para afetar tanto o meio urbano como as áreas rurais. 

Os prejuízos econômicos e as perdas de vidas têm pesos diferentes, devido à concentração populacional em cidades de diferentes portes, desde metrópoles até povoados. Longe do meio urbano, as perdas se concentram principalmente na destruição de terrenos agricultáveis, interrupções de estradas e açoreamento de cursos de águas e, no caso das estiagens, perdas consideráveis na produção de alimentos e insumos. Já no meio urbano o maior problema reside na localização de habitações em terrenos irregulares, junto às áreas de inundação de rios e nas encostas de morros com solos instáveis.

A urgência em buscar ferramentas que nos ajudem a enfrentar essa realidade mobiliza os setores governamentais, os legisladores, o setor econômico, o meio acadêmico e as associações de natureza civil da sociedade. O que fazer? Quais as prioridades? Elaborar legislação que regule as formas de habitação em áreas sensíveis geologicamente ou colocar nos planos diretores das cidades condicionantes plausíveis e de execução imediata para afastar os riscos das aglomerações humanas?

Nesse aspecto, torna-se relevante trazer para discussão de que modo adaptar o plano diretor da cidade à nova realidade das mudanças climáticas. O plano diretor é um projeto de cidade que trata de parâmetros físico-territoriais e é elaborado pelo Poder Executivo, devendo ser aprovado pela Câmara Municipal e, assim, juntando aspectos jurídicos e decisões políticas na construção de uma eficaz aproximação de atores públicos e privados que se harmonizam na busca democrática da transformação do espaço urbano.

A Constituição do Brasil estabelece no § 1.° do art. 182 que o plano diretor: (1) é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana; e (2) deve ser aprovado pela Câmara Municipal. Em conformidade, o § 2.° do mesmo artigo determina que cabe a esse documento definir as exigências fundamentais de ordenação da cidade que delineiam o cumprimento da função social da propriedade urbana. Na mesma linha, o Estatuto da Cidade, Lei n.° 10.257, de 2001, no § 1.° do art. 40, também estabelece que o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, sendo parte integrante do processo de planejamento municipal, fazendo com que as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual contemplem as prioridades nele contidas. 

Esse processo de planejamento da organização físico-territorial da cidade que resulta no plano diretor deve ser participativo, segundo garantias asseguradas tanto pela Constituição Federal como pelo Estatuto da Cidade. Entre tais garantias estão as audiências públicas e os debates com a presença da população e de associações representativas dos mais diversos segmentos da comunidade, a publicidade dos documentos e informações produzidas, e o acesso amplo de qualquer interessado a esses dados. 

Cabe aos municípios a competência legal de promover a ordenação territorial e a transformação do espaço urbano segundo planejamento que contemple normas de controle de uso e ocupação do solo e projetos urbanísticos que tenham coerência e coesão dinâmica. 

A partir desse arcabouço legal, devemos nos ater aos aspectos dinâmicos do planejamento urbano, como mobilidade urbana, saneamento e habitação, além dos projetos de loteamentos, de obras públicas, de operações urbanas consorciadas, de regularização fundiária e de edificações.

O planejamento urbano e regional estuda, desenvolve e aplica projetos para ordenar o crescimento de cidades, subúrbios e até mesmo regiões rurais. Seu principal objetivo é planejar e construir espaços que minimizem problemas decorrentes dos processos de urbanização, como poluição e engarrafamentos.

Estudo elaborado recentemente pelo Serviço Geológico do Brasil, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, revelou que o número de áreas consideradas de risco em Porto Alegre aumentou quase 20% nos últimos 10 anos. O relatório considerou três processos que levam à classificação de risco: movimentos de massas (deslizamento, quedas de blocos e corridas de massa), hidrológicos (enxurradas, inundação e enchente) e erosivos (fluvial). Uma vez identificada a presença desses fatores em uma área, ela é classificada como de alto risco ou muito alto. Grande parte das áreas incluídas no levantamento pode ser enquadrada nesses graus de risco, estando sujeita a inundações, enxurradas e deslizamentos. 

As estratégias geralmente adotadas pelos gestores públicos incluem discutir e propor ações de enfrentamento às áreas de risco no ambiente urbano, como elaboração de planos emergenciais de prevenção, mitigação, remoção e resposta para as áreas de risco.

Na adaptação das cidades às mudanças climáticas, devem ser desenvolvidas ações prioritárias que incluam: melhora das previsões climatológicas e dos sistemas de alerta; e monitoramento dos eventos climáticos extremos e do comportamento do ambiente urbano. 

Embora não seja unânime a percepção da atividade humana como aceleradora das mudanças climáticas, urge tomarmos atitudes mitigadoras com base no princípio da precaução, base do direito ambiental. Nesse sentido, o Plano Diretor e o Estatuto das Cidades são ferramentas fundamentais para o planejamento urbano tratar das condições de habitação das populações mais vulneráveis e, assim, mais suscetíveis aos riscos causados pelas consequências do aquecimento global.


Gerson Luis Miltzarek é pós-doutorando no Laboratório de Processamento Mineral Departamento de Metalurgia.

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