Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Daniel Reis. Para acessar, clique aqui.
* Com colaboração de Rafaely Camilo
O Ministro das Comunicações, Fábio Faria, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL/SP), ambos políticos evangélicos, publicaram em suas mídias sociais, nos dias que se seguiram às eleições no Brasil, conteúdo que contesta a situação de extrema pobreza e fome no país.
Fábio Faria contestou o número de 33 milhões de brasileiros em situação de fome, divulgado pela oposição ao governo em campanha. O ministro de Estado afirmou que a quantidade é de 1,9 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil.
Já Eduardo Bolsonaro publicou que 4,14 milhões estariam na linha de pobreza. De acordo com o deputado do PL “é tudo sobre narrativas”, e a fome não seria tão grande assim no Brasil, como afirmam os grupos de oposição ao governo Bolsonaro.
Fábio Faria e Eduardo Bolsonaro correlacionam as faixas de pobreza e extrema pobreza ao número de pessoas que passam fome no país, mas as duas questões devem ser apresentadas a partir de um contexto mais amplo e diversas variáveis como metodologia para categorizar as faixas de pobreza, características de cada país e região, inflação, mercado de trabalho, entre outros.
A publicação do ministro Fábio Faria traz duas imagens, uma com o título da matéria do jornal O Globo e a outra do site Poder 360. Fábio Faria relaciona a matéria de O Globo a informações falsas sobre a fome durante o período eleitoral e faz um contraponto com as informações do Poder 360, buscando fazer entender que o número de pessoas na extrema pobreza é equivalente ao número de pessoas que passam fome no Brasil.
A publicação de Eduardo Bolsonaro segue na mesma linha, apresentando os dados do Banco Mundial que indicam os brasileiros na faixa da pobreza extrema como uma resposta às críticas da oposição ao atual governo durante a campanha eleitoral e os dados da fome. Bereia checou os dados e identificou que informações sobre os anos de 2021 e 2022 ainda não estão disponíveis em qualquer órgão oficial ou entidade privada reconhecida. Os dados mais recentes dizem respeito a 2020.
Últimos dados apresentados pelo Banco Mundial: pobreza e extrema-pobreza no Brasil
Os dados apresentados nas publicações de Fábio Faria e Eduardo Bolsonaro apresentam como fonte o Banco Mundial. De acordo com as métricas definidas pelo Banco Mundial, a pobreza extrema é caracterizada quando um indivíduo vive abaixo da linha internacional de pobreza, com renda de US$1,90 por dia, a preços de 2011, e US$2,15 por dia, a preços de 2017. Esses dados são ajustados pela inflação e pelas diferenças no custo de vida entre os países.
Entre os anos de 2003 e 2014 o número daqueles que viviam na extrema pobreza foi reduzido de forma constante ano após ano, por conta das políticas de distribuição de renda assumidas no país. A partir de 2015 este número voltou a subir de forma constante até 2019. De acordo com os últimos dados apresentados pelo Banco Mundial, eram 4,86%, em 2019. Em 2020 houve redução para 1,75% da população na faixa de extrema pobreza.
Os dados apresentados nas publicações dos políticos em relação aos números da extrema pobreza estão corretos, entretanto, esta questão não está diretamente ligada à fome do país. Mesmo que a faixa dos que estão na extrema pobreza tenha diminuído, existem outras faixas de pobreza e outras questões que levam à população a sofrer com a fome.
Banco Mundial estabelece outras duas faixas de medição de pobreza
A linha de pobreza de US$3,20 por dia per capita a preços de 2011 e US$3,65 por dia a preços de 2017, com 5,32% da população do Brasil nesta faixa.
A linha de pobreza de US$5,50 por dia per capita nos preços de 2011 e US$6,85 por dia nos preços de 2017, com 18,73% dos brasileiros nesta faixa
De acordo com os dados apresentados pelo Banco Mundial, o Brasil teria em torno de 25% da população incluída em uma das três faixas de pobreza. Desta forma, há um número muito alto de pessoas com renda muito baixa, entre estas, as que sustentam famílias inteiras, enfrentam as condições de trabalho precário e informal.
Não se pode comparar fome com extrema pobreza
As publicações de Fábio Faria e Eduardo Bolsonaro fazem referência à matéria do Jornal O Globo que afirma que 33 milhões de brasileiros passam fome. O número foi obtido por pesquisadores da Rede Penssan, formada por entidades como Ação da Cidadania, Actionaid, Ford Foundation, Vox Populi e Oxfam.
Na última divulgação dos dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, a fome avançou no Brasil em 2022 e atingiu 33,1 milhões de pessoas.
Em setembro de 2021, os pesquisadores da Rede Penssan destacam que o recente reajuste no valor do Auxílio Brasil para R$ 600, a partir de agosto de 2022, não mudou o quadro da fome, porque a alta inflação dos alimentos, a piora no mercado de trabalho e a fila de pessoas que não conseguem entrar no Cadastro Único — e que, por isso, não recebem o auxílio — agravaram a crise.
No Brasil de 2022, apenas quatro em cada dez domicílios conseguem manter acesso pleno à alimentação – ou seja, estão em condição de segurança alimentar. Os outros seis lares se dividem numa escala, que vai dos que permanecem preocupados com a possibilidade de não ter alimentos no futuro até os que já passam fome. De acordo com a pesquisa,em números absolutos, são 125,2 milhões de brasileiros que passaram por algum grau de insegurança alimentar. É um aumento de 7,2% desde 2020, e de 60%, em comparação com 2018.
De acordo com o coordenador da Rede Penssan, Renato Maluf, “já não fazem mais parte da realidade brasileira aquelas políticas públicas de combate à pobreza e à miséria que, entre 2004 e 2013 [como se pode constatar nos gráficos apresentados pelo Banco Mundial], reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros. As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulnerabilizados”.
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Bereia classifica que as publicações do ministro Fábio Faria e do deputado Eduardo Bolsonaro desinformam, pois são imprecisas. Mesmo que apresentem dados reais quanto à acentuada queda do número de brasileiros na extrema pobreza, baseados na última faixa de renda do Banco Mundial, o conteúdo não trata a questão específica da fome, alvo da campanha da oposição nas eleições.
Qualquer abordagem sobre a temática deve ser relacionada ao Auxílio Brasil de R$600,00, que com a alta da inflação e do custo dos alimentos não é suficiente para a manutenção básica das famílias. Além disso, as publicações, em defesa do governo federal, omitem dados como o alto preço dos combustíveis (controlados atualmente de maneira artificial), mercado de trabalho precário e uma série de informações que permitem uma discussão ampla em torno da fome no país. Portanto, as publicações não oferecem dados substanciais ou comprováveis, não consideram diferentes perspectivas, não contextualizam a situação em questão, fazendo uso frio e isolado de números.
Deve ser feita ainda a distinção entre os números da fome e os números da pobreza, uma vez que são dados diferentes e nas publicações verificadas, tanto Fábio Faria quanto Eduardo Bolsonaro usam como dados iguais ou correlacionados, o que não é correto.
Referências de checagem:
IBGE.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25882-extrema-pobreza-atinge-13-5-milhoes-de-pessoas-e-chega-ao-maior-nivel-em-7-anos Acesso em 7 nov 2022
Banco Mundial. https://ourworldindata.org/from-1-90-to-2-15-a-day-the-updated-international-poverty-line Acesso em 07 nov 2022
Rede PENSSAN. https://pesquisassan.net.br/ Acesso em 7 nov 2022
O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/09/entenda-os-numeros-que-mostram-que-33-milhoes-de-pessoas-passam-fome-no-brasil.ghtml Acesso em 07 nov 2022
Poder 360. https://www.poder360.com.br/economia/extrema-pobreza-do-brasil-cai-para-a-minima-historica-em-2020/ Acesso em 7 nov 2022