Publicado originalmente em *Desinformante por Matheus Soares. Para acessar, clique aqui.
A menos de um mês para a posse, o presidente eleito da Argentina, Javier Milei, já mostra os planos para os próximos anos de governo de extrema-direita. Um dia após os resultados do pleito, o político afirmou em entrevistas às rádios locais que vai privatizar os sistemas públicos de comunicação do país por causa da cobertura negativa que recebeu durante a campanha. Ataques aos veículos públicos nacionais também foram estratégia de Jair Bolsonaro enquanto esteve no executivo brasileiro.
Estão na mira de Milei a TV Pública, a Rádio Nacional e a Agência Nacional de Notícias (Telám). “Consideramos que a TV Pública se tornou um mecanismo de propaganda”, afirmou o novo presidente. “Os 75% que se falou do nosso espaço foi de forma negativa”. A petrolífera YPF também está incluída na lista do aparato público previsto para ser vendido nos próximos anos.
Em resposta, os sindicatos de jornalistas e organizações de imprensa argentinas já se articulam contra os planos de privatização do novo chefe do executivo do país. Nas redes sociais, o slogan “Sem mídias públicas não há democracia“, encabeça postagens das recentes assembleias e reuniões convocadas para tratar sobre o tema.
Agustin Lecchi, representante do Sindicato dos Jornalistas de Buenos Aires (SiPreBA), diz que as empresas públicas de comunicação argentinas são importantes para a democracia do país, pois garantem a pluralidade de vozes, a diversidade e a possibilidade de que todos setores sociais tenham lugar na agenda informativa “Uma comunicação federal que seja de maneira gratuita em todo território nacional só pode ser feita por meio da TV Pública”, exemplifica.
Lecchi também evidencia que esse aparato comunicacional foi estabelecido pela Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, instituída em 2009, que foi considerada uma das referências de regulação das mídias na América Latina nos últimos anos. Acabar com isso, segundo o jornalista, será “um grande retrocesso”.
Apesar da preocupação, o sindicato compreende que, por enquanto, a extinção das agências são apenas declarações, não medidas de governos. “Temos que ser pacientes e esperar que medidas concretas sejam feitas para, em função disso, atuar”, pontuou Agustin.
Ainda na semana pós-eleição, a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) repudiou as declarações de Milei sobre a privatização dos veículos de comunicação públicos, afirmando apoiar os sindicatos locais do setor na defesa do acesso à informação. “Os meios de comunicação estatais também implicam numerosos empregos, que não são abundantes num setor precário e explorado como o das comunicações. Trabalho digno, liberdade de imprensa e liberdade de expressão são requisitos para a vida numa democracia”, trouxe o comunicado.
Durante a campanha das eleições, que teve início em agosto deste ano, Javier Milei atacou e insultou jornalistas em coletivas e debates públicos. O período eleitoral também foi marcado por narrativas falsas de fraude eleitoral, impulsionadas pelo próprio Milei, e episódios de violência política.
No Brasil, Bolsonaro atacou e desmantelou a EBC
A agenda contra a mídia pública também foi levantada, no Brasil, por Jair Bolsonaro ainda na campanha eleitoral de 2018. A extinção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) foi uma das principais propostas de governo do então candidato, justificando que a empresa era custosa, pouco eficiente e orientada por um viés ideológico específico. Em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro chegou a afirmar que a TV Brasil “não serve para nada”, prometendo também, em outras ocasiões, repassar recursos da comunicação para outros setores governamentais.
Durante os quatro anos de mandato, apesar de não ter colocado em prática a promessa de acabar com a EBC e TV Brasil, Bolsonaro deu cabo de demissões, militarização e desmantelamento das empresas brasileiras conforme apontou o relatório final de transição do grupo de trabalho de Comunicação Social do governo.
“Diante da inviabilidade da privatização, e percebendo a utilidade dos canais para sua guerra cultural e seu projeto de reeleição, [Bolsonaro] passou à fase do aparelhamento e do desfrute político”, afirmou o documento.
Ainda conforme o relatório, a TV Brasil teve sua programação desfigurada, com a descontinuação de muitos programas, e casos de censura, assédio e perseguição foram registrados nos sistemas públicos de comunicação. A Ouvidoria Cidadão e a iniciativa Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública também mostraram como referências à ditadura militar foram suprimidas sob a gestão do governo Bolsonaro.