Publicado originalmente em *Desinformante por Rodolfo Vianna. Para acessar, clique aqui.
Grupos socialmente marginalizados veem a mídia noticiosa não apenas como desconectada, mas, às vezes, como prejudicial e responsável por danos reais causados a suas comunidades, seja por negligenciá-las completamente ou por explorá-las, reforçando estereótipos, ou por usar o sensacionalismo de forma polarizadora. Esta é a conclusão de um estudo realizado pelo Instituto Reuters em parceria com a Universidade de Oxford, publicado em abril, dentro do projeto “Trust in News” ou Confiança nas notícias.
Realizado a partir de grupos focais em quatro países, o Brasil foi incluído junto com o Reino Unido, a Índia e os Estados Unidos. Foram organizadas 41 sessões separadas: oito no Brasil, oito no Reino Unido, oito nos EUA e 17 na Índia. Os grupos focais tinham entre 4 e 15 participantes, totalizando 322 pessoas. A triagem e o recrutamento variaram por país, concentrando-se nos subgrupos relevantes.
Para pesquisa realizada no Brasil, o recorte foi a população preta e parda e contou com o auxílio do Inteligência em Pesquisa e Consultoria (IPEC). Quatro grupos focais foram realizados na Bahia e outros quatro em São Paulo.
Para os pesquisadores, os principais achados do estudo foram:
. Apesar da diversidade dos grupos reunidos em diversos sistemas midiáticos, os participantes manifestaram frustrações semelhantes sobre não serem ouvidos. Muitos se sentiram injustiçados pelo que viram, como persistente deturpação e subrepresentação na cobertura de pessoas como eles.
. Entre indivíduos de comunidades marginalizadas, muitos viam as organizações noticiosas como tendenciosas, sensacionalistas ou depressivas, com implicações pessoais significativas. Para aqueles que sentiram que a cobertura negativa visava intencionalmente suas comunidades, tais notícias foram descritas como sendo perturbadoras em um nível exclusivamente pessoal. Em particular, a cobertura de crimes e violência era frequentemente vista como uma forma de ampliar a audiência ou ganhar cliques às custas de comunidades vulneráveis.
. A imprensa como instituição, especialmente no Reino Unido, nos EUA e na Índia, foi frequentemente vista como um braço de sistemas alinhados para servir aos poderosos, sistemas dos quais muitos se sentiam excluídos. Impressões sobre os meios de comunicação de massa estavam frequentemente entrelaçadas com preocupações mais amplas como racismo, elitismo e preconceito associado com castas.
. Muitos grupos viam os jornalistas como desconectados, sem a experiência vivida ou conhecimento para entender suas realidades, ou mesmo como preconceituosos, mas muitos também deram exemplos positivos de jornalistas que eles consideravam como exceções.
. A maioria descreveu “jornalismo confiável” de forma alinhada com outros públicos, ao reivindicarem mais imparcialidade, transparência e precisão na cobertura. Ao mesmo tempo, opiniões sobre o que é digno de notícia, quais histórias devem ser cobertas ou ignoradas, e quais vozes merecem ser destacadas também foram frequentemente abordadas nos distintos pontos de vista das pessoas.
. Os participantes dos grupos de discussão divergiram no grau de relevância que atribuem à diversidade de origem dos jornalistas. Muitos, em especial os participantes negros nos Estados Unidos, consideraram muito importante que as redações ampliassem a diversidade, tanto nos times de reportagem quanto na alta administração, de forma a refletir melhor as comunidades que procuram servir.
. Muitos falaram da importância de organizações de nicho e, em alguns casos, das fontes de notícias locais que percebiam como sendo mais justas e plenamente representativas deles e de seus interesses. Os mais jovens falaram especialmente sobre confiar em indivíduos, muitas vezes não jornalistas, cujos conteúdos eles acessam por meio de redes sociais, podcasts ou serviços de vídeo online que preferiam, justamente, por falarem de forma mais confiável sobre suas preocupações e destacarem os tópicos que lhes interessam mais.
. Representatividade importa para confiança, mas as preocupações foram além da confiança. Muitos disseram que restaurar seu senso de confiança exigiria que as organizações jornalísticas prestassem mais atenção às preocupações de suas comunidades, de forma genuína e consistente, e representassem o conjunto de suas experiências e perspectivas de forma mais justa e positiva. Ao mesmo tempo, nem todos estavam seguros de que tais mudanças transformariam a maneira como se sentiam em relação às notícias.
A pesquisa foi coordenada por Amy Ross Arguedas, Sayan Banerjee, Camila Mont’Alverne, Benjamin Toff, Richard Fletcher e Rasmus Kleis Nielsen. Para eles, “embora algumas das críticas levantadas neste relatório soem familiares a muitos jornalistas, as preocupações profundamente pessoais expressas aqui – que envolvem potenciais danos profundos – deveriam levar alguns a refletir se os compromissos de suas organizações com esses temas estão devidamente alinhados com a urgência dos problemas, conforme percebido por muitos nas comunidades nas quais nos concentramos”.
Avaliam, ainda, que embora haja passos concretos que podem ser dados para abordar muitas dessas questões, tomar essas medidas pode exigir a realocação de recursos muitas vezes escassos. “Isso se resume a uma questão de prioridades – assim como não tomar tais medidas também é uma escolha. Em outras palavras, não há aqui um caminho neutro. Cada um envolve, em graus variados, escolhas editoriais e outras que temos procurado destacar ao longo deste relatório.” O estudo completo, em inglês, pode ser acessado aqui.