Publicado originalmente em *Desinformante por Matheus Soares e Liz Nóbrega. Para acessar, clique aqui.
Embora a nova lei de Notícias Online (Online News Act ou Bill C-18, em inglês) ainda não esteja em vigor no Canadá, os usuários do país já estão sendo impedidos de compartilhar links de notícias nas plataformas da Meta, que começou a bloquear oficialmente conteúdos jornalísticos desde o início deste mês. A medida é uma ação da empresa contra a nova legislação que prevê a remuneração das mídias canadenses pelas plataformas digitais.
Ao tentar colar o link de um site jornalístico no Facebook, a plataforma avisa ao usuário que “conteúdos noticiosos não podem ser compartilhados no Canadá”, impedindo a finalização da publicação. Nesta semana, o Instagram também começou a disparar notificações com a mesma mensagem, com um link em que explica a medida.
“Usuários no Canadá não verão mais nem compartilharão notícias no Facebook e no Instagram, incluindo conteúdo sobre isso publicado por agências. Além disso, também não verão mais links ou conteúdo de nenhuma página ou conta de agência de notícias”, afirma a empresa no comunicado. Desde o dia 1 deste mês, a big tech vem bloqueando perfis de mídia hegemônica e independente, tanto nacionais como internacionais. Com isso, nem os usuários e nem os próprios jornalistas conseguem acessar as publicações dos veículos jornalísticos, escondidas com a mensagem: “As pessoas no Canadá não conseguem ver esse conteúdo”.
A ministra do Legado Canadense, Pascale St-Onge, chegou a se manifestar, chamando a ação da Meta de irresponsável, levando em consideração que a lei, apesar de aprovada, entrará em vigor no país somente no final do ano. Para Alfred Hermida, professor de jornalismo da University of British Columbia, a reação contrária das empresas de tecnologia se trata menos de dinheiro do que pelo princípio de ser regulamentada, o que pode criar precedente para outros países.
“Esta não é apenas uma história canadense. Esta é uma história global. Dado que outros países e lugares nos EUA também estão olhando para isso, [Meta e Google] não querem estar em uma situação em que estabelecem um precedente dizendo: ‘Sim, nós aceitamos esta lei e vamos cumprir isso.’”, afirmou Hermida. A proibição de conteúdos noticiosos não é uma estratégia nova. Em fevereiro de 2021, a Meta também bloqueou notícias das suas plataformas na Austrália, após a aprovação pioneira da lei de remuneração de conteúdo jornalístico no país. A pressão da empresa fez com que o governo australiano recuasse e negociasse as diretrizes com as corporações, que acabaram fechando mais de 30 acordos comerciais com veículos australianos.
Empresas perdem tráfego e contra-atacam
O Facebook é a principal rede social em que os usuários consomem notícias. De acordo com o Digital News Report de 2023, 62% dos canadenses usam a plataforma e 29% usam especificamente para o acesso e compartilhamento de notícias. Já o Instagram, onde as notícias também foram bloqueadas, é utilizado por 10% dos usuários para esse fim.
As redes também contribuem para o tráfego dos sites jornalísticos. Os veículos independentes do país temem a sua sobrevivência com o bloqueio da Meta. “Estamos começando a ver que parte do nosso conteúdo não chega ao Facebook, não chega ao Instagram. No curto prazo, isso significa que não podemos alcançar nosso público além das pessoas que assinam nosso boletim informativo, e nós não podemos aumentar nosso produto”, disse Christopher Curtis, cofundador do veículo The Rover, à CBS News.
Curtis disse ao jornal canadense que a rede social o que permite seu veículo atrair atenção para o site e financiar a operação. “É assim que alimento meu filho. É assim que pago o aluguel”, disse o jornalista. “Se isso continuar por muito mais tempo, acho que tudo isso está em perigo, e isso é horrível para mim”, desabafou em entrevista à CBS.
Também para a CBS, Patrick White, cientista político e professor de jornalismo da Université du Québec à Montréal (UQAM), estimou que grandes empresas de mídia devem perder cerca de 15% de tráfego em seu site. Esse número pode subir para 25 a 30% caso o Google faça o mesmo que a Meta. No entanto, os veículos menores devem perder ainda mais, até metade do tráfego pode ser comprometido, visto que a dependência das redes é maior.
Em resposta ao bloqueio, editores de notícias canadenses pediram, na terça-feira (8), para que o órgão regulador antitruste do país investigasse o bloqueio da Meta, acusando a empresa de estar abusando do seu poder dominante no mercado publicitário com uma conduta anticompetitiva. “Se a Meta continuar sem controle, isso pode infligir danos significativos à capacidade das organizações de notícias canadenses de oferecer serviços de notícias de qualidade aos canadenses, o que é fundamental para o funcionamento de uma sociedade livre e democrática”, aponta o grupo de editores.
O requerimento foi apresentado pelos órgãos da indústria News Media Canada e a Associação Canadense de Emissoras, juntamente com a emissora pública CBC/Radio-Canada, e também inclui o pedido de que o órgão proíba a Meta de continuar bloqueando o acesso às notícias.
Além disso, as entidades de jornalismo solicitam que a Meta se abstenha de discriminar, por algoritmo ou por qualquer outro meio, o conteúdo de organizações de notícias canadenses em suas plataformas digitais acessíveis no Canadá. De acordo com a News Media Canada, o Facebook e o Instagram respondem por mais de 70% do mercado de mídia social online no Canadá e a Meta tem controle substancial sobre o acesso às notícias canadenses.
“A conduta da Meta inevitavelmente diminuirá a exposição dos consumidores de notícias canadenses ao conteúdo de notícias e o volume de tráfego para os sites das organizações de notícias canadenses, prejudicando assim sua capacidade de competir pela receita de publicidade online e de seus leitores”, relata o texto das entidades. O requerimento também lembra que o Canadá não foi o primeiro país em que as big techs atuaram dessa forma. “Este tipo de estratégia de bloqueio ou outros meios para ditar unilateralmente as regras do jogo são generalizados e podem ser vistos em escala global”, diz o documento.