Publicado originalmente em UP Vacina por Thaís Cardoso. Para acessar, clique aqui.
Mudanças recentes nas diretrizes de remoção de conteúdo falso no YouTube não foram suficientes para barrar a disseminação de desinformação sobre vacinas contra covid-19. Uma análise feita pela União Pró-Vacina (UPVacina) com base em links e canais compartilhados nos principais grupos antivacina do Brasil comprovou a falta de eficiência da plataforma em cumprir essa nova política. Além disso, a monetização dos vídeos está permitindo que tanto os autores quanto o próprio YouTube se beneficiem financeiramente do material, em meio a uma guerra política e informacional que atenta diretamente contra a saúde pública e cobra seu preço em vidas.
O estudo encontrou e mapeou 65 vídeos que somam cerca de 3,8 milhões de visualizações, publicados entre 2 de março e 21 de outubro por 37 canais diferentes com aproximadamente 3,1 milhões de inscritos. Entre os principais temas, mentiras tradicionalmente utilizadas pelos grupos antivacina, como presença de células de fetos abortados na composição dos imunizantes e uso dessas substâncias para inserir microchips ou alterar o DNA humano com o propósito de controlar a população. Outras já se inserem no contexto da pandemia, como uma suposta negociação da vacina contra covid-19 antes mesmo do conhecimento da existência do novo coronavírus. No total, são quase 30 horas de vídeos.
É fundamental destacar que desde 20 de maio, o YouTube afirma ter uma política de informações médicas incorretas relacionadas à covid-19. Basicamente, a plataforma diz não permitir o envio de conteúdo que contrarie orientações da Organização Mundial da Saúde ou autoridades de saúde locais sobre tratamento, prevenção, diagnóstico e transmissão da doença. No início de outubro, houve uma atualização importante proibindo a desinformação sobre vacinas contra covid-19.
De fato, um vídeo publicado originalmente na plataforma que se tornou o conteúdo com maior repercussão em redes sociais em setembro, alvo de análise da UPVacina lançada no início de outubro, foi desmonetizado e posteriormente banido. Porém, menos de 8% dos vídeos analisados no estudo atual continham qualquer tipo de alerta da plataforma. Outro fator preocupante é que quase metade deles (31) está monetizado.
A UPVacina destaca que a questão se torna extremamente crítica porque, além de possibilitar a disseminação em larga escala desse tipo de conteúdo, o YouTube também viabiliza financeiramente esse sistema, ao lucrar com a desinformação e repassar parte do valor aos produtores.
O vídeo com mais acessos nesta última análise tem cerca de 940 mil visualizações e também segue monetizado. É uma entrevista em espanhol feita por um canal chileno com uma médica argentina sobre a pandemia da covid-19 e o desenvolvimento de vacinas. Entre as afirmações absurdas estão o patrocínio, pela Fundação Bill e Melinda Gates, da produção de vacinas com o objetivo de infectar pessoas com um suposto vírus capaz de destruir um possível gene ligado à capacidade de acreditar em religiões.
A reincidência na produção de desinformação também comprova a ineficácia do cumprimento das políticas de remoção de conteúdo do YouTube. A análise da UPVacina constatou que apenas dois canais foram responsáveis pela produção de 15 vídeos com conteúdo falso no período analisado, que geraram quase 1,2 milhão de visualizações, ou seja, quase um terço do total. Esses canais somam 539 mil inscritos e todos os vídeos produzidos por eles presentes na análise estavam monetizados.
Para os integrantes da UPVacina, é necessário esse movimento das plataformas, mesmo que tardio e fruto de pressões, para mitigar sua participação como eixo de sustentação no grande mecanismo da desinformação. Porém, de nada servem políticas mais rígidas ou menos ultrapassadas quando não são acompanhadas de uma aplicação assertiva que corresponda à abrangência do problema e à urgência da situação.