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Por Juliana Rosas
Doutora em Jornalismo pela UFSC e pesquisadora associada do objETHOS

Várias notícias sobre a indicação de Cristiano Zanin ao Supremo Tribunal Federal (STF) e alguns artigos de opinião apareceram na mídia tradicional nas últimas semanas. As notícias trazem o básico. Alguns artigos tentam esclarecer a situação, enumerar prós e contras ou comentar o que se tem dito por aí.

Aparentemente, as críticas parecem se repetir. Neste sentido, achei bastante lúcido o texto da jornalista Milly Lacombe que as rebate. De maneira geral, as críticas são porque Zanin foi advogado do Presidente da República. Ainda que os críticos não deixem isso claro e procurem esconder seu antipetismo por trás de argumentos como “falta notável saber jurídico”. Ou ainda, pessoas que não estão nem aí para a diversidade, afirmam que o Tribunal deveria ter mais mulheres, pessoas negras, trans ou outra suposta minoria (ainda que mulheres e negros não sejam minoria neste país).

Concordo com Lacombe porque ela está ciente de todos os argumentos, mas aponta o contexto que os críticos fingem não ver. Não vou repetir o que já disse muito bem a jornalista, mas, para além do que já foi dito, acrescento minha crítica à ala identitarista radical. Um lugar como o Supremo deve refletir o povo que esse representa. Portanto, nada mais justo do que ter as mais diversas representações. Por outro lado, uma única pessoa não necessariamente traz a diversidade que ela supostamente simbolizaria.  

Para quem esqueceu, vou lembrar: Kassio Nunes Marques, ministro indicado pelo ex-presidente Bolsonaro, é pardo e nordestino. Vem do Piauí, um dos estados mais pobres do país. Ser pardo e nordestino – duas características que, embora não sejam minoritárias no país, são fruto de rejeição e preconceito – nunca fez com que Marques defendesse tais “minorias”. Ele nem é lembrado por ser nordestino ou pardo. Seu comportamento é conservador e suas análises, em imensa maioria, refletem não só essa característica como a fidelidade ao homem e político que o indicou. 

Antes de ser indicado a ministro do STF, Nunes Marques não era conhecido por sua atuação e suas análises são tão desaprovadas que aqui igualmente cabe – e com mais argumentos – a crítica a seu “saber jurídico notório”. Ou falta dele. Entre tantos recalques antipetistas sobre a indicação de Zanin, comentários jornalísticos pertinentes e boa cobertura apareceram no episódio do podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo. 

O podcast entrevistou Rubens Glezer, professor de Direito na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador do Supremo em Pauta, grupo dedicado à pesquisa sobre o STF. O pesquisador sugeriu mudanças para reduzir o ambiente informal pré-sabatina, uma vez que a apresentação do indicado se dá em almoços e jantares com parlamentares, por exemplo, pois isso traria mais formalidade e transparência à ocasião. 

O pesquisador também é de acordo que o Presidente da República pudesse indicar mais de uma pessoa por vez. Deste modo, as apresentações e sabatinas teriam parâmetros de comparação. “A pessoa precisa ser um fiasco para ser reprovada ou o Senado estar em posição muito agressiva em relação à presidência da república”, disse Glezer. Com apenas uma indicação, rejeitar o nomeado na sabatina poderia ter um custo político muito alto, tendo em mente, entre outros, que aquela pessoa poderá julgar parlamentares futuramente.

O entrevistado também toca num ponto nodal nessas indicações, uma vez que o atual presidente e seu antecessor usaram de critérios pessoais para a indicação. “Indicações não devem ser impessoais. Indicação política tem grau de pessoalidade. O problema da indicação de alguém como Zanin é indicar alguém sem biografia. Quando é indicado alguém sem biografia, não sabemos o que a pessoa pensa sobre uma série de temas e ela pode se tornar um agente imprevisível com possibilidade de décadas de atuação”, afirmou o docente. Pessoas com biografia e reputação conhecidas geralmente têm algo a perder se se desviam de suas condutas em decisões e juristas tendem a se importar com isso. 

A meu ver, assim são as decisões tomadas por Nunes Marques, tendenciosas em sua maioria. E uma vez que ele não tinha biografia amplamente conhecida antes de sua indicação (que, aliás, foi surpresa para muitos), sente-se livre para julgar com critérios bastante personalistas. Num outro exemplo, a outra indicação do ex-presidente, André Mendonça, pastor presbiteriano e ex-advogado de Bolsonaro, parece querer manter sua biografia de aliado bolsonarista e reputação religiosa. E isso, tampouco, é bom para a justiça e a democracia. 

Cristiano Zanin foi oficialmente nomeado ministro do STF na última semana e tomará posse em 03 de agosto. Até o momento, a democracia venceu. Na justiça, Zanin venceu ao apontar a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro. Este último largou a toga para entrar na política defendendo um governo antidemocrático na esperança de ocupar a vaga que seu ex-adversário hoje ocupa. Foi a vitória de Zanin e a solidão de Moro. 

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