Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
Highlights
- 86% das crianças nascidas em 2017 e 2018 no Brasil deixaram de ser vacinadas no tempo correto nos dois primeiros anos de vida
- Estudo de instituições de SC e SP investigou motivos que levaram mães a não vacinarem as crianças com até dois anos
- Dados mostram desigualdade racial no acesso a vacinas pelo SUS, com obstáculos afetando mais mães pretas
No Brasil, crianças cuja mãe, pai ou responsável é preta são as mais prejudicadas por atrasos no calendário vacinal e falta de acesso à vacinação nos primeiros anos de vida. As mães pretas enfrentam quase o dobro de dificuldades para vacinar seus filhos em comparação com mães brancas, segundo mostra pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Os dados estão em artigo publicado na sexta (23) na “Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde”.
O estudo observou que 23% dos responsáveis relataram que já deixaram de vacinar a criança apesar de tê-la levado ao posto de vacinação, taxa que chega a 17% entre brancos e ultrapassa 29% entre pretos.
Os dados alertam para a alta frequência de atrasos e falhas na vacinação no Brasil – segundo os dados, a maioria (86%) das crianças nascidas em 2017 e 2018 não foi vacinada no tempo correto, por problemas como dificuldade de acesso, falta de imunizantes e salas sem profissionais ou materiais necessários. Ela também revela a existência de uma desigualdade racial na cobertura vacinal oportuna de crianças no quinto, no décimo segundo e no vigésimo quarto mês de vida, quando são aplicadas doses como tríplice viral contra sarampo, rubéola e parotidite, hepatite A e rotavírus, entre outras.
O levantamento contou com informações do Inquérito Nacional de Cobertura Vacinal de mais de 37,8 mil nascidos vivos em 2017 e 2018, além de entrevistas feitas com mães e responsáveis pelas crianças e análise das cadernetas de vacinação em todas as 26 capitais do Brasil, no Distrito Federal e em mais 12 cidades com mais de 100 mil habitantes.
Os obstáculos mais comuns foram falta de vacina, sala de vacina fechada e falta de profissional de saúde. Além disso, 7% dos responsáveis enfrentaram dificuldades para levar seus filhos para a vacinação, por motivos que vão da falta de tempo à dificuldade de transporte. Essa probabilidade foi 75% maior entre população preta comparada à branca.
Outro dado mostra que cerca de metade das crianças tiveram atraso em alguma vacina até os 5 meses e 61% até o primeiro ano. A pesquisa aponta que entre crianças de mães pardas/pretas os números foram maiores.
Para Antonio Fernando Boing, professor da UFSC e autor do estudo, a disparidade racial da vacinação de crianças e nos obstáculos enfrentados para vacinar é injusta, reproduz as desvantagens materiais vivenciadas pela população preta no Brasil e mostra falhas no cumprimento do princípio de equidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “As dificuldades para se chegar aos postos de vacinação e, depois, para garantir a vacina no braço não se distribuem de forma aleatória no país, elas são mais comuns quando mães, pais ou responsáveis são pretos e isso é inaceitável”, diz.
Segundo ele, o trabalho mostra que, além da discussão sobre disseminação de notícias falsas sobre vacinação, é necessário debater e agir sobre como condições materiais de vida e falhas estruturais dos serviços de saúde ampliam desigualdades sociais e interferem na queda de taxas de vacinação. “Pessoas que reconhecem os benefícios das vacinas e desejam aplicá-las em seus filhos estão tendo dificuldades de acesso a elas, sobretudo se forem pretas”. Para Boing, modificar esse contexto exige melhorar as condições de vida da população, qualificar o SUS e investir em ações de monitoramento e enfrentamento de desigualdades em saúde.