Publicado originalmente em Observatório de Comunicação Pública – OBCOMP. Para acessar, clique aqui.
A professora e pesquisadora Luciana Panke apresenta dados e faz um balanço critico da representatividade das mulheres nas eleições brasileiras de 2022.
As leis afirmativas brasileiras que visam alcançar a equidade de gênero correspondem às seguintes iniciativas: cotas de candidaturas para o legislativo 30/70 por sexo; capacitação fornecida por partidos políticos; direito ao fundo de financiamento eleitoral, tempo de exposição no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE). Além disso, há as campanhas desenvolvidas pelo Tribunal Superior Eleitoral em prol da participação feminina na política. Pouco a pouco, tais ações tomam forma na sociedade, somadas a outras variáveis.
Anteriormente restritas a grupos feministas, as discussões sobre invisibilidade, condições de vida e representatividade feminina, na atualidade, compõem a agenda pública. Já não é mais possível realizar eventos (em qualquer área), apenas com homens palestrantes. A falta de mulheres nos espaços de protagonismo passa a ser vista como um indicativo de violência simbólica por parte das instituições promotoras. O cuidado com a inclusão se transforma, progressivamente, em uma ação necessária para a aceitação pública.
As iniciativas legais visam promover a inclusão das mulheres nos cargos de poder no Brasil, entretanto, apesar dos avanços, é necessário observar que contemplam apenas o legislativo, especialmente no que concerne às leis de cotas. Todas as listas de candidaturas poderiam oferecer 50/50 entre homens e mulheres e não interpretar a lei como “ter de inserir 30% de mulheres”. Ademais, portanto, as chapas para os cargos executivos: presidência da república, governos dos estados e prefeituras deveriam promover a mesma inclusão.
Em 2022, as candidaturas femininas nesta modalidade tiveram avanços e retrocessos. Começando por esse aspecto. Houve Estados que não tiveram nenhuma mulher candidata: Rondônia, Amapá e Pará na região Norte; Maranhão, Ceará, Bahia, Alagoas no Nordeste; Espírito Santo no Sudeste; Santa Catarina no Sul. No Centro Oeste e no Sudeste, todos os estados com homens e mulheres concorrendo. Numericamente falando, temos 26 Estados mais o Distrito Federal e 9 deles sem nenhuma mulher liderando as chapas do executivo estadual. Isso significa que mais de 30% não teve participação feminina e boa parte das que concorreram não estavam em candidaturas competitivas.
Essa informação traz o agravante de, além de não serem incluídas na disputa, as mulheres estão com frequência em partidos sem alianças e chamados minoritários, o que significa poucos recursos para toda logística que exige uma campanha eleitoral. Outro número que deve ser enfatizado é que até hoje, desde as primeiras eleições pós redemocratização, apenas 8 mulheres foram eleitas nas urnas para governar, fora as poucas que foram conduzidas aos cargos por outras razões.
Apoiada pelo capital político familiar, Roseana Sarney foi a primeira eleita, em 1995, assim como a primeira reeleita ao cargo. Depois, Wilma Faria no Rio Grande do Norte também foi reeleita (2003-2010) e agora, Fátima Bezerra é a terceira mulher a se reeleger (2018-2026). Rio Grande do Norte é o estado com mais trajetória de participação feminina, somando três governadoras, enquanto a maioria dos estados sequer teve uma até os dias atuais.
No quesito eleições para governadoras, outro fato raro foi a disputa entre duas mulheres no segundo turno eleitoral. Em Pernambuco, houve concorrência acirrada entre Marília Arraes e Raquel Lyra, que saiu vencedora. O saldo das eleições resultou em duas governadoras em 26 estados mais o DF. Um número que não chega a 10% e é, ainda assim, o dobro da última eleição, quando apenas uma governadora assumiu o cargo.
As presidenciais apresentam duas chapas exclusivas de mulheres. Quatro disputaram a vaga: Simone Tebet, Sofia Manzano, Soraya Thronicke e Vera Lúcia. Tebet e Vera Lúcia se apresentaram com companheiras como vice: Mara Gabrilli e Raquel Tremembé, respectivamente. Analisar a presença feminina também implica considerar questões intersecionais como, por exemplo, fatores sociais, raciais, inserção de pessoas com deficiência. Gabrilli foi a primeira candidata com deficiência física, Raquel Tremembé é indígena e Vera Lúcia é negra.
Considerando o cenário de polarização que gerou o segundo turno nas presidenciais de 2022, a grande vencedora pode ser considerada Simone Tebet. A senadora Tebet, que havia se destacado ao defender a voz feminina na CPI da Covid, desponta como uma liderança que agregou votos e superou o candidato Ciro Gomes, velho conhecido da política brasileira. Conforme o cenário for se desenhando no decorrer dos próximos anos, será uma forte candidata a ser a futura mulher presidenta. Fora Dilma Rousseff, ela é a primeira que apresenta mais força, inclusive comparando com Marina Silva.
Até hoje, apenas 11 mulheres disputaram a presidência e algumas mais de uma vez, como Marina Silva, Vera Lúcia e a vencedora Dilma Rousseff. O número reduzido é absurdo e escancara o preconceito, a falta de maturidade e ainda a falta de naturalização das mulheres nos cargos de poder. Por outro lado, como dissemos no início, há o avanço de que o assunto não pode mais ser esquecido e não é ignorado na agenda pública, o que tende, a médio prazo, a gerar mudanças significativas nos resultados das urnas. É fundamental seguir com as políticas afirmativas e incluir com rigor leis de combate à violência política de gênero e apoios às candidaturas ao executivo.
Luciana Panke
Docente do curso de graduação em Publicidade e Propaganda e da pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Parana (UFPR). Vice-presidenta ALICE e fundadora e líder do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral. Contato: Instagram @profalucianapanke