Lei que criminaliza cyberbullying precisa ser sustentada por educação midiática

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.

* Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação e Jonas Santana é analista de comunicação do Instituto Palavra Aberta

sanção da Lei Nº 14.811 na primeira quinzena do ano causou grande repercussão por incluir as práticas do bullying e do cyberbullying no Código Penal, especificamente no artigo que trata de constrangimento ilegal, além de alterar a Lei dos Crimes Hediondos e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O bullying passa a ter pena prevista de multa, sendo definido como “intimidação sistemática”, mediante violência física ou psicológica, intencional e repetitiva, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, sexuais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais.

Já o cyberbullying é classificado como “intimidação sistemática virtual”, caso a conduta seja realizada por meio da internet, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real. A punição é ainda mais rigorosa, com reclusão de dois a quatro anos e multa, quando a conduta não constituir crime mais grave.

O entendimento de que esse tipo de violência contra menores de idade pode ultrapassar as paredes e o tempo da escola, mesmo tendo começado dentro de uma instituição de ensino, é um ponto importante da nova legislação. Apesar da Lei 13.185 de 2015, conhecida como “lei antibullying”, já considerar o ambiente virtual em seu texto, agora, além da criminalização desse comportamento ser mais grave, há um maior detalhamento das violações. Isto demonstra uma tentativa de dar conta da complexificação da vida social que a digitalização nos trouxe.

Casos recentes de jovens que tiraram a própria a vida após serem ofendidos e perseguidos on-line são um triste exemplo disso. As mortes de Jéssica Canedo, de 22 anos, em dezembro, e a de Lucas Santos, de 16, em 2021, geraram uma grande discussão sobre responsabilização nas redes. 

De quem é a culpa nessas situações? Qual a relação entre saúde mental e mídias sociais? Curtidas e comentários podem levar alguém a atentar contra a própria vida? Os autores de boatos e postagens têm mais responsabilidade do que aqueles que os disseminaram? Até que ponto? Com a Lei Nº 14.811, o induzimento e o auxílio a suicídio por meio da internet passam a ser considerados crimes hediondos.

Mas, para além de fazer valer a nova legislação, é preciso que o debate seja mais abrangente do que tratar de formas de penalização. Na realidade, ele deve focar na prevenção desses crimes — ou seja, na educação de crianças e jovens para compreenderem, desde cedo, os efeitos que suas ações e relações interpessoais, dentro e fora das plataformas digitais, podem ter ao longo da vida dos colegas.

Pouco adiantará dobrar a pena de homicídio de líderes de comunidades virtuais, como obriga o texto recém-sancionado, se não formarmos uma geração educada midiática e socioemocionalmente, para que entendam as implicações de fazer parte desses grupos, analisem o tipo de conteúdo que é criado e compartilhado ali e quem são as potenciais vítimas dessas condutas. 

Além disso, mesmo tornando as penas mais duras para quem comete bullying e cyberbullying, é comum que os autores destas infrações contra menores sejam justamente seus próprios colegas da mesma faixa etária. Portanto, é preciso incentivar que eles desenvolvam empatia, senso crítico, ética e responsabilidade, aprendendo a serem cidadãos em um mundo cada vez mais conectado.

Comportamentos virtuais têm consequências reais, e algumas delas podem ser trágicas. Não somente por conta das punições que a Lei Nº 14.811 impõe, mas escolas e famílias não podem se isentar de discutir, em sala de aula e em casa, o impacto que certas ações podem causar em quem está do outro lado da tela lendo comentários odiosos, ataques gratuitos ou vendo a si mesmo em montagens degradantes.

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