Publicado originamente em Coletivo Bereia por André Mello. Para acessar, clique aqui.
O noticiário nacional destacou, nesta última semana de julho de 2024, que a ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) venceu uma ação judicial que moveu contra a Rede Record de TV e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), por conta da divulgação de uma notícia falsa vinculada à sua imagem e nome, no programa “Entrelinhas”, em 2022.
Imagem: reprodução/Estado de São Paulo
Imagem: reprodução/CartaCapital
Em 29 de maio de 2022, o bispo da IURD Renato Cardoso, genro de Edir Macedo e apresentador de programas religiosos na Rede Record, convidou outros pastores para discutir o apoio à campanha de Jair Bolsonaro (PL). Durante o programa, Cardoso alegou que o então candidato à Presidência da República Lula (PT) teria contratado pastores evangélicos para cuidar de sua comunicação. Afirmou, ainda, que a esquerda apoiava um projeto de lei para a “legalização do incesto”, que permitiria que pais e filhos tivessem relacionamentos sexuais legalmente. A informação falsa já circulava em grupos de WhatsApp desde 2019 e foi reiteradamente desmentida por agências de checagem.
Além de vincular a fake news à campanha do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o programa exibia uma foto de Manuela D’Ávila, como uma das apoiadoras do projeto.
O Bispo Renato Cardoso disse no programa (minuto 00:07:39 a 00:08:06): “Com relação à família, as propostas da esquerda são caóticas e vão desde a criação de um estatuto com diretrizes tão amplas que permitem inúmeras interpretações, inclusive, segundo especialistas, se aprovado, poderia dar direito de defender arranjos familiares como trisal, que é o casamento entre três pessoas, e até relações incestuosas, entre pais e filhos ou irmãos” (A imagem de Manuela D’Ávila aparece vinculada a este texto, na minutagem 00:07:46 à 00:07:50). No acesso em 24/07/2024, o link do programa no Youtube contava com 25.022 visualizações (Transmitido ao vivo em 29 de mai. de 2022), com o seguinte texto: “Esquerda contrata pastores para saber como se aproximar dos cristãos e é aconselhada a enganá-los mudando o seu discurso para não espantá-los. Como o eleitor cristão pode evitar essa armadilha?”
Imagem: Reprodução/Youtube
Manuela D’Ávila declara no livro de sua autoria, “Sempre foi sobre nós: Relatos da violência política de gênero no Brasil”: (Editora Rosa dos Tempos, 2022), que as acusações e desinformações contra as mulheres candidatas sempre foram mais violentas do que as acusações a outros candidatos.
“ Em 2020 disputei minha oitava eleição. Já fui vereadora, deputada federal e estadual, concorri à Vice-Presidência da República numa eleição marcada por um violento esquema de produção e distribuição de desinformação. Desde 2004 sou vítima de ameaças, minha filha já foi agredida fisicamente e, meu marido, hostilizado. Nada, nada, nada se compara ao que vivi em 2020, concorrendo à Prefeitura de Porto Alegre. Líder das pesquisas, me vi vítima de um jogo sórdido, no qual um candidato laranja usava o fato de ter se relacionado comigo na juventude como elemento legitimador de qualquer tipo de mentira e violência. Afinal, qual legitimidade pode ser maior, diante de uma sociedade machista e de um sistema político misógino, do que ter tido uma relação com uma mulher?
Foi chorando, depois do último debate do primeiro turno, que decidi escrever este livro. Primeiro eu queria escrevê-lo sozinha. Depois percebi que éramos muitas que vivíamos a mesma situação. (“Sempre foi sobre nós”, p. 9)
Ataques contra ela, sua família, e sua filha, já haviam ocorrido quando foi candidata a vice, em 2018, na chapa de Fernando Haddad (PT) à Presidência da República. Foram divulgadas à época, também, várias imagens manipuladas e montagens contra da ex-deputada.
Imagem: reprodução/Facebook
Já em 2021, um ano depois de ter sido candidata derrotada à Prefeitura de Porto Alegre, em entrevista ao UOL, a política gaúcha comentou sobre a virulência das fake news e acusações, e afirmou que as mentiras sobre ela teriam minado sua candidatura. Por conta desta situação, Manuela D’Ávila desistiu de participar de novos processos eleitorais.
Na decisão sobre a ação que a ex-deputada moveu contra a Record/IURD, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) reconhece que ela sofreu danos morais ao ter sua imagem pública prejudicada pelo conteúdo falso propagado. Na decisão, a juíza Tamara Benetti também observou que não cabe uma suposta defesa da “liberdade de imprensa”, tampouco de “acesso à informação” – “pois o uso da imagem da autora não informa; ao contrário, desinforma.” Pela sentença, Manuela deve ser indenizada em R$ 12,7 mil por danos morais. O texto da sentença cita diversas agências de checagem para corroborar a decisão, como pode ser lido no trecho reproduzido aqui:
II.2.3 – PL nº 3.369/2015 e Fake News
É inegável que a temática aqui posta é sensível, pois já veiculada como fakenews (diversas vezes desmentida), como indicado pela autora na petição inicial e nãorefutado pela parte contrária.
Seguem links informativos acessados nesta data (15/04/2024,16:55):
https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2020/08/20/verificamos-casamento-pais-filhos
A disseminação de informações falsas sobre o PL nº 3.369/2015 são recorrentes e já foram alvo de verificações da Lupa.
Em abril de 2023 , por exemplo, circulou nas redesum vídeo de um discurso do ex-deputado federal Aroldo Martins sobre o projeto. Apublicação afirmava que o projeto poderia legalizar o casamento entre pais e filhos. Oque é falso.
Já em junho de 2022,viralizou uma postagem afirmando que a proposta foi apresentada pelo PT, quando, na verdade, o autor é Orlando Silva, do PCdoB-SP.
Em agosto de 2020, um post com uma interpretação enganosa do projeto utilizava uma foto da ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) e do deputado Orlando Silva. O boato foi desmentido.
Em agosto de 2019, um outro post com a foto do deputado Túlio Gadelha (então no PDT-PE, hoje, filiado à Rede-PE), ex-relator do projeto, circulou sugerindo que ele seria um “mensageiro do apocalipse” por relatar uma proposta de “Lei do Incesto”, o que é falso.
A IURD e a Rede Record já recorreram da decisão. Porém, até o momento do fechamento desta matéria não houve nota oficial, ou entrevista sobre a decisão judicial.
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Bereia classifica como verdadeira a notícia do ganho de causa de Manuela D’Ávila contra a Rede Record/IURD por propagação de conteúdo falso caluniador, e alerta leitores e leitoras para uso político de discursos a favor da “liberdade de expressão” absoluta e “liberdade de imprensa” para divulgação de material desta natureza. Estas abordagens são enganosas pois liberdade de expressão e de imprensa não significa liberdade de mentir e caluniar.
Bereia também chama a atenção para falsas alegações de perseguição judicial à IURD, dona da Record, já identificadas em comentários sobre este caso em mídias digitais. A decisão judicial foi proferida de acordo com a legislação do país e as igrejas, assim como quaisquer outras instituições do país, devem responder por atos praticados.
Referências de checagem:
UOL, https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/03/01/manuela-davila-violencia-politica-de-genero.htm). Acesso em: 23 jul 2024
TERRA, https://www.terra.com.br/amp/noticias/brasil/politica/record-e-universal-sao-condenadas-a-pagar-indenizacao-por-fake-news-contra-manuela-davila,64ac7f06c971757ab8a9d189f5660583vzd8u49c.html / Acesso em: [23 jul 2024
CARTA CAPITAL, https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/justica-condena-record-e-igreja-universal-por-divulgacao-de-fake-news-contra-manuela-davila/ Acesso em 23 jul 2024
ZERO HORA, https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/rosane-de-oliveira/noticia/2024/07/por-fake-news-record-e-igreja-universal-sao-condenadas-a-indenizar-manuela-d-avila-clyxemim1009r0162f2pc1ju6.html – Acesso em 23 jul 2024
MÍDIA NINJA, https://midianinja.org/justica-condena-record-e-igreja-universal-por-fake-news-sobre-manuela-davila/ – Acesso em 23 jul 2024
Instituto “E Se fosse você?”, https://www.esefossevoce.org/ Acesso em 23 jul 2024
Livro “Sempre foi sobre nós”, violência política de gênero contra candidatas (Manuela D’ Ávila e outras autoras), https://www.researchgate.net/publication/376220291_Sempre_foi_sobre_nos_violencia_politica_de_genero_no_Brasil. Acesso em 23 jul 2024
JUSBRASIL, https://www.jusbrasil.com.br/processos/nome/33430259/manuela-pinto-vieira-d-avila Acesso em 23 jul 2024
Brasil de Fato, https://www.youtube.com/watch?v=vHeh7IGi06s – Acesso em 23 jul 2024
Veja, https://veja.abril.com.br/coluna/me-engana-que-eu-posto/manuela-davila-nao-publicou-que-aborto-evita-criar-filho-de-vagabundo#google_vignette – Acesso em 23 jul 2024
YouTube, https://www.youtube.com/watch?v=CEbwbx7PaRs. Acesso em 23 jul 2024
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Foto de capa: Flickr Manuela D’Ávila