Publicado originalmente em Jornal da UFRGS por Carolina Paz Comerlatto. Para acessar, clique aqui.
Sociais | Dissertação defendida no PPG Comunicação da UFRGS investigou os dilemas éticos dos profissionais no contexto do jornalismo metrificado
*Foto: Joedson Alves/Agência Brasil
As métricas não são uma novidade para o jornalismo. “Os jornais sempre se preocuparam com a venda de exemplares na banca, e os canais de televisão e estações de rádio, com a audiência.” É o que afirma Marcel Hartmann, mestre pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCOM) da UFRGS. O que mudou, segundo ele, é que hoje as métricas são medidas instantaneamente e se apresentam como fator determinante no processo de produção e edição jornalística – o que impacta, diretamente, no profissional da área.
As transformações pelas quais o meio vem passando nortearam a pesquisa de Marcel em sua dissertação de mestrado. Orientado por Thaís Furtado, o pesquisador, que conta com mais de 10 anos de experiência como jornalista, inovou ao se debruçar sobre a intersecção entre o jornalismo digital e a ética da profissão. Como apontado por ele, o estudo conseguiu traçar “como os jornalistas sustentam eticamente a decisão de aceitar as métricas ou resistir a elas”.
Na prática
Para alcançar o objetivo proposto, Marcel entrevistou em profundidade 10 jornalistas de grandes redações brasileiras – de diferentes cargos e faixas etárias –, a partir de um questionário semiestruturado. As respostas dos entrevistados foram examinadas com base na análise de discurso francesa, a fim de buscar paráfrases discursivas sobre possíveis dilemas éticos em resposta ao crescente protagonismo das métricas de audiência em redações.
Entre os principais achados, o autor pontua que os profissionais articulam conceitos de diferentes correntes éticas para aceitar a atual conjuntura, mas também para delimitar princípios e valores de que não abdicam. Como apontado, “jornalistas não abrem mão de defender princípios jornalísticos – mesmo que alguns possam ser negociados –, realizar a checagem dos fatos, caçar boas histórias, defender direitos humanos e evitar o sensacionalismo”.
Algumas perspectivas
Para ele, são a deontologia kantiana e o consequencialismo que mais conversam com esse novo cenário. Ademais, relações com correntes como a ética do cuidado e a ética das virtudes também são debatidas. O ponto central é que, como demonstrado, “a ética jornalística é articulada por repórteres e editores como uma das últimas torres de defesa diante do avanço do marketing”.
“Tem ocorrido um tensionamento ético com a entrada do marketing no jornalismo. E não é só no jornalismo: o marketing entrou em diferentes áreas do conhecimento e no nosso dia a dia”
Marcel Hartmann
Uma nova realidade
Como mostra a pesquisa, a opinião dos profissionais é que esse cenário não é, necessariamente, ruim. “As métricas mostram quais são as dúvidas dos leitores, e é bom que um jornalista saiba isso”, afirma. Contribuindo para um bom engajamento do veículo, o jornalista pode estar colaborando tanto com o interesse público como com o interesse do público – o que não é errado, conforme Marcel. Para ele, o que importa é “como [o profissional] incorpora esse conhecimento sem abdicar do que é mais importante para o jornalismo”.
O que pode culminar em um cenário negativo é a possível pressão utilizada nas redações ao fazer o uso de métricas. Estipular alcance de audiência para cada matéria e investir em pautas “caça-clique” podem ir contra os princípios centrais do ramo. É a partir disso que profissionais de diferentes faixas etárias, cargos e editorias apresentam perspectivas diferentes sobre essa realidade, mesmo que os valores dos quais não abrem mão sejam, de certa forma, universais.
“Ser editor digital hoje envolve aplicar técnicas de métricas editoriais nas matérias, assegurar palavras-chave de SEO [Search Engine Optimization]. Não é apenas editar um texto do ponto de vista da língua portuguesa e da qualidade jornalística, mas incorporar métricas de marketing. Não tem como fugir dessa responsabilidade”
Marcel Hartmann
Marcel afirma ter terminado a pesquisa muito mais otimista do que começou. No início, a percepção de insatisfação sobre as transformações da área não mostrava com clareza um cenário possível: o equilíbrio dos colegas de profissão ao aceitarem e resistirem ao jornalismo metrificado – caminhos que podem ser concomitantes.
O autor, que fez parte do mestrado no Canadá, pretende seguir pesquisando e entrar, futuramente, em um doutorado. Segundo ele, algumas lacunas que podem ser preenchidas na pesquisa são as diferenças éticas de jornalistas de outros ecossistemas midiáticos e um aprofundamento sobre as percepções discutidas a partir de faixa etária. “O mestrado não me faz melhor do que ninguém, mas com certeza me faz uma pessoa melhor do que eu era antes”, finaliza. A dissertação estará disponível na íntegra em breve no Lume – Repositório Digital da UFRGS.