Jornalismo hegemônico e os limites da crítica ao bolsonarismo

Publicado originalmente em ObjETHOS por Clarissa Peixoto. Para acessar, clique aqui.

O jornalismo está em crise. A afirmação é paradoxal. Embora haja um declínio do modelo hegemônico do negócio jornalístico, com raízes nas mudanças sociais e econômicas do nosso tempo, há também uma premência por uma práxis jornalística que nos socorra da avalanche das notícias falsas.

Precisamos do jornalismo para que debates públicos importantes venham à tona. É por meio dele que temos acesso a informações com alguma confiabilidade e reflexões sobre a crise sanitária, propositalmente estimulada pelo Governo Bolsonaro (sem partido), que beira a casa dos 500 mil mortos.

No entanto, é sempre difícil definir a fronteira do “bom jornalismo”. A honestidade intelectual e ideológica é um bom começo quando transparece o seu ponto de partida, não como um lugar estático ou inflexível, mas à luz da confrontação de ideias com o objetivo de produzir conhecimento. Ouvir as partes é importante, mas sem deixar de contrastá-las com aquilo que já comprovamos, sinalizando as contradições ou as incompletudes de cada discurso.

A imprensa tradicional tem se posicionado de forma contundente contra Bolsonaro. Contraditoriamente, entre os velhos veículos de jornalismo, as manifestações organizadas por movimentos sociais e partidos de esquerda, em 29 de maio, foram manchete apenas na Folha de S. Paulo

Na defensiva, O Globo e Estadão, embora critiquem a postura de Bolsonaro, preferiram realizar uma cobertura comedida, sem ênfase condizente com a proporção dos protestos. Essa prática se intensificou no telejornalismo. De acordo com a análise realizada pela jornalista e pesquisadora Eliara Santana sobre a cobertura dos protestos, publicada pela Repórter Brasil, houve uma “deliberada estratégia de silenciamento”, com veículos conferindo pouca relevância diante da magnitude do fato.

Os velhos veículos de jornalismo confundem a sociedade

Ao atacar jornalistas e veículos jornalísticos, Bolsonaro obriga a imprensa hegemônica a um posicionamento de oposição ao governo. A violência contra os direitos humanos e ao meio ambiente também tem mobilizado a imprensa nesse sentido. No entanto, a discussão impulsionada pelo jornalismo tradicional, na TV e nos impressos, demonstra distanciamento daquilo que, de fato, estrutura a política bolsonarista.

O discurso liberal da grande mídia confunde. Trata de questões mobilizadoras de forma superficial – por exemplo, aborda situações de machismo ou racismo de forma fragmentada, sem observar a profunda relação desses temas com as desigualdades de classe. Não sugere soluções, como políticas e investimentos públicos que transformem a lacuna social entre mulheres e homens, negros e brancos ou ricos e pobres.

Silencia e até defende a agenda ultraliberal do governo Bolsonaro que reforça a privatização de serviços públicos, o corte de recursos em áreas essenciais, o aprofundamento da precarização dos direitos trabalhistas e o desmonte do serviço público – via o projeto de “reforma administrativa”, em tramitação no Congresso Nacional. Todas questões estruturantes que determinam o fracasso no enfrentamento às consequências da pandemia. Enfim, a grande mídia resume-se ao denuncismo disfarçado de compromisso com o interesse público.

No caso das manifestações do 29M, o silenciamento da imprensa hegemônica demonstrou os limites ideológicos de suas linhas editoriais. Não que isso seja uma novidade, mas é sempre importante lembrar que há uma ideologia escondida na pretensa objetividade e imparcialidade.

Novos protestos

O ato do 29M deu um passo além da ação simbólica pelo Fora Bolsonaro e por melhores condições de vida da população. Foi uma ação de risco, justificada pelo cenário desolador em que o governo é o responsável pelo agravamento dos efeitos da pandemia.

Os movimentos sociais convocam novo protesto para o dia 19 de junho em todo o país. As centrais sindicais também organizam ações nos locais de trabalho e nos terminais de transporte para o 18 de junho.

Considerando a cobertura do último protesto, podemos contar apenas com a imprensa alternativa para reportar o 19J. Em que pese seu limite de produção e circulação, a esperança é que esse conjunto de iniciativas possa nos dar uma cobertura jornalística mais diversificada do que aquela apresentada pelos velhos veículos de jornalismo.   

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