Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta. Para acessar, clique aqui.
????: Evelyn Hockstein/REUTERS¹
Mesmo quem não está acompanhando de perto o caso Johnny Depp x Amber Heard certamente viu alguma coisa sobre o julgamento nas timelines das redes sociais. O processo do ator contra a atriz por difamação está em fase final e colocou mais uma vez os holofotes midiáticos no ex-casal, cuja história é bastante tumultuada.
Dessa vez, o que está em jogo é uma acusação de Depp por difamação por conta de um artigo publicado por Amber no jornal The Washington Post em 2018. No texto, apesar de não citá-lo nominalmente, a artista fala sobre sua experiência como uma sobrevivente da violência doméstica e sobre como a indústria cinematográfica e a sociedade como um todo veem as vítimas.
A repercussão da publicação foi estrondosa, fazendo com que o ator perdesse papéis importantes no cinema e, consequentemente, milhões de dólares, o que vem prejudicando sua carreira e sua imagem desde então.
Quem olha de longe, e com até certo desprezo, para conflitos entre celebridades pode pensar que essa é mais uma disputa judicial em que os limites entre o público e o privado foram ultrapassados para alimentar uma audiência sedenta por informações da vida alheia que em nada impactam a própria vida.
Mas este caso é bastante emblemático dos tempos hiperconectados em que vivemos, onde todo mundo tem uma opinião —e uma narrativa— sobre tudo o que acontece, de vacinas a fofocas, mesmo que isso influencie comportamentos alheios ou aniquile reputações de anônimos ou famosos.
Se antes acompanhávamos esses escândalos por meio de revistas impressas, programas vespertinos na televisão e, depois, por blogs especializados, hoje tudo é instantâneo e não apenas lemos e ouvimos, mas reagimos a tudo isso comentando, compartilhando, engajando e criando conteúdo.
Inflamos narrativas e ajudamos a construir e a derrubar reputações, o que nem sempre caminha ao lado dos fatos. O público tem um papel cada vez mais ativo nesse tipo de situação, fazendo com que a opinião pública esteja sujeita a tweets, reels e trends do TikTok.
Basta uma rápida busca no Google ou nos assuntos mais comentados de qualquer rede social para ver os efeitos disso. Mesmo na imprensa há uma vastidão de matérias que mostram como os próprios jornalistas estão cobrindo o julgamento por meio de sua repercussão na internet. Manchetes como “Johnny Depp viraliza ao imitar Jack Sparrow em ida ao tribunal”, “Johnny Depp viraliza ao desenhar durante audiência” ou ainda “Juíza do caso Johnny Depp x Amber Heard viraliza com semblante exaustivo” são exemplos disso.
Não faltam memes, montagens e até perfis “shippando” (termo usado para torcer pelo envolvimento amoroso de duas pessoas) o ator e sua advogada Camille Vasquez. Também não faltam listas de famosos e famosas que apoiam Depp ou Heard, assim como as hashtags #JusticeForJohnnyDeep e #JusticeForAmberHeard, que dividem fãs nas mídias sociais como se estivessem numa final de campeonato de futebol.
Nessa produção infinita (e rasa) de conteúdo sobre o tema, é impossível ignorar que pautas importantes e delicadas como violência e abuso sexual são esvaziadas, ganhando contornos políticos que podem manipular a percepção pública sobre elas de maneira perene. Um exemplo foi a denúncia da revista Vice de que o site conservador The Daily Wire estaria impulsionando uma campanha contra Amber Heard em plataformas digitais.
Qualquer que seja o veredito, há muito o que se refletir sobre o efeito das redes sociais e deste novo universo da informação sobre casos como esse. Em escalas muito menores, situações parecidas acontecem quase todos os dias na internet, com cancelamentos de pessoas, opiniões pouco ou nada embasadas sobre episódios de violência e disseminação de discursos de ódio. E, querendo ou não, acabamos tendo um papel ativo nisso quando produzimos, consumimos e engajamos conteúdos sobre esses temas.
*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta
¹Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo