Isenção previdenciária para líderes religiosos foi implementada de maneira ilegal

Publicado originalmente em Coletivo Bereia por João Pedro Capobianco e Gabriella Vicente. Para acessar, clique aqui.

Recentemente jornais de grande circulação noticiaram que o presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais (Sindifisco Nacional) Isac Falcão, afirmou que a assinatura do Ato Declaratório nº 1 de 29 de julho de 2022, que isenta líderes religiosos de contribuição previdenciária, foi implementado de forma ilegal pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e os demais contribuintes estariam pagando a aposentadoria dos líderes religiosos.

Acusações do presidente do Sindifisco Nacional

Segundo Isac Falcão, a medida adotada pelo governo Jair Bolsonaro extrapolou a competência da Receita Federal e fez com que o ônus do benefício concedido a pastores recaísse sobre a sociedade. 

Ainda, a adoção da medida não estaria de acordo com os procedimentos legais para este tipo de ato. Normalmente, segundo o presidente do Sindifisco Nacional, o ato teria que passar por conselhos técnicos da Receita Federal, o que não teria se observado.

Imagem: reprodução de foto de Isaac Falcão no site de CartaCapital

À época, o portal Poder 360 chamou atenção para o fato de que a publicação do ato oficial ocorria a apenas duas semanas do início do período eleitoral, em tentativa de “conquistar voto do eleitorado evangélico”.

A delegacia sindical dos auditores federais de Curitiba também emitiu nota por ocasião da publicação do ADI, apontando-o como medida “ilegal e eleitoreira” e afirmando que “a classe trabalhadora brasileira, tão fortemente taxada”, continuaria “pagando a conta”.

Além de Isac Falcão, o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) à época da assinatura do ADI, Mauro Silva, também discordou da decisão. Ao Metrópoles, o auditor afirmou que a publicação veio em tempo inoportuno.

Segundo Silva, a medida poderia aguardar o término do período de eleição sem prejuízo para nenhum dos envolvidos, visto que a justificativa de dúvidas quanto à legislação é na verdade uma situação antiga e a pressa não se fazia necessária.

Implementação do ADI

Ato Declaratório Interpretativo nº 1 foi publicado no Diário Oficial da União, em 1 de agosto de 2022, e assinado pelo então Secretário Especial da Receita Federal Júlio Cesar Vieira Gomes.

Segundo o ADI nº 1, os valores pagos por entidades religiosas a ministros de confissão religiosa, a membros de institutos de vida consagrada, congregação ou ordem religiosa “não são considerados como remuneração direta ou indireta” e a “existência de diferenciação quanto ao montante e à forma nos valores despendidos (…) não caracteriza esses valores como remuneração sujeita à contribuição”.

Alguns dias após a assinatura do ADI, em seu primeiro ato de campanha do período eleitoral de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro se reuniu com lideranças religiosas em Juiz de Fora (MG).

Segundo reportagem da Folha de São Paulo, durante a reunião, Bolsonaro teria discursado sobre a medida em resposta à indagação de um pastor. “A reivindicação já foi aceita, [o ato] está publicado no Diário Oficial da União”.

E mais adiante o ex-presidente teria incitado a ideia de intolerância ao afirmar que “O que ele [pastor] reivindicou está claríssimo na nossa Constituição, mas por questões de, no meu entender, perseguição, isso não era cumprido. E a Receita agora entendeu”, declarou o ex-presidente na ocasião.

Em matéria publicada em 21 de abril, sobre apuração do Tribunal de Contas da União (TCU), a CNN noticiou ter ouvido técnicos do Ministério da Fazenda que afirmam que todas as mudanças foram tratadas por Bolsonaro com Júlio César Vieira Gomes.

A CNN diz, ainda, que, em declarações ao TCU, o ex-secretário afirmou ter seguido o processo regular de tramitação da Receita. Na época, o órgão divulgou uma nota sobre a medida, dizendo se tratar da consolidação de um entendimento já vigente sobre o assunto em um único documento.

Quem é Júlio Cesar Vieira Gomes

Júlio Cesar Vieira Gomes, que assinou o ADI nº 1, é um dos envolvidos no recente caso das joias sauditas não declaradas à Receita pelo governo Bolsonaro. Após a repercussão do caso, Gomes pediu demissão do cargo, conforme relata o portal UOL. Segundo o portal Poder360, o atual governo tornou sem efeito a exoneração, em virtude da investigação sobre o caso das joias.

Imagem: reprodução de foto de Julio Cesar Vieira Gomes no site da Receita Federal

Segundo o portal G1, durante as tentativas frustradas de recuperação das joias junto à Receita, Jair Bolsonaro teria nomeado Vieira Gomes ao cargo recém-criado de adido tributário em Paris, na França. 

Após a extinção do cargo pelo atual Ministro da Fazenda Fernando Haddad, políticos ligados a Bolsonaro, dentre os quais alguns integrantes da bancada evangélica, tentaram, sem sucesso, um novo cargo para Gomes junto ao governo estadual paulista de Tarcísio de Freitas.

Igrejas são acusadas de sonegação fiscal

Matéria veiculada pelo portal Band News revela que Receita Federal descobriu repasses financeiros das igrejas aos pastores que angariavam mais dízimos e ofertas, ação interpretada como participação nos lucros. Desta forma, as instituições geraram um vínculo empregatício com remuneração por tarefa, e a Receita Federal entende que passaram a sonegar uma contribuição previdenciária.

O ADI estendeu a isenção previdenciária a pastores. Antes de agosto de 2022, quando o ato foi assinado pelo então Secretário Especial da Receita Federal Júlio Cesar Vieira Gomes, os líderes religiosos eram obrigados a recolher a contribuição previdenciária.

Logo, a atenção dos auditores voltou-se para o fato desses ganhos estarem sendo propositalmente considerados como prebenda, a remuneração fixa para a subsistência do eclesiástico.

Análise da Receita Federal e TCU

CNN divulgou que “tudo o que foi constatado até agora foge da normalidade”. E que pelo que já foi apurado até o momento, o Tribunal deve orientar a Receita a revogar a norma ou, até mesmo, editar um novo texto que exclua as possibilidades de isenção de ganhos em casos como “participação de lucros”, “cumprimento de metas” e auxílios atualmente permitidos sem a necessidade de comprovantes, como por exemplo gastos com saúde e educação.

Ainda segundo o canal de notícias, o relator do caso na Corte de Contas é o ministro Aroldo Cedraz. O documento de análise da medida que favoreceu líderes religiosos deve ser entregue em breve e seguir para a Câmara dos Deputados.

Em 27 de abril, o Jornal da Band noticiou, que a Receita Federal cogita revogar o ADI nº 1, por conta de um esquema de sonegação praticado por igrejas evangélicas. As instituições religiosas foram multadas e também devem ao Fisco 20% sobre o valor sonegado.

***

Bereia considera verdadeiro o conteúdo checado. O ato interpretativo oficializado durante o governo do ex-Presidente Jair Bolsonaro promove benefícios tributários a líderes religiosos, em consonância com o que relata o presidente do Sindifisco Nacional.

Há farto material noticioso que relata os trâmites de processos envolvendo a relação de igrejas e pastores com a Receita Federal e as críticas promovidas por membros de órgãos do fisco, como Sindifisco Nacional e Anfip, convergem no sentido de apontar irregularidades.

Referências de checagem:

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/bolsonaro-fez-populacao-pagar-por-aposentadoria-de-pastores-acusa-presidente-do-sindifisco/ Acesso em: 8 mai 2023

Poder 360. https://www.poder360.com.br/economia/ato-de-bolsonaro-faz-com-que-povo-banque-pastores-diz-auditor/ Acesso em: 8 mai 2023

Metrópoles. https://www.metropoles.com/brasil/eleicoes-2022/governo-federal-amplia-isencao-de-impostos-para-salarios-de-pastores Acesso em: 8 mai 2023

Diário Oficial da União. https://www.in.gov.br/web/dou/-/ato-declaratorio-interpretativo-rfb-n-1-de-29-de-julho-de-2022-419213935 Acesso em: 8 mai 2023

Receita Federal. http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=125275 Acesso em: 8 mai 2023

Jornal da Band. https://www.band.uol.com.br/noticias/jornal-da-band/videos/receita-quer-rever-isencao-de-pastores-17158776 Acesso em: 8 mai 2023

G1. https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2023/03/20/bolsonaristas-tentaram-emplacar-ex-chefe-da-receita-no-governo-de-sp-tarcisio-vetou.ghtml Acesso em: 8 mai 2023

Poder 360. https://www.poder360.com.br/governo/governo-barra-saida-de-ex-chefe-do-fisco-envolvido-no-caso-das-joias/ Acesso em: 8 mai 2023

Sindifisco Nacional. https://www.sindifisconacional.org.br/quem-somos/ Acesso em: 8 mai 2023

Auditores Fiscais https://www.auditoresfiscais.org.br/curitiba/?area=ver_noticia&id=4295 Acesso em: 8 mai 2023

Band News https://bandnewstv.uol.com.br/conteudo/receita-federal-estuda-rever-isencao-de-pastores-por-esquema-de-sonegacao Acesso em: 8 mai 2023

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/tcu-apura-indicios-de-ilegalidade-em-isencao-de-tributos-para-religiosos-concedido-por-bolsonaro/ Acesso em: 8 mai 2023

UOL. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/04/10/ex-secretario-receita-federal-demissao-joias-jair-bolsonaro.htm Acesso em: 8 mai 2023

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/04/ato-de-bolsonaro-faz-sociedade-bancar-aposentadoria-de-pastores-diz-presidente-do-sindifisco.shtml Acesso em: 8 mai 2023

Metrópoles. https://www.metropoles.com/brasil/eleicoes-2022/governo-federal-amplia-isencao-de-impostos-para-salarios-de-pastores Acesso em: 9 mai 2023

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/03/isencao-de-bolsonaro-a-pastores-entra-na-mira-de-receita-e-tcu-apos-suspeita-de-ato-atipico.shtml Acesso em: 9 mai 2023

Receita Federal. https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/historia-receita/galeria-secretarios/julio-cesar-vieira Acesso em: 9 mai 2023

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