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Saúde pública | Doenças como o sarampo, considerado erradicado nas Américas desde 2016, voltaram a se espalhar pelo Brasil sobretudo devido à queda na cobertura vacinal
*Foto: Flávio Dutra/Arquivo JU 16 mai. 2022
O Brasil é reconhecido internacionalmente pela qualidade das políticas de saúde pública de imunização. Isso é resultado de um investimento histórico na construção de um sistema no qual convergiram interesses políticos, econômicos, científicos e culturais. No entanto, nos últimos anos, a cobertura vacinal contra muitas doenças caiu drasticamente, principalmente nas crianças. E o investimento em grandes campanhas de comunicação – tradicionalmente marcadas por símbolos como o Zé Gotinha – encolheram na mesma proporção.
“A qualidade desse sistema enfrenta o paradoxo da naturalização da realidade, como se a imunização fosse algo bem resolvido no país e, portanto, não exigisse esforços de manutenção e conscientização das novas gerações”, salienta a professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFRGS Elisa Reinhardt Piedras. Ela constata que a comunicação que promove a imunização recebe cada vez menos investimentos e, consequentemente, tem menor visibilidade e presença social.
“Complementarmente, a cultura antivacina, presente em vários países, também ganha força no Brasil, nos últimos anos, trazendo mais obstáculos à promoção de uma imunização de alcance, como tínhamos antes”
Elisa Piedras
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) representa uma das políticas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS) de maior sucesso no Brasil e é exemplo seguido por muitos países. Ele é fruto de um longo e histórico processo que se inicia com as campanhas massivas e obrigatórias de vacinação no começo do século XX, com Oswaldo Cruz. Mesmo com a atual falta de recursos financeiros e humanos, além da produção discursiva negacionista e das fake news contra as vacinas na pandemia, a imunização contra a covid-19 é avaliada como satisfatória, graças à política do PNI e à mobilização da sociedade. “Deve-se registrar que o Brasil – e, no caso, o povo brasileiro – aderiu massivamente à vacinação contra a covid-19. Temos um dos maiores índices de vacinação do mundo, já que cerca de 80% da população está com as duas doses necessárias, em um rápido período de tempo”, contextualiza a professora da Escola de Enfermagem da UFRGS e consultora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) Cristianne Maria Famer Rocha.
A imunização contra a covid-19, contudo, é uma exceção em termos de sucesso em cobertura vacinal. Entre 2020 e 2021, os discursos anticiência e antivacinas, assim como a falta de campanhas de incentivo à imunização da população, têm produzido a pior taxa de cobertura dos últimos 10 anos para vacinas como a BCG, meningococo C, poliomielite e tetraviral.
A cobertura da vacina tetraviral – que protege contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela – teve queda de 79% em 2016 para 5,71% em 2021. Na prática, isso significa o retorno do sarampo – que havia sido erradicado em 2016 –, uma doença altamente contagiosa, transmitida por gotículas respiratórias e que provoca sintomas como tosse, coriza, olhos inflamados, dor de garganta, febre e irritação na pele, com manchas vermelhas. Em casos mais graves, pode causar pneumonia e inflamação no cérebro, levando à morte.
A aplicação da vacina da poliomielite é outro caso que teve redução drástica de cobertura. Em 2021, o índice de vacinação atingiu 69%; em 2012, era de 96%. Para o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, é necessário resgatar o valor e a cultura da vacina.
“Trabalho como médico intensivista e toda hora lido com pessoas que desconhecem os benefícios da vacina e não sabem a gravidade das doenças que ela pode prevenir. A paralisia infantil é um exemplo. Os pais mais novos nunca viram um caso. Por isso há uma falsa segurança e complacência. A febre amarela é outro caso – não basta só se vacinar ao viajar –, assim como a coqueluche”
Juarez Cunha
Falta consciência e investimento
O presidente da SBIm lembra que a baixa cobertura vacinal e a falta de consciência da população sobre a importância da imunização fazem com que doenças erradicadas, como varíola, pólio, sarampo, rubéola congênita e tétano neonatal, voltem. E que casos de doenças controladas, como coqueluche, meningite e tuberculose, aumentem, saiam do controle e pressionem ainda mais o sistema de saúde.
“Vacinas não são só pra crianças, mas para todas faixas etárias – como a contra o sarampo, disponível nos postos de saúde para pessoas com até 59 anos. Precisamos estimular essa busca, porque não é só uma questão individual, mas de proteção da coletividade”
Juarez Cunha
A consultora da OPAS/OMS reforça a relevância dos imunizantes para a saúde. “A vacinação é essencial para a prevenção e erradicação de doenças, evitando possíveis danos ou mortes decorrentes de infecções evitáveis. É comprovado cientificamente que tivemos, ao longo do último século, no mundo, uma queda drástica na incidência de doenças que matavam milhares de pessoas. Basta ver o que aconteceu no Brasil após a vacinação da covid-19”, afirma Cristianne Famer Rocha.
Mesmo que as vacinas recomendadas pelo PNI sejam obrigatórias para as crianças, houve o retrocesso nas taxas de imunização, muito afetadas pela discussão político-ideológica. Outro fator é a oscilação nos valores investidos em campanhas de comunicação: em 2011, o Ministério da Saúde gastou R$ 73 milhões em ações de comunicação sobre vacinas; em 2020, o valor foi de apenas R$ 45 milhões.
“O nosso SUS nos garante uma ampla cobertura vacinal, sendo exemplo internacional de disponibilidade gratuita; há uma amplitude de imunizantes e, em momentos como este, precisamos do apoio dos meios de comunicação sérios para ajudar a ampliar a conscientização sobre a importância da imunização como um ato de amor próprio e de amor ao próximo”, enfatiza a conselheira do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Ana Lúcia Paduello. Segundo ela, o CNS já usou vários instrumentos, recomendando medidas e ações por meio de suas comissões e pelo Relatório de Gestão e alertando o MS sobre a baixa execução e o cumprimento das metas de vacinação.
Os cinco Cs na influência da vacinação
O presidente da SBIm explica que, de modo resumido e didático, pode-se classificar a população em três perfis quanto à postura em relação às vacinas: a grande maioria que tem convicção da necessidade e dos benefícios dos imunizantes, os poucos que se negam a acreditar nos benefícios e espalham a desinformação e a parte hesitante, que tem dúvidas quanto à eficácia e à segurança de algumas vacinas. Juarez lembra que a vacinação em geral já vinha ruim na pré-pandemia e piorou muito nos últimos dois anos.
O médico explica que esse caso de pessoa que ficava em cima do muro em relação à vacina era chamado de hesitação vacinal, com base em três Cs:
- Complacência, isto é, falsa sensação de segurança: como a pessoa nunca viu um caso da doença, desconhece a enfermidade e acha que, por isso, a vacina não é necessária;
- Confiança na segurança e eficácia da vacina. (Se não há campanhas junto à população, as pessoas hesitantes aumentam sua desconfiança, explica Juarez.); e
- Conveniência: aspecto relacionado à estrutura física e de recursos humanos, como a disponibilidade de horários de atendimento flexíveis para os pais que trabalham e a qualificação dos profissionais de saúde da ponta.
Com a pandemia, outros dois Cs se mostram fatores mais decisivos para o êxito da cobertura vacinal, avalia o presidente da SBIm. São eles:
- Comunicação: para ele, um ponto fundamental (“As campanhas de comunicação não têm acontecido, se vê apenas divulgação de informações sobre calendários de vacinação para os profissionais que trabalham na área, mas a população, em geral, não tem sido estimulada nem fica sabendo das campanhas”); e
- Contexto: com o coronavírus, “a população mais vulnerável foi a mais afetada e nela também houve a maior queda na cobertura vacinal tanto na vacina contra a covid como nas outras, expondo-a a um risco muito grande”, analisa o presidente da SBIm.
Fatores complexos
É preciso também considerar, na análise, a utilização das redes sociais digitais, que aumentou durante a pandemia, potencializando a produção e a reprodução de discursos denuncistas, em resistência à hegemonia científica e como recusa àquilo que pode representar uma novidade, ou seja, o conhecimento objetivo, a crítica, as evidências científicas, o argumento lógico. “Em síntese, tudo o que poderá representar o viver em sociedade e o debate público racional”, resume Cristianne.
Nesse sentido, é preciso, ainda, compreender e avaliar o setor de saúde no âmbito das questões políticas e econômicas.
“Viver em uma sociedade pautada pelos princípios econômicos neoliberais implica fortalecer as liberdades individuais. Como consequência, temos uma derrocada dos valores coletivos ou comuns à sociedade”
Cristiane Fammer Rocha
Além de tudo isso, é necessário se considerarem os resultados de estudos específicos relacionados à baixa cobertura vacinal. “Apenas para ilustrar, alguns mostram que a baixa cobertura tem a ver com a baixa escolaridade dos pais. Então investir em educação de qualidade poderá nos permitir ter melhores indicadores de saúde, inclusive aqueles relacionados à cobertura vacinal. Como sou da área de Comunicação em Saúde, também acredito que os meios de comunicação e as redes sociais têm um importante papel a contribuir com o campo da saúde”, analisa Cristianne.
Ela completa que há mecanismos regulatórios de produção e reprodução de discursos nas mídias (sejam elas as consideradas tradicionais, como rádios, televisões, jornais, revistas; ou inovadoras, como Instagram, Facebook, YouTube, Twitter, WhatsApp). “Isso é fundamental para discutirmos os valores que permeiam nossas sociedades. Isto é, quais valores interessam para a produção de sociabilidades e quais destroem nossa possibilidade de convivência pacífica e suportável”, questiona.
A pesquisadora e professora Cristianne Fammer Rocha observa que as causas e os fatores são complexos e têm a necessidade de uma análise cuidadosa da situação. “Obviamente que a própria pandemia impactou nessa diminuição da vacinação das crianças aqui e no mundo, pois fez com que as pessoas saíssem menos de casa e, portanto, se sentissem menos seguras de fazer aquilo que normalmente faziam ou deveriam fazer.” Também contribuiu para a diminuição nos indicadores de imunização a desconfiança nas vacinas, fortalecida por movimentos antivacina. “Tal movimento é amparado por visões negacionistas e conservadoras de mundo”, completa a consultora da OPAS/OMS.
Avanços e retrocessos
Em decorrência da falta de políticas públicas nos governos da ditadura militar, deterioraram-se as condições de vida no país. Diante disso, a pressão de movimentos sociais resultou na Constituição Cidadã. No campo da saúde, não foi diferente. “Tivemos inúmeras experiências de tensionamentos, manifestações, discussões públicas amplas, com a participação massiva da população – como foi a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986. Dela, redundou o capítulo da saúde da Constituição Federal e a construção do SUS que congrega todos os serviços públicos e privados no país”, lembra Cristianne.
No âmbito do SUS, desde 1988 ocorreram avanços e retrocessos. “Fortalecemos e ampliamos algumas políticas públicas – como o PNI, uma referência internacional que favorece o acesso gratuito da população a todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Outras sofreram retrocessos, sobretudo em função do escasso financiamento recebido ao longo dos anos e, para piorar, com a Emenda Constitucional 95 de 2016 após o impeachment e o golpe, o congelamento dos investimentos públicos em áreas prioritárias como saúde e educação”, avalia a consultora da OPAS/OMS.
“Nosso PNI é um sucesso mundial, mas estamos vendo um desmonte do sistema. Só não foi pior porque houve uma grande mobilização da vacina contra a covid. É um retrocesso com certeza, devemos trabalhar muito para recuperar esse prejuízo”, pondera o presidente da SBIm. Segundo o dirigente, o programa era robusto, existindo há 50 anos.
“[O PNI] Tinha orçamento maior que muitos ministérios. O que se construiu e estimulou durante muitos anos acabou não acontecendo neste governo, tanto é que ficamos cinco meses sem coordenador no PNI. Precisamos ter esse programa como uma política de Estado, não de governo”
Juarez Cunha
Para a conselheira do CNS, os últimos dois anos potencializaram os problemas enfrentados no SUS – tornando público, em grandes proporções, aquilo que profissionais da área já conheciam. “A diminuição da adesão à imunização, a fragilidade da infraestrutura dos serviços de saúde nos municípios, em especial naqueles distantes das capitais, potencializam os problemas de políticas públicas em saúde. Por isso é fundamental que o controle social esteja atento, militando por melhorias a todos os cidadãos brasileiros. Agora, precisamos considerar as propostas para a saúde dos candidatos aos governos dos estados e do nosso país”, observa Ana Lúcia Paduello.
Saúde, educação e comunicação
O movimento antivacina encontra nas redes sociais, em especial nas comunidades com perfil de pessoas como os negacionistas e as em hesitação vacinal, uma grande oportunidade para conquistar adeptos. Conforme a conselheira do CNS, a única forma de combater essa desinformação é gerando informações de qualidade, referenciadas por especialistas e ativistas sérios, comprometidos com a saúde pública e a valorização do SUS. “A educação em saúde faz parte das nossas vidas desde nossos primeiros passos: quando ensinamos uma criança a não tocar no chão e colocar as mãos na boca, estamos prevenindo infecções oportunistas”, exemplifica Ana Lúcia. Lavar as mãos e os utensílios, ter boa higiene pessoal, alimentação saudável, dormir oito horas por dia e praticar atividade física, por exemplo, são os princípios básicos de educação em saúde e bastante propagados.
Para promover de forma eficaz uma política de saúde, os processos de comunicação devem ter foco bem definido e clareza sobre o perfil de público com o qual pretende dialogar. Os objetivos podem ser variados, como tornar a existência de um imunizante conhecida, conscientizar sobre a importância da vacina como prevenção, fornecer conhecimento prático sobre onde e como acessar a vacinação, gerar convicção sobre o papel crucial da imunização e, por fim, levar os sujeitos à ação de se vacinar.
“Cada objetivo exige uma forma diferente de comunicação e diferentes meios, formatos, locais e agentes podem ser reunidos para gerar campanhas de promoção das políticas de saúde”, explica a professora de comunicação Elisa Piedras. Ainda segundo ela, a decisão sobre esses pontos deve levar em conta a realidade do público visado, seu contexto (econômico, sociocultural, político), bem como escolaridade e competências de leitura da mídia.
“Cabe destacar também que esses processos de comunicação e sujeitos envolvidos tanto na produção quanto na recepção das mensagens sobre saúde são situados historicamente, convivendo com matrizes e referências que formaram a visão hegemônica sobre o tema e, simultaneamente, expostos à emergência de práticas e discursos contra-hegemônicos que geram tensionamentos nesse fluxo de comunicação”
Elisa Piedras
ENTREVISTA
Vacina, comunicação e saúde: “Informações mentirosas, distorcidas ou incompletas não são eventos novos no campo da saúde”
A jornalista, mestra em Ciências, doutoranda em Informação e Comunicação em Saúde e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Tatiana Clébicar analisa o contexto da desinformação e as políticas de comunicação do Ministério da Saúde (MS) no impacto da vacinação e na saúde. Tatiana integra a pesquisa “Covid-19 nas mídias: em quem confiar? Narrativas, atores e polêmicas sobre a pandemia”, iniciada em abril de 2020 com o objetivo de compreender como a pandemia tem sido discursivamente construída nas representações midiáticas sobre o evento sanitário.
Nesta entrevista ao JU, a pesquisadora destaca fatores para a queda da cobertura vacinal no país, como a redução de investimento em campanhas de comunicação, a influência da tecnologia e dos afetos na disseminação de fake news e a variação da comunicação do MS de acordo com os titulares da pasta.
Nos últimos anos, a cobertura vacinal e a imunização caíram muito no país, especialmente em crianças. E as grandes campanhas de comunicação parecem ter caído na mesma proporção. Como se pode avaliar o cenário sob o olhar da comunicação?
Desde 2014, o Plano Nacional de Imunização vem registrando quedas significativas na cobertura vacinal, como mostra o livro Vacinas e vacinação no Brasil. O desinvestimento em campanhas de comunicação é um elemento envolvido nesse processo. Embora não seja o único, é um fator importante. Na página de Acesso à Informação do Governo Federal, é possível encontrar os valores investidos nas campanhas de comunicação sobre vacinação entre 2010 e 2020. Observamos uma tendência de redução entre 2018 e 2020.
As fake news, a desinformação e o negacionismo estão entre os principais problemas da saúde atualmente. Como enfrentar isso?
Informações mentirosas, distorcidas ou incompletas não são eventos novos no campo da saúde. No entanto, com os recursos tecnológicos atuais, são produzidas e circulam em quantidade e velocidade incomparáveis. Não há uma fórmula para minimizar seus efeitos. São muitas as estratégias possíveis para lidar com elas.
É preciso levar em conta os contextos em que estão inseridas. Como acionam afetos intensos, como medo e indignação, não se trata de uma questão de argumentação formal apenas. Significa que não basta oferecer uma contraposição lógica. É preciso entender o sistema de crenças e valores com que elas dialogam e os atores sociais envolvidos. Ao mesmo tempo, é necessário discutir políticas públicas capazes de conter a disseminação massiva pelas redes sociais digitais.
Como se insere a infodemia nesse contexto?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) definem a infodemia como a excessiva proliferação de informações que dificultam a identificação de fontes e orientações fidedignas. A desinformação, caracterizada pela manipulação deliberada por falseamento ou distorção de informações, é um dos elementos da infodemia. A questão-chave é a confiança, e a comunicação ocupa um papel central nesse cenário.
Como a comunicação pode contribuir para conciliar saúde e educação para uma medicina preventiva?
Em muitas situações, entendemos a comunicação por seu papel instrumental. Quero dizer com isso que, frequentemente, pensamos a comunicação como uma ferramenta apenas. Se isso fosse verdade, os boatos seriam facilmente descontruídos, e não é o que temos testemunhado, sobretudo nesses últimos anos de pandemia. Porém, se entendemos a comunicação como processo dinâmico de concorrência discursiva, podemos buscar compreender os elementos simbólicos capazes de construir confiança nas vacinas, por exemplo.
A comunicação pode ser reativa – combater as fake news – e proativa – ocupar o espaço público com informações de orientação e educação. Como devem ser as estratégias de comunicação neste cenário?
Se entendi bem, a pergunta opõe uma comunicação reativa a outra propositiva, certo? Uma não pode prescindir da outra. É preciso reagir à desinformação, refutando o falseamento ou contextualizando as imprecisões, conforme o caso. Os serviços de checagem têm um papel importante nisso, inclusive em parcerias firmadas com grandes redes sociais. Ao mesmo tempo, é fundamental que as instituições de saúde mantenham em circulação informações precisas e acuradas. Durante a pandemia, vimos pesquisadores e trabalhadores da saúde da Fiocruz, por exemplo, desempenhando essa função e reiterando a confiabilidade das vacinas aprovadas pelas autoridades sanitárias. É preciso atuar nas duas frentes.
Como você avalia a comunicação do MS nos últimos dois anos?
Em primeiro lugar, é preciso registrar que a comunicação do MS variou de acordo com os titulares da pasta. Foram quatro desde o início da pandemia… Numa situação global de graves incertezas geradas pela covid-19, esse fator por si só foi suficiente para gerar desconfiança. Além disso, certas condutas, como a decisão de suspender a divulgação dos dados relativos à pandemia, favoreceram que outros atores institucionais – como veículos de imprensa e certas entidades de ensino e pesquisa – ocupassem o lugar de autoridade na construção dos sentidos sobre saúde desde 2020.
No contexto da política de vacinação e comunicação, há outros fatores que podem contribuir para a compreensão do tema?
Numa das análises produzidas no âmbito da pesquisa “Covid-19 nas mídias: em quem confiar? Narrativas, atores e polêmicas sobre a pandemia”, observamos que uma das bases argumentativas contra as vacinas da covid-19 especificamente era o questionamento da confiabilidade das autoridades que as produziram, defenderam ou divulgaram, como cientistas, políticos e jornalistas. A desconfiança dirigida a esses atores apareceu de forma transversal e articulada no material analisado.