Publicado originalmente em Coletivo Intervozes. Para acessar, clique aqui.
Entre os dias 21 e 23 de fevereiro, o Intervozes participou da conferência global Internet for Trust, promovida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em Paris, na França. A conferência teve o objetivo de discutir a terceira versão do documento Guidelines for regulating digital platforms: a multistakeholder approach to safeguarding freedom of expression and access to information, que trata de princípios para a regulação das plataformas digitais.
“A conferência ajudou a legitimar o documento e a própria Unesco enquanto agente importante no debate sobre a regulação das plataformas, que deve ser multissetorial. No início, o processo de construção do documento foi acelerado, o que dificultava as contribuições da sociedade civil e outros agentes em um tema que hoje é extremamente relevante para a democracia. Agora, com mais tempo, vamos poder incidir em aspectos fundamentais, colocando na mesa as especificidades do Sul Global, especialmente da América Latina. Assim, o documento poderá ter papel importante nos debates sobre regulação que estão sendo feitos no Brasil”, afirma Olívia Bandeira, coordenadora executiva do Intervozes. Olívia e a associada Sheley Gomes representaram o Coletivo na conferência.
O Brasil esteve em peso no debate. Representantes da sociedade civil, da academia, do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e do governo federal, por meio da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República (Secom), do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) compareceram à conferência que ganhou destaque na mídia brasileira. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou uma carta para o evento, lida pelo secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant. Na carta, o presidente menciona as desigualdades agravadas pelas plataformas digitais e defende uma regulação construída com participação social.
“Precisamos de equilíbrio. De um lado, é necessário garantir o exercício da liberdade de expressão individual, que é um direito humano fundamental. De outro lado, precisamos assegurar um direito coletivo: o direito de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a desinformação. Também não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas. A regulação deverá garantir o exercício de direitos individuais e coletivos. Deverá corrigir as distorções de um modelo de negócios que gera lucros explorando os dados pessoais dos usuários. Para ser eficiente, a regulação das plataformas deve ser elaborada com transparência e muita participação social. E no plano internacional deve ser coordenada multilateralmente”, diz a carta.
Perspectivas da América Latina
No dia 21 de fevereiro, o Intervozes marcou presença no debate “Transparency, content moderation and freedom of expression. Multi-stakeholder perspectives from Latin America”, promovido pela Unesco e OBSERVACOM com o objetivo de discutir a proposta de transparência e responsabilização das plataformas digitais por uma perspectiva latino-americana.
Participaram do debate Pedro Vaca Villarreal, relator especial de Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA); Gustavo Gómez, do OBSERVACOM; Amalia Toledo, da Wikimedia Foundation; Raúl Echeberría, da Associação Latino-americana de Informação (ALAI), representando as empresas; Bia Barbosa, da Coalizão Direitos na Rede; Catalina Botero Marino, do Facebook Oversight Board e UNESCO; Agustina Del Campo, do Centro de Estudos sobre Liberdade de Expressão e Acesso à Informação (CELE) da Universidade de Palermo. A moderação ficou por conta de Rosa M. González, da UNESCO, e a relatoria foi de Natalia Zuazo, também da UNESCO.
“O debate global tem se concentrado em torno dos temas de transparência, do devido processo, da moderação de conteúdos, do impacto da moderação de conteúdos, mas de acordo com a nossa região, é muito importante se colocar em primeiro lugar a deterioração do debate público”, destacou Pedro Vaca Villarreal, relator da OEA.
O debate pode ser assistido na íntegra neste link.
Histórico
A regulação das plataformas está no centro do debate sobre democracia e direitos humanos nas sociedades contemporâneas. Há pelo menos dois anos, a Unesco vem mobilizando o debate na arena internacional. Em 2021, a agência publicou o documento Letting the sun shine in: transparency and accountability in the digital age, em que aponta as tendências mundiais em liberdade de expressão e desenvolvimento da mídia, destacando a importância da transparência e responsabilização das plataformas digitais.
Em setembro de 2022, a agência lançou a primeira versão do documento que esteve em debate na Internet for Trust. O material foi discutido por alguns agentes e uma segunda versão foi publicada em novembro de 2022 e aberta para consulta pública. No final de janeiro de 2023, a Unesco publicou a versão 2.0 que segue aberta para consulta pública até o dia 8 de março. A previsão é de que a terceira versão esteja pronta para ser discutida no final de março e todo o processo de elaboração do documento deve ser finalizado até setembro de 2023.
Na América Latina, a Unesco tem apoiado iniciativas sobre o tema. Em novembro de 2021, a Unesco apoiou a realização do Seminário Internacional Transparência e Prestação de Contas das Plataformas da Internet, organizado pelo Intervozes, Observacom, Idec e outras organizações latino-americanas que, desde 2019, vêm construindo o documento Padrões para uma regulação democrática das grandes plataformas digitais que garantam a liberdade de expressão e uma internet livre e aberta.
Em maio de 2022, a articulação de entidades latino-americanas que vem discutindo o documento citado acima, da qual o Intervozes participa, realizou em parceria com a Unesco o seminário em alusão ao Dia Mundial da Imprensa, celebrado em 3 de maio. O encontro, ocorrido no Uruguai, aprofundou os debates em torno da transparência, moderação de conteúdos e regulação democrática das plataformas digitais.
A regulação da moderação de conteúdos é uma parte do debate regulatório que deve incluir também outros aspectos, como os modelos de negócios das grandes plataformas digitais e a regulação econômica.