Internacionalismo e circulação de informação na imprensa operária de Porto Alegre

Publicado originamente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Artigo | Graduado em Biblioteconomia, Maurício Moroso Knevitz aponta os intensos contatos e permutas que o grupo de anarquistas que editava o periódico “A Luta” manteve com a imprensa libertária de países europeus e sul-americanos

*Por Maurício Moroso Knevitz
*Ilustração: Lilian Maus/ Programa de Extensão Histórias e Práticas Artísticas, DAV-IA/UFRGS

Em setembro de 1906, um grupo de anarquistas em Porto Alegre iniciou a publicação de um periódico chamado A Luta, que em seu primeiro número já anunciava: “Pretendemos trazer para estas colunas toda a experiência e toda a observação que colhermos das lutas que se vão empenhando entre trabalhadores e capitalistas de toda a parte do mundo, luta que vai marcando os passos da espécie humana em marcha para o ideal de uma sociedade onde o baixo egoísmo especulativo não terá guarida e onde, unidos todos os indivíduos pela solidariedade, gozarão da liberdade integral a que fizeram jus”.

Apesar de atuarem fundamentalmente no meio local, desde o primeiro momento os militantes responsáveis pela edição de A Luta demonstraram profundo interesse pelas lutas sociais que ocorriam ao redor do mundo, publicando nas páginas de seu periódico diversas informações sobre o movimento operário internacional. Mas como essas informações circularam e foram apropriadas pela imprensa operária local?

Procuro responder à questão colocada acima em meu Trabalho de Conclusão de Curso em Biblioteconomia a partir de uma investigação sobre a circulação e os usos da informação na imprensa operária de Porto Alegre, tomando o periódico A Luta como referência. A abordagem propõe o estabelecimento de um diálogo entre a Ciência da Informação – grande área da qual a Biblioteconomia faz parte – e a História Social do Trabalho. 

Rejeitando a ideia de Estado-nação, os anarquistas buscaram construir um mundo sem fronteiras e utilizaram a sua imprensa como ferramenta nesse sentido.

Ao longo da pesquisa, verificamos que A Luta manteve intensos contatos e permutas com a imprensa libertária de países europeus e sul-americanos.

Stefan Michalski, responsável pela correspondência de A Luta e um dos diretores do periódico, era um entusiasta do esperanto e estabeleceu diversas conexões com o movimento anarquista no exterior. Boa parte das informações sobre o movimento operário internacional publicadas em A Luta eram provenientes dos periódicos com quem mantinham permuta e que também estavam à disposição dos trabalhadores na sala de leitura da Escola Eliseu Réclus, outro espaço de atuação anarquista em Porto Alegre.

Como outros periódicos da imprensa operária, A Luta era publicado em um pequeno formato e dispunha de pouco espaço para veicular informações. Assim, é significativo que uma parte importante de seu conteúdo tenha sido dedicada ao movimento operário internacional. É certo que o grupo editor de A Luta sustentou uma posição internacionalista e buscou propagá-la, mas também consideraram que, ao divulgar informações sobre a classe operária e suas lutas no exterior, apresentavam aos trabalhadores de Porto Alegre exemplos a serem seguidos ou evitados, além de contribuir para uma noção de simultaneidade e pertencimento a um movimento operário internacional: através da circulação de informações na imprensa operária, os trabalhadores poderiam se conectar com eventos, ideias e movimentos que transcendiam as fronteiras nacionais.

Além disso, A Luta promoveu uma série de campanhas internacionalistas em suas páginas, seja contra a lei de expulsão de estrangeiros aprovada em 1907 ou contra uma propalada guerra entre Brasil e Argentina em 1908, e denunciou a repressão ao movimento operário argentino em 1910 e aos anarquistas na Europa, fazendo valer seus contatos estabelecidos com o exterior. 

Passando por dificuldades financeiras, A Luta encerrou sua publicação em 1911, embora tenha reaparecido em 1918 e, mais tarde, entre 1928 e 1930. Em suas duas “reencarnações”, o periódico foi publicado sob a responsabilidade de novos militantes do anarquismo. De sua primeira fase, 51 números (de um total de 55) ainda se encontram preservados e podem ser consultados em microfilme no Núcleo de Pesquisas Históricas da UFRGS ou online no Internet Archive.


Maurício Moroso Knevitz é graduado em Biblioteconomia e doutorando em História pela UFRGS. 

O trabalho de conclusão de curso que deu origem a este artigo foi orientado por Fabiano Couto Corrêa da Silva.

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