Indígenas Xikrin carregam jabutis para cerimônia; vídeo não prova venda

Publicado originalmente em Agência Lupa por João Pedro Capobianco. Para acessar, clique aqui.

Circula, pelas redes sociais, um vídeo que mostra indígenas descarregando jabutis de um caminhão. As imagens mostram os animais lado a lado e presos a estruturas de madeira e fibra, enquanto são transportados por vários homens. Algumas publicações alegam se tratar de um flagrante de tráfico de animais em terras indígenas. Outras, alegam contrabando para a Europa. É falso.

Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que o conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação​:

“Esses são os ‘nossos’ coitadinhos índios contrabandeando pra Europa nossas tartarugas, jabutis e cágados da Amazônia que tanto as Ongs (esquerdistas estrangeiras) defendem. Vão virar prato de granfino na Europa. Perversidade, assim são os coitados como dizem sobre os índios o que vem fazendo a tempos em nossas florestas.”

– Texto em publicação nas redes sociais

Falso

As imagens de indígenas carregando jabutis amarrados não mostram um flagrante de tráfico de animais. Os jabutis são usados em cerimônias tradicionais do povo Xikrin do Cateté, do tronco linguístico Macro-Jê, como parte da expressão de um vínculo espiritual entre os indígenas e a fauna local.

Em nota à Lupa, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) afirmou que “diferente do tráfico ilegal de animais, a coleta de jabutis realizada pelos Xikrin é limitada, respeita o equilíbrio do ecossistema local e é orientada por princípios de respeito à natureza”. A prática é supervisionada pela Funai e por outros órgãos reguladores para garantir que não haja impacto negativo à fauna local.

De acordo com a Funai, “a coleta de jabutis realizada pelos Xikrin do Cateté é uma prática cultural ancestral e sagrada, que faz parte de um ritual específico do povo indígena Xikrin. Esse ritual ocorre na Terra Indígena Xikrin do Cateté, localizada no estado do Pará, na região amazônica do Brasil”.

Durante a cerimônia tradicional, os jabutis, amarrados às armações de fibra e madeira, são segurados na vertical por alguns homens, enquanto outros – alguns armados – cantam e dançam ao redor das estruturas.

Segundo o Portal Amazônia, a longevidade dos jabutis é entendida como sinônimo de força e resistência pelo grupo indígena. Após ser assada em fornos de pedra, a carne do animal é servida nas festividades. O Instituto Indígena Botiê Xikrin confirmou, em nota à Lupa, que os jabutis são comidos durante as cerimônias, e não vendidos.

Uma imagem do indigenista e documentarista Vincent Carelli, publicada em 2020 e disponível no acervo do Instituto Socioambiental, mostra a coleta de jabutis para a realização de ritual pelo povo Xikrin do Cateté, no Pará, com o mesmo tipo de armação.

Terra Indígena Xikrin do Cateté é protegida para garantir a preservação das tradições dos Xikrin e suas relações com o meio ambiente. Nas redes sociais, algumas publicações usam as imagens de jabutis sendo carregados por indígenas Xikrin para alegar que tartarugas e jabutis são capturados e comercializados “em dezenas e milhares” em terras indígenas. Não há, porém, informações publicadas sobre a comercialização de jabutis ou de tartarugas por este grupo.

No início de novembro, após denúncias de atividades ilegais, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deflagrou a Operação Tabuleiro VI, que buscou reprimir a captura de quelônios (tartarugas), às margens do rio Tapajós, no Pará. 

As operações contaram com apoio da Força Nacional e de ribeirinhos monitores do Programa Quelônios da Amazônia (PQA), e resultaram em apreensões e multa de R$ 6,25 milhões aos infratores. Em nota à Lupa, o Ibama afirmou que a Operação Tabuleiro não envolveu jabutis e que não é possível afirmar que as imagens em vídeos virais estão associadas à comercialização de animais.

Cerimônia tradicional

No TikTok, o perfil de Bepdjoti Xikrin mostra cenas da captura dos jabutis e a realização de uma cerimônia coletiva. As estruturas com os jabutis amarrados são colocadas na vertical enquanto indígenas entoam um cântico tradicional.

https://www.tiktok.com/embed/v2/7433433504895077637?lang=pt-BR&referrer=https%3A%2F%2Flupa.uol.com.br%2Fjornalismo%2F2024%2F11%2F13%2Findigenas-xikrin-carregam-jabutis-para-cerimonia-video-nao-prova-venda

No livro “Memória das Imagens: olhares multiculturais sobre o acervo Jesco Puttkamer”, publicado em 2017, a antropóloga Vanessa Lea descreve expedições para a captura de jabutis pelo povo Mebengokré:

“Para a realização das grandes cerimônias, que caracterizam este povo, são feitas expedições de caça, que podem durar até um mês, em que capturam grandes quantidades de jabutis. São transportados vivos até a aldeia em estruturas de madeira que se assemelham a escadas, presas à testa de cada caçador com amarras de fibra”, afirma Lea.

No vídeo que circula nas redes sociais e que levou a acusações de tráfico, nota-se que o mesmo tipo de estrutura é usada para carregar os animais. Os jabutis vão presos a armações de madeiras, semelhantes a escadas, e as estruturas são retiradas de um caminhão por vários homens.


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