Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Luciana Petersen e Lázaro Campos. Para acessar, clique aqui.
Circula nas redes sociais um vídeo em que indígenas do povo Truká aparecem demolindo as obras de uma igreja construída em seu território na Ilha de Assunção, em Cabrobó (PE), no dia 24 de abril. Em outra postagem, a página do Facebook “Assembleianos de Valor” classificou a ação dos Truká como intolerância religiosa.
Expressões de intolerância
A construção do templo na terra indígena Truká estava sendo realizada pela Igreja Evangélica Assembleia de Deus Pernambuco, filial Cabrobó, dirigida pelo pastor presidente Ailton José Alves e pelo pastor local Jabson Avelino.
Em um vídeo de transmissão ao vivo do culto de 9 de abril de 2021 publicado pelo canal da Igreja no Youtube, o pastor Jabson Avelino aparece zombando da religião tradicional do povo Truká. “Ore pelos nossos irmãos índios. Estamos novamente precisando de um socorro de Deus, o pajé foi lá falar com os presbíteros junto com os caciques, basicamente proibiram o culto novamente lá. O pajé disse que o espírito de luz deles não está descendo, acho que cortaram a energia deles lá (risos). É porque eles tão orando lá e o espírito de luz não está descendo. E não desce mesmo não, porque maior é o que está conosco”, afirmou, no trecho a 1:05’53’’ da transmissão.
Sentindo-se desrespeitados pelas falas do pastor e pela falta de diálogo da igreja com as lideranças, os indígenas do Povo Truká realizaram um ato de derrubada da construção da igreja no local invadido.
“Nós não fomos às redes sociais difamar a religião de ninguém, pelo contrário, fomos nós que tivemos nosso sagrado desrespeitado pelo pastor. Imaginem se fôssemos nós indígenas que tivéssemos difamado a religião do pastor e achando pouco, fôssemos construir uma aldeia na sua igreja, digo, dos irmãos. Talvez não desse tantos comentários, sem fundamentos, sabe por quê? Porque vivemos em uma sociedade hipócrita, onde as minorias são tratadas às margens da sociedade”, afirmou em nota o Cacique Bertinho, liderança do povo Truká.
Ele destaca ainda que, em nenhum momento, os pastores consultaram as lideranças da aldeia sobre a construção do templo no local, e que há algum tempo a população local enfrentava desrespeito e abuso por parte dos evangélicos que invadiram a aldeia sem permissão. “Para construir ou fazer qualquer obra no território indígena, faz-se necessário a consulta prévia para saber se as lideranças indígenas aceitam ou não determinada ação. Em nenhum momento as lideranças foram procuradas pelo pastor para dar anuência para referida construção, por diversas vezes os representantes da Assembleia aqui na Ilha de Assunção foram procurados para conversar, mas mesmo diante da decisão da organização interna, os mesmo continuaram a insistir na construção de uma igreja”, declarou.
A nota relembra ainda que a construção da igreja em terra indígena foi feita sem autorização:
A Constituição Federal Brasileira (Art. 231 e 232) reconhece o respeito às formas de organizações próprias dos povos indígenas, além de suas crenças, costumes, usos e tradições bem como os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras.
Trecho da nota da liderança do povo Truká
O Decreto 5051/04 (Convenção 169 da OIT) reafirma o reconhecimento desses direitos constitucionais e ressalta o direito de autonomia dos povos indígenas, no sentido de garantir o respeito às formas diferenciadas de vida e organização de cada povo indígena, seus anseios, planos de vida, de gestão e de desenvolvimento de seus territórios, afastando-se antigos ideários de assimilação e sua superioridade ou dominação frente aos povos indígenas.
Procurado pelo Coletivo Bereia, o pastor da IEADPE de Cabrobó Jabson Avelino emitiu a seguinte nota:
“O que tenho a esclarecer é que a estrutura demolida que segundo os indígenas era construção da instituição Assembleia de Deus não procede. O que se trata é de uma construção de um espaço que estava sendo feita (não templo) com recursos dos próprios índios que são evangélicos, já que estavam fazendo o culto embaixo de uma árvore e não tinham nem um local adequado para realizar suas necessidades fisiológicas. Tendo em vista a quantidade razoável de índios que participam dos cultos, tiveram a iniciativa de construir um lugar minimamente adequado para realização dos cultos. É bom deixar claro que o trabalho lá tem um presbítero e três diáconos que são índios, sendo assim, dirigidos pelos próprios índios.
Nota do Pr. Jabson Avelino
Desejo também externar o meu sentimento de apreço e consideração pelo povo indígena. Nunca tive intenção de denegrir e nem propagar intolerância religiosa, o que se tratou foi uma fala mal colocada por mim em uma live o qual repassei o que me falaram, reconheço a minha infelicidade e aproveito o momento para me retratar e pedir desculpas com os amigos indígenas ao qual sempre respeitei, até porque minha esposa é descendente direta de índios. Quem me conhece sabe que não houve dolo na minha fala. Deixo claro o nosso sentimento de cordialidade, aprendemos com o nosso Mestre Jesus Cristo a amar uns aos outros.”
Direitos ameaçados
Ao site Marco Zero Conteúdo, o Cacique Bertinho afirmou que notificou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e que pretende pedir a abertura de investigação no Ministério Público Federal sobre o caso. A Funai tem um Programa de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas que inclui a vigilância e a proteção de terras desses povos, que formam mais de 200 grupos étnicos em todo o Brasil.
Estudos diversos têm mostrado como a cada dia, surgem casas, igrejas evangélicas, bares, restaurantes, oficinas e ganha força o mercado ilegal de lotes dentro das terras indígenas, o que não tem sido devidamente fiscalizado e punido pelos órgãos governamentais responsáveis..
Histórico do povo indígena Truká
Os Truká vivem na Ilha da Assunção desde o século 18I e a fundação data de aproximadamente 1722, segundo o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (Nepe) da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE). Desde então, o povo indígena travou disputas pela terra com autoridades de Cabrobó. Os Truká passaram a reivindicar a terra em 1940 , por meio do Serviço de Proteção do Índio (SPI) e conseguiram uma Ação de Nulidade de Venda e Reintegração de Posse. Mesmo assim, o Estado de Pernambuco voltou a comprar parte da ilha de Assunção para estabelecer um núcleo de Colonização.
O povo Truká voltou a reivindicar o direito à terra por meio da Fundação do Índio (Funai). De acordo com a base de dados Terras Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA), o território dos Truká foi declarado em portaria de 2002. Desde então,faltam o processo de demarcação física pela Funai, a homologação pela Presidência da República e o registro na Secretaria de Patrimônio da União (SPU). No site da Funai, há três registros referentes à terra Truká. Todas estão na modalidade “tradicionalmente ocupada”. O registro “Truká-Reestudo” é o mesmo encontrado na plataforma Terras Indígenas no Brasil do ISA.
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Bereia conclui que as postagens da página Assembleianos de Valor são enganosas. Embora a destruição da construção tenha de fato ocorrido, não se trata de “a mais pura intolerância religiosa”, como o grupo classificou e quer levar seus leitores a crerem. A ação foi uma forma de repúdio dos indígenas contra uma declaração intolerante do pastor Jabson Avelino, que se sucedeu à construção de uma obra ilegal em seu território, sem autorização da liderança Truká, informações que foram omitidas pela página religiosa e pela declaração do pastor ao Coletivo Bereia.
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Referências
IEADPE Cabrobó, https://youtu.be/aPrmtUw1XSg?t=3953. Acesso em 29 de abril de 2021
Mídia 1508 – YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=ENoNeEjvpps. Acesso em 28 de abril.
Nota de esclarecimento do Cacique Betinho https://www.didigalvao.com.br/cacique-bertinho-em-nome-da-comunidade-truka-emite-nota-de-esclarecimento-sobre-os-fatos-ocorridos-em-24-04-21/. Acesso em 28 de abril de 2021.
Marco Zero Conteúdo, https://marcozero.org/demolicao-de-obra-de-templo-em-aldeia-truka-expoe-ofensiva-evangelica-nos-territorios-indigenas/. Acesso em 29 de abril de 2021.
Funai, http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cgmt/pdf/Vigilancia_e_Protecao_de_TIs.pdf. Acesso em 29 de abril de 2021.
Folha de São Paulo, https://temas.folha.uol.com.br/amazonia-sob-bolsonaro/renascer-para-quem/desmate-invasoes-e-garimpo-se-alastram-por-terras-indigenas-perto-do-rio-xingu.shtml?origin=folha. Acesso em 29 de abril de 2021.
Instituto Socioambiental, https://www.socioambiental.org/pt-br. Acesso em: 28 de abril de 2021.
Terras Indígenas, https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3777. Acesso em: 28 de abril de 2021.
Funai, http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em: 28 de abril de 2021.