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Reportagem: Tânia Martins e Luan M. Santana / Edição e revisão: Sarah F. Santos
Conhecida nacionalmente por assumir processos de recuperação judicial de empresas ligadas à Lava Jato, a Alvarez§Marsal é a empresa contratada pelo governador Rafael Fontelles (PT) para realizar estudos sobre a privatização da Empresa de Água e Esgoto do Piauí – AGESPISA, além de formatação de parcerias e transações para o setor mineral e hidrogênio verde. O primeiro contrato aconteceu em junho de 2023, por um montante de 4 milhões e 800 mil reais.
Famosa por lucrar em meio a tragédias políticas e naturais, a empresa ganhou notoriedade há cerca de 20 anos atrás nos Estados Unidos (EUA), quando atuou fortemente no desmantelamento dos serviços públicos e impulsionamento de privatizações. Além disso, é a mesma empresa contratada por Sebastião Melo (MDB), prefeito de Porto Alegre, para atuar na recuperação da capital do Rio Grande do Sul, após as fortes chuvas que alagaram mais de 80% dos municípios do Estado.
No Piauí, após o primeiro contrato em junho do ano passado, em outubro, um outro contrato foi firmado com a mesma empresa. O objetivo era semelhante, mas desta vez o montante foi de R$2.250.000,00 (dois milhões, duzentos e cinquenta mil reais). O documento do contrato explica que se trata de “contratação de consultoria especializada no Brasil e mundialmente na gestão de performance e transformação corporativa, para atuar em favor da Águas e Esgotos do Piauí S/A – Agespisa, para realizar suporte na modelagem econômico-financeira”.
Já em 2024, as negociações com a Alvarez§Marsal foram ainda maiores. A primeiro foi em março, quando a empresa foi contratada para realização de consultoria técnica especializada para a formação de parcerias voltados para o hidrogênio verde, indústria conserveira e indústria frigorífica, com um valor no total de de R$ 6.525.000,00 (seis milhões, quinhentos e vinte e cinco mil reais).
Em maio deste ano houve uma nova contratação da empresa. Agora, a Alvarez§Marsal, prestará consultoria técnica especializada para a formação de parcerias e condução de efetiva transação, voltados para o setor mineral. Neste caso, o contrato foi de 2 milhões de reais.
Nos quatro contratos firmados, citados aqui nesta reportagem, foi alegado inexigibilidade de licitação, ou seja, uma situação em que a licitação não é viável. Ao todo, a empresa já levou R$ 15.575.000,00 (quinze milhões, quinhentos e setenta e cinco mil reais) dos cofres públicos do Piauí. Um dinheiro que, longe de representar melhorias concretas na vida do povo, servirá para impulsionar a entrada da iniciativa privada e a venda de empresas públicas (caso da AGESPISA) e dos recursos naturais (caso dos minérios e hidrogênio verde).
A inexigibilidade é questionada em alguns casos
Para contratar a empresa Alvarez§Marsal sem abertura de licitação, o Palácio de Karnak alegou inexigibilidade, ou seja, quando é inviável a competição. A Lei 14.133 de 2021, estabelece alguns casos onde a inexigibilidade é possível, entre eles, para contratação de assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; e para estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos.
É nesses casos que o governo justifica a contratação da Alvarez§Marsal, sem licitação. O argumento, entretanto, tem sido questionado, conforme denúncia anônima recebida pelo Ocorre Diário. No caso das contratações para a privatização da AGESPISA, a alegação de ausência de competição parece não se sustentar. Isso porque, ainda em 2021, uma proposta apresentada pela FUNDACE (Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia) ofereceu o mesmo serviço à AGESPISA, pelo valor de 900 mil reais.
A FUNDACE relata que tem capacidade de realizar serviços técnicos para elaboração de estudos econômicos/institucionais necessários para adequar a atuação da companhia de água e esgotos do Piauí ao novo contexto criado a partir da edição da Lei 14.026/2020. Ou seja, a empresa afirma que teria como realizar o mesmo serviço, por um preço muito menor.
PROPOSTA-FUNDACE-PARA-AGESPISA-REGIONALIZACAO-E-MODELO-DE-PRESTACAO-DIRETABaixar
Buscamos informações com o professor de economia e Doutor em Políticas Públicas, Osmar Alencar, para entendermos melhor sobre processos licitatórios. O estudioso nos explica que a inexigibilidade é uma das formas de contratação em processos licitatórios. E, sim, é uma forma legal. A nova lei de licitações permite que o serviço público contrate por inexigibilidade, porém ela estabelece critérios.
O professor, porém, faz um alerta. “Essa questão de contratação de consultoria para determinado serviço por inexigibilidade é complicado, porque é difícil você dizer que só existe, no Brasil e no mundo, uma empresa que faça aquele serviço. Geralmente é muito duvidoso”, afirma Osmar Alencar.
Alvarez§Marsal: um histórico nada animador
Uma reportagem investigativa do Jornal GGN, veículo de jornalismo independente brasileiro, revelou “como a Alvarez§Marsal, que vai reconstruir Porto Alegre, capitaliza com desordem a tragédias naturais”. Assinada pela jornalista Cintia Alves, a reportagem mostra como a empresa abriu caminho para a iniciativa privada ao sugerir a privatização do ensino público em Saint Louis, no Missouri; e demitir 7 mil funcionários da educação pública imediatamente após o furacão Katrina, em New Orleans, no estado de Louisiana, em 2005.
De acordo com a reportagem do Jornal GGN, a Alvarez§Marsal comete crimes sociais e de ordem fiscal por onde passa ao redor do mundo. Mas, para o governador do Piauí, ela é “especializada no Brasil e no mundo na gestão de performance e transformação corporativa para atuar em favor da água”, justifica o contrato, firmado ano passado.
Foi preciso acontecer a enchente no Rio Grande do Sul, para que se conhecesse a verdadeira performance da Alvarez§Marsal, que veio à tona com a reportagem do GGN, depois de assinado contrato com a prefeitura da capital gaúcha, revelando os crimes praticados por onde atua, no mundo todo.
Segundo revelou Cintia Alves, a Alvarez§Marsal prioriza o interesse comercial em detrimento dos investimentos sociais, marginaliza comunidades, não prega a transparência de prestação de conta, não dialoga com a sociedade, bem como não conseguiu reconstruir as cidades que foram penalizadas por eventos climáticos nos Estados Unidos, Europa e outros continentes.
Contratos bilionários e ineficácia
Como já mencionado a ação da empresa gerou privatização do ensino público em Saint Luis, Missouri, e gerou demissão de 7 mil funcionários da educação pública após o Furação Katrina. Seu desempenho em New Orleans foi tão desastroso, embora tenha ganhado milhões de dólares, que sua performance foi narrada no livro “Capitalizando os desastres: tomar e destruir escolas públicas”, de Kenneth J. Saltman.
Já no Brasil ela se tornou queridinha da aristocracia política por ter assumido o processo judicial de várias empresas que foram destruídas pela Operação Lava Jato, entre seus consultores, está o ex-juiz Sérgio Moro.
Privatização da água no Piauí
Considerando que os poderes judiciário e legislativo no Piauí estão alinhados com as políticas governamentais de Fonteles, está difícil ir para o embate. O Sindicato dos Urbanitários do Piauí (SINTEPI), o Sindicato dos Engenheiros do Piauí (Senge) e a Federação Nacional do Nordeste dos Urbanitários (FNU), entraram com uma ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça para tentar suspender o leilão da venda da Agespisa, agendado para Agosto próximo.
As organizações sindicais, no entanto, perderam por unanimidade no pleno do Tribunal sob alegação que os fórum de representatividades sindicais não têm legitimidade. “ Decidiram julgar assim para evitar de julgarem o mérito”, comentou o presidente do Sindicato dos Engenheiros, Florentino Filho. O engenheiro assegurou que vai em busca de outros caminhos no escopo da justiça para continuar lutando para evitar a privatização.
Acuados, os trabalhadores do setor temem o enfrentamento e o desgaste porque sabem que o governador está usando o poder da caneta para vender a Agespisa por 1 bilhão de reais. Eles garantem que a privatização é um ataque à segurança hídrica dos piauienses e alertam que a conta de água vai encarecer em 30%, além de oferecer serviços desqualificados, iguais ao visto pela empresa Águas de Teresina, incapaz de atender a demanda da população.
As reclamações da população em geral no que diz respeito aos resultados das privatizações são constantes.“Tem quinze dias que um vazamento gigantesco derrama água sem parar no registro da minha casa, só me resta agora apelar para Deus porque ligo diariamente para a empresa providenciar o conserto e nada acontece”, relatou Amanda Paola Pereira indignada, acrescentando, “isso que dá privatizar bens públicos”.
Amanda mora no Conjunto Velho Monge, no bairro Saci. Na mesma rua, segundo ela, tem outro vazamento no meio da rua e outro na rua em frente. “Esses dois já fazem mais de dois meses, embora a população tenha ligado”, afirma.
O depoimento da Amanda mostra como as privatizações são danosas para as populações, principalmente as mais carentes. A situação se agrava quando se trata das zonas rurais, onde o atendimento aos direitos se tornam mais escassos.. Nos Estados brasileiros onde a água já foi privatizada, as deficiências nos atendimentos, qualidade da água distribuída e aumento das tarifas são queixas frequentes. Esta situação pode ser encontrada nos estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Amapá e Alagoas onde optaram pela privatização, embora o acesso à água e ao saneamento básico sejam direitos constitucionais e não mercadoria.