GOOGLE x PL das fake NEWS

Por Ana Regina Rêgo.

Artigo também disponível em Portal Acesse Piauí e Jornal O Dia.

O Google é para o capitalismo de vigilância o que a Ford Motor Company e a General Motors foram para o capitalismo gerencial com base na produção em massa. […] Na nossa era, o Google tornou-se o pioneiro, descobridor, desenvolvedor, experimentador, principal praticante, exemplo e centro de difusão do capitalismo de vigilância.

Shoshana Zuboff

O que é o capitalismo de vigilância? Qual o seu principal capital? O que isso tem a ver com o fenômeno da desinformação? E porque as plataformas são contra o Projeto de Lei 2630/20 conhecido como PL da fake News?

Definir o capitalismo de vigilância não é tarefa fácil, nem tampouco simples, contudo, considerando que nosso espaço aqui é reduzido, vamos tentar sintetizar em uma mimese,  concordâncias discordantes acerca do que compõe o neocapitalismo em uma economia de plataformas digitais (big Techs) onde outros braços como economia da atenção, ação e controle são estrategicamente situadas em uma arquitetura corporativa de um capitalismo de extração/mineração de dados humanos, coletados diuturnamente pelas grandes plataformas digitais e vendidos em real time, sendo que o excedente compõe o capital de predição que é o verdadeiro negócio dessas grandes corporações que hoje, nos manipulam.

A mineração de dados acontece a partir de um imperativo, que contrariamente ao imperativo categórico kantiano, não é motivado pela razão, mas pela manipulação das emoções e inserção de necessidades tais como visibilidade, desejo de aceitação, popularidade, dentre outras. Acontece, portanto, uma imposição irreal para uma vida virtual ou bios digital como requer Muniz Sodré, onde a atenção, nossa atenção roubada é vendida, promovendo o encontro com os diversos tipos de produtos e serviços disponíveis no ambiente online. É a partir da atração para a atenção que nós nos movemos na rede e passamos a presas da ação das plataformas que nos impelem a agir, nos engajando, curtindo, comentando e compartilhando o que nos é interessante ou com o que concordamos. É aí que reside o capital de predição mais lucrativo e que move as gigantes de tecnologia atualmente.

Para a Professora da Harvard Business School, Shoshana Zuboff, “o capitalismo de vigilância reivindica de maneira unilateral a experiência humana como matéria-prima gratuita para a tradução em dados comportamentais. Embora alguns desses dados sejam aplicados para aprimoramento de produtos e serviços, o restante é declarado como superávit comportamental do proprietário, alimentando avançados processos de fabricação conhecidos como “inteligência de máquina” e manufaturando em produtos de predição que antecipam o que um determinado indivíduo faria agora, daqui a pouco e mais tarde. Por fim, esses produtos de predições são comercializados num tipo de mercado para predições comportamentais que chamo de mercados de comportamentos futuros. Os capitalistas de vigilância têm acumulado uma riqueza enorme a partir dessas operações comerciais, uma vez que muitas companhias estão ávidas para apostar no nosso comportamento futuro”.

Vale pensar que o desenvolvimento de estratégias que levam milhões e milhões de pessoas a se conectar diuturnamente e manter atenção plena aos conteúdos veiculados nas redes; levou e tem possibilitado o desenvolvimento de modelos de negócios que permitem por exemplo, que conteúdos de cunho emocional e sem vinculação com a factualidade tenham mais visibilidade nas redes, de modo a formar bolhas humanas, onde o diálogo não se estabelece pois todos pensam de modo similar e não aceitam o pensamento antagônico. Essas estratégias operacionalizadas por algoritmos são permissivas com a desinformação em suas mais diversas formas e composições, possibilitando que a desinformação tenha maior visibilidade e ganhe maior relevância social no ambiente digital do que informações vinculadas a acontecimentos. Pesquisas nesse sentido, já foram abordadas por mim neste espaço jornalístico e podem ser conferidas em artigos anteriores da nossa coluna, ou em Institutos como o MIT-Instituto de Tecnologia de Massachussetts que em 2018 publicou os resultados de um estudo que indicava que a diferença entre a potência da desinformação para viralizar era 70% maior do que uma informação.

Logo o ambiente das plataformas digitais, em que pese as campanhas da sociedade civil de cancelamentos de canais e perfis desinformativos, as pressões das diversas instituições para que as plataformas se tornem mais transparentes e coíbam a desinformação em seus espaços, assim como, as ações governamentais frente às plataformas, não tem sido nem de longe eficazes para combater o fenômeno da desinformação que no limite tem provocado mortes, ou por violências praticadas por pessoas incitadas pelo comum discurso de ódio, ou por desinformação sobre a pandemia levando pessoas a se expor ao vírus, dentre outros casos.

O Projeto de Lei 2630 conhecido como PL das fake News não se dedica somente a tratar o tema da desinformação, visto que potencialização deste em países como o Brasil é uma consequência das estratégias das plataformas tanto para criar ambientes, agrupar pensamentos, manter a atenção constante e ininterrupta dos usuários e minerar dados que vem a compor seu capital de predição comportamental futuro.

Nas últimas semanas as representações das plataformas Google e Meta ( Facebook e Instagram) no Brasil tem se colocado contrárias ao conteúdo do PL. Facebook publicou anúncio publicitário pago em jornais brasileiros em que se lia: O PL das Fake News deveria combater as fake news e não a lanchonete do seu bairro. Já o Google optou por usar seu principal canal, o motor de buscas, para inserir um anúncio Saiba como  um projeto pode impactar sua internet contendo um link para a carta do CEO da Companhia no Brasil, Fábio Coelho, (disponível no blog do Google Brasil https://blog.google/intl/pt-br/novidades/iniciativas/PL2630/), na qual o executivo afirma que  as propostas do Projeto de Lei seriam prejudiciais aos pequenos negócios e tornariam a internet menos seguro. Notadamente, uma visão parcial do Projeto de Lei que vem sendo debatido no Congresso há quase 2 anos e que ainda possui pontos a evoluir, mas que também apresenta grandes avanços, sobretudo, no que concerne ao grande poder das plataformas sobre a vida dos usuários.

Em matéria publicada nesta coluna no final de fevereiro e disponível neste link: https://www.acessepiaui.com.br/ver_coluna2/3688/PL-das-Fake-NEWS:-pontos-positivos-e-o-que-precisa-melhorar falamos sobre o PL, seus pontos positivos e o sobre o que ainda precisamos batalhar. Dentre os pontos positivos citamos: mecanismos de transparência, investigação e enfrentamento a ilícitos praticados nas plataformas, moderação de conteúdo, e aqui estão exatamente alguns dos pontos contestados pelas plataformas. Por outro lado, as plataformas focam seu discurso em alguns pontos que ainda não estão bem resolvidos no PL como a remuneração do conteúdo jornalístico e questões que ameaçam a privacidade do usuário. Reforçamos que há muito que melhorar, mas não podemos condenar todo o  Projeto de Lei como querem as Plataformas.

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