Gestantes têm 5,4 vezes mais risco de desenvolver dengue grave

Publicado originalmente em Ciência UFPR por Aline Fernandes França. Para acessar, clique aqui.

Estudo com dados do Paraná aponta para necessidades de saúde pública para proteger grávidas, que ficam mais vulneráveis à doença devido a mudanças anatômicas e fisiológicas durante a gravidez

Ouso de repelentes diariamente, inclusive por baixo da roupa, não impediu que a professora do ensino básico de Catanduva (SP), Bruna Vertoni, recebesse o diagnóstico de dengue duas vezes em um intervalo de cinco anos. Ela já havia tido a doença no período em que amamentava a primeira filha, mas descobriu que o risco da infecção era ainda maior durante a gestação.

Na época, os exames apontaram que a contagem de plaquetas no sangue era inferior a 50 mil, resultado considerado baixo. O caso inspirava mais cuidados já que ela tomava anticoagulantes, o que poderia desencadear uma complicação da doença.

“Depois da primeira filha, tive três abortos e, por ter trombofilia, não poderia ficar sem a medicação na gravidez”, conta. “Fiquei muito preocupada, tive todos os sintomas da dengue, mal estar, febre, manchinhas pelo corpo. Fizemos acompanhamento e felizmente a doença foi controlada”, relata a professora.

A história de Bruna chama atenção para o risco que a doença representa para mulheres grávidas, tema de uma pesquisa que avaliou dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, coletados entre 2016 e 2019. Os estudos investigaram como a dengue se correlacionou com a gravidez em casos de mulheres infectadas pela doença no Paraná.

O universo da pesquisa foram 27.695 casos de dengue confirmados em mulheres que tinham informações completas sobre sua condição quanto à gravidez (74,1% dos casos confirmados em mulheres com idade reprodutiva, de 10 a 49 anos). Dessas, 949 estavam grávidas.

O risco de hospitalizações e de desenvolver dengue grave se mostrou maior em grávidas do que em não-grávidas (respectivamente, 2,93 e 5,4 vezes). Das não-grávidas, 6,8% foram hospitalizadas, 1,8% teve dengue com sinais de alarme, de gravidade intermediária, e, 0,1%, dengue grave. Assim como a diabetes, a gravidez aumenta o risco de hospitalização por dengue em qualquer idade.

O estudo sugere que as mudanças anatômicas e fisiológicas da gravidez influenciam no desenvolvimento da dengue de uma forma que ainda não está clara. A gravidez causa diversas alterações cardiovasculares e dificulta o diagnóstico correto da dengue, assim como a avaliação da sua gravidade.

Entender a evolução da doença em gestantes melhora o tratamento

Ao identificar a gestação como fator de risco para desfechos clínicos desfavoráveis, o estudo contribui para entender a evolução da dengue durante o período de gestação e a importância de identificar sinais precoces de sangramento, além de facilitar a internação, o acompanhamento e o tratamento adequado da gestante.

O artigo intitulado “Clinical outcomes of dengue virus infection in pregnant and non-pregnant women of reproductive age: a retrospective cohort study from 2016 to 2019 in Paraná, Brazil” está publicado no periódico BMC Infectious Diseases. A pesquisa foi conduzida pela médica infectologista Beatris Martin durante o mestrado em Saúde Pública na Universidade Federal do Paraná, sob orientação da professora Silvia Shimakura, do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva.

Classificação da doença – desde 2009, a Organização Mundial da Saúde define a doença dengue em três apresentações com diferentes gravidade, nos dois extremos de gravidades temos dengue e dengue grave (que corresponde a febre hemorrágica dengue e a síndrome do choque dengue). Entre os dois polos, há a dengue com sinais de alarme – uma categoria criada para identificar sinais e sintomas presentes em quadros leves mas com maior potencial de evoluir para forma grave. No Brasil, a classificação foi adotada em 2014.

A infectologista revela que desde a residência tinha interesse em compreender como a gestação pode alterar a evolução de doenças infecciosas, em como o desenvolvimento do bebê é afetado e também pelo tema transmissão vertical, que é quando o bebê também é acometido pela infecção materna.

“Apesar de existirem muitas evidências do agravamento da evolução da dengue em gestantes, faltam estudos de metodologia mais robusta e ainda não há consenso sobre o tema. Toda pesquisa contribui para aumentar evidências, além de ser interessante analisar dados locais e regionais, considerando a formulação de políticas públicas”, afirma.

Beatris explica que o banco de dados utilizado para o estudo foi o mais recente disponível, pois como o Paraná encerra seu ano epidemiológico em julho do ano seguinte e a análise dos dados foi realizada em 2020 e começo de 2021, ela teve acesso ao banco completo de 2019.

Entre as principais limitações ela aponta o preenchimento desigual dos formulários.

“Em anos epidêmicos os dados faltantes são mais comuns. Temos maior frequência de informação ignorada e menor porcentagem de pacientes que têm casos encerrados por critérios laboratoriais em relação ao critério clínico-epidemiológico. Com isso, mais pessoas são notificadas por apresentarem um quadro clínico sugestivo de dengue durante a epidemia”.

Aprimorar medidas de prevenção é o caminho para combater a doença

De acordo com a co-orientadora da pesquisa, a médica e docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFPR, Denise Siqueira de Carvalho, a dengue na gravidez pode ocorrer tanto de forma leve ou grave. Porém, as condições da gestação e, em especial as imunológicas da gestante, são responsáveis por gerar um risco maior de complicação da gravidez, como acontece em outras doenças infecciosas.

Para prevenir de forma mais efetiva, o ideal seria que mulheres em idade fértil também fossem orientadas por profissionais de saúde sobre a necessidade de prevenção da doença.

“Faltam estudos para avaliar quais características tanto da condição da gestante (nutricional, comorbidades e socio-econômicas) quanto das características dos tipos virais teriam influência na maior gravidade da doença nesse grupo. Medidas preventivas devem alertar a população como um todo e principalmente as mulheres em idade reprodutiva que desejam engravidar”, avalia a docente da UFPR.

O uso de repelentes é considerado eficaz, desde que haja indicação de produtos adequados para gestantes, observando-se também o intervalo e local das aplicações. Outra estratégia apontada é o uso de telas para evitar a entrada do mosquito no ambiente domiciliar.

Ao picar uma pessoa infectada a fêmea do mosquito Aedes Aegypti torna-se portadora do vírus causador da dengue, do gênero Flavivírus, e passa a transmitir a doença a cada nova picada. Foto: Commons

A infectologista Beatris ainda reforça que o mosquito transmissor, Aedes aegypti, é extremamente adaptado a ambientes urbanos, podendo se reproduzir em locais que acumulam água. “Os ovos do mosquito podem sobreviver meses em locais secos, mantendo-se viáveis quando em contato com água novamente. A medida mais importante é cuidar que não existam locais com água parada”.

Características da vacina contra a dengue dificulta seu uso

Não indicada para gestantes, a vacina pode ser administrada apenas em pessoas que já tiveram a doença anteriormente, fator que limita a vacinação em larga escala. A única vacina aprovada pela Anvisa é a Dengvaxia®(Sanofi Pasteur), quadrivalente que protege contra os quatro sorotipos, que foi adotada como parte da campanha contra a dengue no Paraná entre 2015 e 2016.

“Como toda vacina de vírus vivo-atenuado, essa vacina é contra-indicada para gestantes. Não existem estudos específicos avaliando se mulheres que receberam essa vacina no passado vão apresentar diferença na evolução da dengue quando grávidas. Até o momento, o que se pode afirmar é que, em lugares de elevada incidência da doença e em mulheres que comprovadamente já tiveram dengue (com testes laboratoriais), a vacina fora do período gestacional pode trazer proteção contra dengue”, esclarece a médica Beatris.

A saúde pública ainda não incluiu o imunizante no calendário oficial de vacinação. As orientadoras Sílvia e Denise afirmam que a vacinação exigiria a realização de exame prévio para a comprovação de infecção prévia, onerando o custo da vacina. “É necessário avaliar melhor o uso das vacinas em contextos específicos, como fases de maior prevalência da doença e de pós-epidemia”, concluem.

Paraná apresentou 100 mil casos de dengue desde agosto de 2022

O atual ano epidemiológico da dengue, com início em agosto de 2022 e término em julho de 2023, já teve mais de 316 mil notificações, 100.686 casos confirmados e 78 mortes registradas. Os dados são do último boletim da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), divulgado no dia 20 de junho.

Em abril de 2022, a Sesa declarou situação de epidemia de dengue no estado devido ao aumento do número de casos. O último ano epidemiológico da dengue no Paraná (2021/2022), encerrado em julho de 2022, registrou 88 mortes provocadas pela doença e mais de 132 mil casos.

O Paraná enfrentou uma das piores epidemias de dengue entre os anos de 2019 e 2020. Durante o período foram registrados 227.724 casos confirmados da doença, com 177 mortes.

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