Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
Highlights
- No primeiro ano da pandemia, mulheres negras chegavam ao hospital com doença em estágio mais avançado e menor saturação
- Quase um terço das mulheres com Covid-19 tiveram parto prematuro
- As grávidas negras tiveram duas vezes mais risco de precisar de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por complicações da doença
Um levantamento mostrou que mulheres grávidas negras tiveram risco três vezes maior de morte materna do que mulheres brancas ao serem diagnosticadas com Covid-19. Além disso, as gestantes negras na amostra tiveram também duas vezes mais risco de necessidade de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por complicações da doença. Os dados são de estudo multicêntrico, reunindo pesquisadores da Rede Brasileira em estudos do Covid-19 em Obstetrícia (REBRACO), publicado em 20 de junho na “Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia”.
Os pesquisadores reuniram dados de mulheres gestantes que procuraram ajuda médica entre fevereiro de 2020 e fevereiro de 2021 em 15 maternidades de todas as regiões do Brasil. Entre as 729 que participaram da pesquisa, 285 testaram positivo para a Covid-19, sendo 120 negras (pretas e pardas) e 165 brancas. A classificação por cor da pele foi autodeclaratória, seguindo o padrão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). À época do estudo ainda não havia vacina para a doença, por isso, a equipe não pôde avaliar os efeitos do imunizante sobre as mulheres da amostra.
Para os cientistas, os números encontrados escancaram as consequências do racismo estrutural no Brasil. Os dados revelam que as mulheres negras chegavam às unidades de saúde com a doença em estágio muito mais avançado do que as mulheres brancas, apresentando níveis menores de saturação de oxigênio. “Essa é uma informação muito importante e que traz uma reflexão: por que essas mulheres demoram mais para ir ao hospital e chegam em condições piores? Será que elas são tratadas da mesma forma que as mulheres brancas?”, questiona Fernanda Surita, autora do artigo e professora titular de Obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp). “O racismo existe em todas as áreas da saúde e existem trabalhos em outras áreas que mostram isso também, mas a Covid-19 foi uma lupa para mostrar esse problema”, aponta a pesquisadora.
O estudo também revelou efeitos da pandemia sobre as gestantes em geral. Cerca de um terço delas tiveram parto prematuro – sendo que 10% já é considerada uma taxa alta, de acordo com os pesquisadores. Além disso, a taxa de cesáreas chegou a 60% – o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de até 15%. A taxa de mortalidade materna como um todo também foi elevada entre grávidas com Covid-19. “Essas taxas pioraram porque, quando estourou a pandemia, nosso sistema estava muito despreparado”, avalia José Paulo de Siqueira Guida, professor assistente do departamento de ginecologia da FCM/Unicamp e também autor do artigo. Para ele, neste contexto, as mulheres negras ficaram em uma situação ainda mais vulnerável durante a emergência sanitária. “Elas têm pior acesso ao pré-natal, pior acesso à assistência geral em saúde”, comenta.
Esta publicação é parte da dissertação de mestrado da pesquisadora Amanda Dantas-Silva, aluna de Surita, e serviu de base para um editorial da Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia sobre racismo durante a pandemia. A equipe está preparando um novo artigo com dados sobre mulheres pretas. Neste recém-publicado, a amostra de mulheres pretas era muito pequena e, por isso, foi somada à de pardas – e espera que este tipo de pesquisa possa inspirar políticas públicas para promoção de equidade nos espaços de atendimento à saúde. “As cotas étnico-raciais são muito importantes para trazer representatividade, porque se uma pessoa não se sente representada em um lugar, ela não se sente confortável para ser atendida”, reflete Surita.