Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
Por Leonardo Capeleto de Andrade
Notas sensoriais de castanhas e frutas silvestres podem ser percebidas em algum bom vinho – e surgem de processos e da natureza do solo da região em que a uva foi plantada. Já ao beber um copo de água, esperamos sempre degustar uma água “insípida, incolor e inodora”, de “sabor nenhum” – tal qual nos ensinaram na escola.
Naturalmente as águas não tendem a ser assim. Para o consumo da população, elas devem passar por sistemas de tratamento que removam componentes orgânicos e inorgânicos. Além de fornecer uma água segura, o tratamento visa também uma água agradável ao consumo.
Remover turbidez e bactérias é uma tarefa importante, mas relativamente simples para as Estações de Tratamento de Água. Mas, há compostos de complexa remoção que podem ser sentidos pela população mesmo em concentrações de nanogramas por litro (ng/L). Um deles é a geosmina.
Embora já conhecida desde os anos 1960, a geosmina se tornou cada vez mais popular nos jornais há alguns anos, principalmente em grandes cidades do Sul-Sudeste do Brasil. E além da geosmina, há outros compostos que também podem ocorrer nas águas, como o 2-metilisoborneol (MIB).
Ainda que não apresentem problemas de toxicidade, estes compostos são um incômodo para os consumidores: geralmente a geosmina é percebida e relatada como um cheiro de “mofo” e o MIB como um cheiro de “terra” na água. Estes metabólitos de microrganismos nem sempre nos incomodam, vide o cheiro nostálgico de terra molhada quando chove. Já na água de beber, este mesmo cheiro não nos é agradável.
A presença de sabores e odores estranhos vem sendo percebida e relatada pela população de Porto Alegre (RS) há anos. Apesar da geosmina e o MIB não serem comumente anunciadas nos jornais como as responsáveis, em todos estes casos as reclamações são as mesmas: gosto e cheiro ruins na água, como o de mofo ou terra.
A proliferação de cianobactérias e outros organismos responsáveis por estas alterações nos corpos hídricos que abastecem as cidades é provocada principalmente pelo excesso de nutrientes, calor e águas mais paradas. Ou seja, a realidade dos verões em muitas cidades com déficit de saneamento. Os esgotos aumentam os macronutrientes, como o nitrogênio e o fósforo, gerando a proliferação de cianobactérias, algas e macrófitas. No caso de Porto Alegre, o desafio dos esgotos é ainda maior pela confluência de diversos rios que percorrem a região metropolitana e se encontram na orla da capital.
Enquanto a remoção de partículas sólidas de águas é simples e comum no tratamento convencional, a remoção de cor e odor é complexa e, muitas vezes, custosa para as Estações de Tratamento de Água. Estas exigem processos de oxidação avançada (como o uso de ozônio), carvão ativado ou outras tecnologias que, em geral, não estão disponíveis na maior parte das cidades brasileiras.
A geosmina é um indicador de um problema muito maior: a falta de saneamento urbano. Com o tratamento de águas e esgotos se desenvolvendo mais lentamente que o crescimento das cidades, a população tende a se deparar cada vez mais com estes problemas em suas casas. O tratamento domiciliar das águas, como o uso de filtros residenciais, pode solucionar parcialmente este incômodo. O ideal, no entanto, seria evitar que o problema sequer entre neste sistema.
Sobre o autor
Leonardo Capeleto de Andrade é engenheiro Ambiental, doutor em Ciência do Solo e pesquisador no Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá