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Foto de Capa*: Arquivo PRF – Operação Yanomami
O garimpo em Roraima é considerado ilegal, e a sua prática configura o crime previsto no artigo 2º da lei 8.176/1991, de usurpação de matéria-prima pertencente à União, com previsão de pena de detenção de 1 a 5 anos e multa. Apesar disto, e de o estado não ter nenhuma mina operando de forma legal, conforme dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), o ouro se tornou em 2019 o segundo maior produto de exportação de Roraima.
Em 2021 os principais políticos de Roraima se articularam em defesa da liberação da atividade ilícita. O governador Antônio Denarium editou, com a anuência de 15 deputados estaduais, a lei nº 1.453/2021, que invadiu competência legislativa da União e liberou, mesmo sem estudo prévio, o garimpo de todos os tipos de minério no estado, permitindo o uso de mercúrio, metal altamente tóxico, maquinário pesado na exploração da terra, escavadeiras e embarcações. A lei, que não delimitava em quais áreas o garimpo passava a ser liberado, e causou preocupação nas comunidades indígenas da região, foi posteriormente suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em entrevista ao Canal Notícias Agrícolas, o governador Antônio Denarium, chamado por indígenas de mercenário, e acusado de querer saquear as riquezas do subsolo das áreas protegidas, já havia feito apologia à atividade, sugerindo que deve ser feita exploração mineral em terras indígenas em todo o Brasil. O senador Chico Rodrigues, flagrado pela Polícia Federal com dinheiro na cueca, e em cuja residência foi encontrada uma pepita de ouro sem origem declarada, à época líder do governo federal, também defendeu em uma página no Youtube a mineração ilegal em terras indígenas de Roraima: “Nós precisamos logo que o governo e o Congresso Nacional, principalmente, regulamente essa questão de exploração mineral em terras indígenas (…) Porque o trabalho é duro, mas na verdade os resultados são extremamente positivos para todas estas comunidades.
(Foto Reprodução: Caíque Souza)
Os efeitos nocivos do garimpo têm sido motivo de preocupação para profissionais de segurança pública, profissionais de saúde, indígenas, biólogos e até mesmo para garimpeiros. Estes últimos sabem que não existe extração mineral sem danos ambientais, como o governador Antônio Denarium e o senador Chico Rodrigues argumentam. Os prejuízos para as comunidades são múltiplos, como indica o garimpeiro conhecido como Maranhão*: “Prejudica eles, a terra deles. Espanta os peixes deles, as caças, espanta tudo, prejudica eles demais. É proibido por lei e pelo meio ambiente, leva doença para eles, tudo isso!
Profissionais que tratam da saúde mental dos indígenas dentro das comunidades, como a psicóloga Sônia Carneiro*, aponta outros prejuízos da inconveniente presença de garimpeiros dentro das terras indígenas, a exemplo do consumo de drogas estimulado pelos invasores, estupros e violência sexual: “sem falar também da questão do alcoolismo, da bebida alcoólica que levam para dentro da comunidade. Isso gera conflitos, por que, sem fiscalização a facilidade é maior de consumir a bebida e outros ilícitos, isso também gera violência. Muita violência, tanto a física, quanto a psicológica, tanto a sexual.”
(Foto Reprodução – Victor Moriyama)
Outra consequência da presença de garimpeiros em terras indígenas é o crescimento do desmatamento, que triplicou entre 2018 e 2019, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Em 12 meses foram devastados 617 km² de floresta, o maior aumento em 15 anos. Jucilene Matos, indígena afetada pelo garimpo, relatou os problemas decorrentes da prática na região: “quando os brancos invadem as comunidades para extrair o ouro, isso aí gera uma degradação no meio ambiente, suja as águas, destrói o lavrado, destrói as matas, e aí leva a nós, os indígenas, a uma estrutura, que muita das vezes a gente fica sem a água limpa para beber, fica sem o peixe, e nós precisamos da água limpa. Quando vem a mineração ela traz o mercúrio, ela traz a sujeira, degradam as serras, degrada o meio ambiente, e isso tem levado muitos índios a morte”.
O garimpo é uma das atividades que mais causa impacto ambiental no mundo. Um dos maiores problemas, além dos descritos, consiste no uso indiscriminado do mercúrio para a limpeza do ouro. O metal, que chegou a contaminar 92% dos indígenas em aldeias às margens do rio Uraricoera, na região do Amajari em Roraima, é altamente tóxico, como explica o biólogo Diego Simões: “Agora você imagina aí uma comunidade indígena, próximo de um local de garimpo ilegal (…) O mercúrio, por ser um metal pesado, esse tempo pesado não é à toa, ele não é digerido. Então, quando ele entra na cadeia alimentar e chega no nosso organismo, através da ingestão desse peixe contaminado, pode causar câncer, infertilidade, problemas na gravidez, chega até a morte, e muitas outras doenças, porque o mercúrio se instala pelo corpo inteiro, tanto dos animais quanto das pessoas.”
(Foto: Arquivo PRF – Operação Verde Brasil)
O garimpo ilegal constitui-se como crime de usurpação do patrimônio mineral da União a ser combatido pela polícia, como esclarece o Superintendente da PRF em Roraima, Jandir André Lubenow, “As rodovias Federais em Roraima tem servido de rotas do transporte da logística que abastece o garimpo, bem como serve de rota para o transporte desse minério para outras regiões do país. As rodovias federais são as principais rotas existentes aqui no estado. A Polícia Rodoviária Federal tem intensificado sua atuação nas rodovias Federais e tem realizado também diversas ações conjuntas, com outros órgãos, para afetar a logística do garimpo e consequentemente reduzir a sua prática.”
(Foto: Arquivo PRF – Operação Verde Brasil)
A despeito da eventual circulação de riquezas, a prática da mineração em terras indígenas tem consequências nocivas tanto para o meio ambiente quanto para os povos autóctones. Políticos de Roraima têm evitado se apresentar como beneficiários da flexibilização das leis que protegem o ecossistema e a vida comunitária, alegando suposta melhoria da qualidade de vida de garimpeiros e de comunidades indígenas. Índios, profissionais de saúde e de segurança pública, a exemplo dos policiais rodoviários federais, têm um papel fundamental no enfrentamento a este tipo de crime, para garantir a proteção ao meio ambiente e o direito das comunidades indígenas em preservarem seus tradicionais modos de vida.
* Algumas fontes tiveram o nome alterado a pedido, para garantir a sua segurança e integridade física.