Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
Highlights
• Análise da relação entre pena de prisão e mortes durante a pandemia mostra que presídios favorecem adoecimento e fatalidades
• Foram observados 27 casos de pedidos de prisão domiciliar para pessoas de grupos de risco no contexto do primeiro ano da pandemia
• Superlotação e problemas sanitários deixam o local propício para a propagação de doença potencialmente fatal
Estudo de pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade de São Paulo (USP) publicado na quinta (30), na revista “Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário”, apresenta uma reveladora relação entre as mortes carcerárias por doenças e o agravo das condições dos presídios durante a pandemia de Covid-19. A partir da análise de 27 casos de pedido de prisão domiciliar feitos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo para pessoas do grupo de risco, em 2020, os estudiosos perceberam um descompasso entre a justiça criminal e a magnitude da crise sanitária. A conclusão foi que as mortes decorrem das próprias condições de funcionamento das prisões, sendo que este cenário se agravou durante a pandemia.
De acordo com os autores Fábio Mallart, pós-doutorando do Instituto de Medicina Social da UERJ e Paula Pagliari de Braud, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia na Universidade de São Paulo, as prisões produzem mortes de diversas formas e não apenas de pessoas que já possuem doenças anteriores ao encarceramento. No caso da Covid-19, a prisão – superlotada e sem quaisquer condições sanitárias de atender exigências de distanciamento e higiene impostas pela pandemia – se tornou um local propício para a propagação do vírus.
Mesmo diante da crise sanitária, as condições carcerárias permaneciam insalubres, como superlotações em locais sem ventilação, úmidos e com pouca luminosidade, infiltrações, umidade, racionamento de água potável, ausência de medicamentos e de profissionais de saúde e com infestação de insetos e roedores. Isso cria, reforçam os autores, um sistema de morte que se retroalimenta e, pelo contrário de ressocializar os indivíduos, agrava os contextos de vulnerabilidade e violência.
“Há relações de continuidade entre encarceramento e morte. Isso se dá a partir de diferentes tecnologias de produção da morte, seja porque os antecedentes criminais operam como um critério de extermínio para policiais fardados ou encapuzados que atuam nas periferias urbanas, seja porque as condições nefastas das prisões contribuem para a produção e disseminação de distintas doenças, como, por exemplo, tuberculose, beribéri, entre outras”, pontuam os autores.
O artigo demonstra também como, em nome de um suposto enfrentamento da pandemia, no Rio de Janeiro, a suspensão de atendimentos médicos eletivos e do fornecimento de medicamentos para outras enfermidades agravou as mortes decorrentes de outras enfermidades. “Com os pedidos de prisão domiciliar em mãos, pudemos analisar o processamento, as manifestações e as decisões que mantiveram essas pessoas presas, apesar de sua condição de risco de morte por Covid-19”. Além disso, a política de contenção sanitária nos presídios também impactou na produção da pesquisa, dada a dificuldade de acesso aos dados e informações referentes ao sistema penal, característica que foi reforçada em tempos pandêmicos.
“O que não imaginávamos, e esse é um ponto importante do texto, é que a maneira como a crise sanitária foi gerida pelos órgãos penitenciários pode ter sido mais letal do que o próprio vírus. Ademais, compreender a prisão, e a morte que ela produz, passa por entender a forma como o Sistema de Justiça Criminal mantém as pessoas presas”, finalizam os autores.