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Fármacos são identificados em três pontos do Complexo Bolonha
Por Bruno Roberto Foto Acervo da Pesquisa
A dissertação da engenheira sanitarista e ambiental Juliane Ribeiro das Chaves, Ocorrência de fármacos em manancial de abastecimento e em água para consumo humano: Complexo Bolonha, Belém – PA, buscou investigar a presença de fármacos no Reservatório Bolonha e na Estação de Tratamento de Água (ETA) Bolonha, área responsável por abastecer 70% da população da Região Metropolitana de Belém. A pesquisa também analisou se a ocorrência dos fármacos tem correlação com características físico-químicas e biológicas da água.
O estudo, orientado pela professora Luiza Carla Girard Mendes Teixeira e apresentado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC/ITEC) na Universidade Federal do Pará, está inserido no Projeto Avaliação da Presença de Fármacos e Desreguladores Endócrinos em Águas para Consumo Humano e Mananciais de Abastecimento, coordenado pela Universidade Federal de Ouro Preto.
Os fármacos analisados na pesquisa foram classificados como: estimulante, reguladores lipídicos, antidiabéticos e antialérgicos. A cafeína é um estimulante presente em alimentos, bebidas, analgésicos, antigripais, cosméticos e inibidores de apetite. O bezafibrato e o genfibrozila são reguladores lipídicos responsáveis por reduzir o colesterol e os triglicerídeos. O metformina é um antidiabético usado no tratamento do diabetes tipo 2. Representando os antialérgicos, foram estudados o prometazina, usado para tratar náuseas, vômitos e condições alérgicas, e o loratadina, que alivia sintomas associados à alergia.
Após visita ao local, foram selecionados três pontos de coleta: um no Reservatório Bolonha e dois na ETA Bolonha, especificamente na câmara de água filtrada e no reservatório de água tratada. Esses pontos foram escolhidos com o objetivo de avaliar a ocorrência de fármacos na água superficial, na saída dos filtros e no final do tratamento de água. Outro propósito da escolha foi avaliar a correlação dos fármacos com outras variáveis investigadas: alcalinidade total, cloro residual livre, condutividade elétrica, cor aparente, ferro total, oxigênio dissolvido, pH, turbidez, coliformes totais e Escherichia coli.
As coletas foram feitas em dois períodos de 2018: chuvoso (janeiro a março) e seco (setembro a novembro). Com as amostras coletadas, iniciou-se a fase experimental. “Para a extração dos fármacos da água, seguiu-se o método de extração em fase sólida. Posteriormente à extração, as análises de fármacos ocorreram pelo método de cromatografia gasosa ou de cromatografia líquida”, explica Juliane Ribeiro. Por fim, os dados passaram por procedimento de análise estatística.
Captação e tratamento sofrem influência antrópica
Foi detectada a ocorrência de fármacos no Complexo Bolonha. O bezafibrato foi o quantificado em maiores concentrações, mas o de maior frequência de ocorrência foi o loratadina. No caso do estimulante cafeína, houve presença na água filtrada (saída dos filtros). O genfibrozila foi detectado tanto no reservatório quanto na ETA. Estiveram abaixo do limite de quantificação o metformina e o prometazina, provavelmente pela maior propensão de esses fármacos serem hidrolisados, além de suas constantes de dissociação ácida serem de caráter básico e a extração ter ocorrido em pH ácido.
Os resultados mostram que o sistema de captação e tratamento de água do Bolonha vem sofrendo influência antrópica. Esse cenário é consequência da carência de saneamento básico na Região Metropolitana de Belém. A população consome produtos compostos por microcontaminantes emergentes, como os fármacos, e eles acabam no reservatório depois de despejados.
Conforme dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) relativos a 2020, a Região Norte tem a pior cobertura de rede de esgoto no Brasil, com apenas 13,1% da população sendo atendida. Vale destacar que a área do Complexo Bolonha sofre com a ocupação desordenada. “Há grande quantidade de residências próximas aos Reservatórios Bolonha e Água Preta e ao Rio Guamá, mananciais usados para o tratamento de água para abastecimento da RMB, ou seja, esgotos sem tratamento são lançados diretamente nestes espaços”, relata Juliane Ribeiro.
Os impactos dessas substâncias no ser humano e no meio ambiente não são totalmente compreendidos, pois ainda há poucos estudos nessa área. Por consequência, esses contaminantes não possuem legislação regulatória no Brasil. “É preciso, portanto, a constante investigação para que se possa ter uma série histórica de dados. Assim será possível estabelecer parâmetros de controle com relação às concentrações máximas de cada composto para lançamento de esgotos em recursos hídricos”, aposta a engenheira.
Tratamento da água reduz, mas não elimina substâncias
De acordo com os dados coletados, as concentrações dos fármacos reduziram ao longo do processo de tratamento da água, contudo não houve a remoção total. As remoções médias anuais foram de 5% para o genfibrozila, 26% para o loratadina e 52% para o bezafibrato. Conclui-se que o tratamento da ETA Bolonha, assim como a etapa de desinfecção por cloro, não removeu adequadamente esses compostos. Isso vai ao encontro de outros estudos, citados pela dissertação, os quais afirmam que as estações de tratamento de esgoto e de água não foram projetadas para remover diversos grupos de contaminantes emergentes.
Em relação aos períodos chuvoso e seco, é possível afirmar que o índice pluviométrico é um fator determinante para avaliar a qualidade da água. Os resultados das características físicas, químicas e biológicas da água evidenciam que houve diferença significativa dos valores da maioria das variáveis investigadas na água bruta do Reservatório Bolonha, entre os dois períodos. Diferentemente dos níveis de pH, condutividade elétrica, oxigênio dissolvido, cor aparente e turbidez, os níveis de alcalinidade e Escherichia coli não apresentaram diferença significativa.
A dissertação comparou os dados da água filtrada (AF) e da água tratada (AT) com a Portaria de Consolidação Nº 5 do Ministério da Saúde (BRASIL, 2017), atualizada para a Portaria GM/MS n.888 (BRASIL, 2021), que trata, entre outros assuntos, dos procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Em relação às médias anuais de 2018 das variáveis da AT, a maioria estava em conformidade com a referida portaria, não sendo possível a comparação dos micropoluentes, uma vez que não possuem padrão de potabilidade no Brasil.
Beira do Rio edição 162