Publicado originalmente em Observatório da Imprensa por Allysson Martins. Para acessar, clique aqui.
O processo estruturado de desinformação digital tem como alvo os povos indígenas, sobretudo a partir de 2018. O MÍDI – Laboratório de Mídias Digitais e Internet (MíDI) da Universidade Federal de Rondônia observou que 70% das mentiras que circulam na internet beneficiam políticos e figuras públicas vinculadas ao espectro político da extrema direita. Já os políticos e personagens de esquerda se favorecem de 8% da desinformação, propagando significativamente menos fake news.
O primeiro passo da pesquisa, que possui financiamento do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, foi a realização de uma busca dos termos “indígena” e “indígenas” na principal agência digital de checagem no Brasil, a Lupa, criada em 2015. Até 2023, foram encontradas 149 publicações, com 103 se tratando de checagens e 36 avaliações focadas na população indígena.
Embora 92% das checagens com foco nos indígenas sejam identificadas como falsas, 25% compartilham etiquetas como “Verdadeiro, mas…”. Isso demonstra que os criadores e propagadores da desinformação se valem também da estratégia de mesclar mentiras e fatos em uma mesma informação, com intuito de ludibriar a população. Das 36, apenas três avaliações não trazem a etiqueta “Falso” de forma explícita, ainda assim, elas contribuem para a desinformação por omitir informações, descontextualizar com mentira e criar causa e efeito inexistente.
O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro não deu atenção às demandas indígenas, desconsiderando os seus modos de vida e sua importância para a sociedade. Mesmo assim, as checagens aparecem primeiramente a partir da sua primeira campanha, em 2018. O ex-presidente já apresentava mentiras sobre os povos indígenas, como o Yanomami, que vivenciou uma crise humanitária no final do seu governo, com morte em massa por causa da fome e do deslocamento forçado.
Em 2022, grupos favoráveis ao então presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, espalharam mentiras sobre as terras indígenas no Rio Grande do Sul. As fake news focam no aumento da demarcação de territórios e na desapropriação de casas e terras ocupadas em favor dos povos originários, caso o Lula se tornasse presidente. Já em janeiro de 2023, início do terceiro mandato do presidente Lula, o Ministério da Justiça e Segurança Pública precisou desmentir que a população Yanomami não tinha relação com as comunidades indígenas venezuelanas que chegaram ao Brasil como refugiadas.
Os dados revelam que a Lupa começou a realizar mais produções sobre os indígenas desde a iminência da eleição do então candidato à presidência Jair Bolsonaro, com checagens e publicações a partir do que ele e seus apoiadores falavam. Em outras palavras, o silenciamento dos indígenas aconteceu não apenas na ausência de políticas públicas e ações necessárias para sobrevivência desses povos e de suas culturas e modos de vida, mas nos discursos de Bolsonaro e de seus apoiadores.
Mais recentemente, entretanto, existe uma maior atenção e dedicação aos povos originários e às mentiras em torno dos indígenas. Ou seja, mesmo que a fala de políticos e apoiadores de extrema direita tenha trazido o assunto e as mentiras sobre os povos indígenas para os olhos da agência, a sua importância se fortalece com o atual governo, que criou, por exemplo, o Ministério dos Povos Indígenas, a partir de 2023.
A Ideologia, das nove temáticas encontradas nas checagens, é a mais presente (81%) nas mentiras sobre os povos originários, que ocorre quando elas se associam a políticos ou manifestações, movimentos e reivindicações. Para entender melhor essa ideologização contida na desinformação contra os povos originários, fizemo-nos as seguintes perguntas: a que grupo político ela serve? Quem, de fato, seria beneficiado com aquela mentira? Com isso, percebemos que 70% das fake news saíram da fala de algum político de extrema direita, ou realizavam um ataque mentiroso a figuras proeminentes da esquerda, como o presidente Lula e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, ou mesmo ao que denominam de “esquerdistas”.
Já 8% teriam partido de pessoas e grupos da esquerda, ou porque saíram da fala de algum político desse posicionamento ideológico ou porque seriam um ataque falso a figuras da extrema direita, como o ex-presidente Jair Bolsonaro e a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e atual senadora, Damares Alves. Todas as três, inclusive, são mentiras disseminadas somente em 2019, primeiro ano do mandato de Bolsonaro.
É importante contextualizar, evidentemente, que as mentiras sobre os indígenas começam, historicamente, com a chegada dos europeus em nosso continente, perceptível pela forma como os povos originários foram representados em cartas e pinturas, por exemplo. Mas esse processo estruturado de mentira se mantém e adquire novos formatos com as fake news, que são disseminadas principalmente pelas redes sociais digitais.
As fake news são compreendidas, portanto, como um fenômeno contemporâneo de manipulação de informação falsa apresentada como verdadeira, dentro da lógica de espalhamento midiático. Ela acontece sobretudo através das redes sociais, podendo ou não imitar a estrutura e o formato jornalístico, até se passando por possíveis fontes. Esse processo acontece dentro de uma lógica mais ampla da desinformação, em que mentiras são propagadas de forma deliberada (fraude, fake news ou disinformation) ou não intencional (erro, false news ou misinformation), ou ainda com informações verdadeiras, mas que são recortadas e descontextualizadas com intenção de enganar (malinformation).
Prints da Lupa
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Allysson Martins é coordenador do MíDI – Laboratório de Mídias Digitais e Internet e professor no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Pós-Doutorando em Comunicação pela UFC e Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA.