Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.
Artigo | Gabriel Tamanchieviz Argenton examina diferentes compreensões que balizam o processo de curricularização da extensão e enfatiza a centralidade do diálogo com movimentos sociais
*Por Gabriel Tamanchieviz Argenton
*Ilustração: Ayla Dresch/ Programa de Extensão Histórias e Práticas Artísticas, DAV-IA/UFRGS
Há algumas inquietações sobre a extensão que perseguem inúmeros estudantes durante a sua formação acadêmica. Dentre elas, acredito que a mais objetiva seja: “para que serve a extensão?”. Renegada a um plano secundário nas instituições, visto que não há um espaço determinado para a sua existência, é muitas vezes tratada como algo externo – muitos profissionais da academia não se sentem responsáveis por se empenhar na sua realização. A partir da orientação n.º 7/2018, do Conselho Nacional de Educação, as universidades brasileiras iniciaram a discussão sobre a curricularização da extensão, tornando obrigatória a sua presença nos projetos pedagógicos dos cursos e exigindo uma carga horária mínima na formação dos graduandos.
Mas até que ponto essa obrigatoriedade se mostrou eficaz? Na UFRGS, entre os mais atentos ao tema, observamos que a construção da extensão ocorre de forma espontânea. Faltam direcionamentos mais assertivos para a realização dos programas e projetos, de modo a garantir que o corpo universitário realize as suas atividades de modo coeso e com qualidade. Surge, então, uma questão pertinente ao se iniciar a elaboração de uma proposta de extensão: “Quais são as diretrizes para a construção da extensão na universidade?”. O vácuo nessa questão resulta em compreensões divergentes que são reproduzidas pela comunidade acadêmica, muitas vezes de forma involuntária.
A primeira compreensão, talvez a mais difundida, é a de que tal obrigatoriedade deveria ser flexibilizada, sob o argumento de que não deve se tornar um peso adicional na formação dos estudantes ou mais uma obrigação na já difícil tarefa de concluir o curso. Essa afirmação tem fundamento, considerando que atualmente não há no Brasil uma política forte de permanência estudantil, e muitos estudantes conciliam as suas atividades acadêmicas com obrigações trabalhistas. Além disso, essa visão expressa a opinião de que a curricularização foi construída sem diálogo com a comunidade acadêmica e que não há apontamentos concretos para a sua implementação.
Esse entendimento, em geral, soma-se às críticas de que faltam diretrizes claras para a construção da extensão na universidade, como a definição do momento certo para a extensão dentro do currículo dos cursos, a identificação dos públicos-alvo, a sugestão de organizações parceiras e a priorização de territórios para a sua realização.
A segunda compreensão está fortemente relacionada com a anterior, tratando a extensão como uma breve intervenção, geralmente limitada às escolas da rede pública de ensino. Essa abordagem me alegra e preocupa ao mesmo tempo. Alegra-me porque entende a extensão como uma atividade destinada a fomentar a relação entre a universidade e outros equipamentos do Estado, principalmente as escolas públicas. No entanto, preocupa-me o fato de, geralmente, não haver diálogo, com as intervenções sendo realizadas no sentido literal, sem se propor um retorno ou responder às demandas da comunidade externa, o que acaba por limitar o impacto dessas ações.
Tal entendimento da extensão como intervenção remete à crítica de Paulo Freire, que preferia entender a extensão como comunicação, um processo dialógico em que ambas as partes escutam e propõem.
A última, e na minha opinião a mais deturpada sobre o sentido da extensão, é o seu uso em benefício dos interesses da iniciativa privada. É um crime as universidades relacionarem-se com empresas privadas? Dependendo dos termos da relação, não. No entanto, chamar de extensão a apropriação indevida de mão de obra em qualificação, sem qualquer retorno para os estudantes que a realizam ou para a sociedade em geral, é um problema. Isso não só a confunde com o estágio, como também não oferece aos estudantes fontes de valorização pelo trabalho realizado. A extensão deve servir à qualificação e à contribuição para a formação estudantil, e não reproduzir as mazelas evidentes do “mercado” de trabalho.
Em contrapartida a essas compreensões, há muitas pessoas que defendem uma extensão popular. Não considero tal orientação como uma visão, mas como uma práxis, no sentido em que se propõe envolver os conhecimentos construídos nas salas de aula e laboratórios com a prática social e política. O principal parâmetro para essa construção é pautar a universidade a favor daqueles que sempre tiveram o acesso a ela negado, alterando a natureza da universidade no Brasil, que tem sido orientada pelos interesses das elites locais e pelo “farol” das universidades dos países centrais.
Para isso, é necessário que se fortaleçam os canais de diálogo entre as instituições de ensino superior e os movimentos populares, com o objetivo de ouvir as demandas e propor soluções conjuntas para as suas problemáticas.
É preciso avançar na valorização de programas e projetos, investindo em bolsas para estudantes e articuladores locais. É fundamental reconhecer quais iniciativas já em operação podem ser potencializadas pela universidade e como fazer isso sem ofuscar a organização comunitária. Isso exige o envolvimento indissociável do ensino e da pesquisa nessas práticas, utilizando os seus instrumentos e espaços físicos a favor da extensão.
Para concluir, retomo a discussão feita inicialmente: a extensão pode servir para transformar a lógica comum da universidade, sustentada em um entendimento de que ela termina em si mesma. A academia brasileira não deve ser um espaço de discussões vazias e sem proposições para a sociedade como um todo, afastada dos problemas do contexto em que está inserida. A universidade tem grande potencial para ser uma importante ferramenta de desenvolvimento social e, em especial, a UFRGS, que está intimamente ligada aos problemas do Rio Grande do Sul e é cobrada pela sua comunidade para estar atenta a essas questões. A extensão deve tornar-se sinônimo de participação e de inclusão, fornecendo as bases para a construção de projetos populares para as universidades no Brasil.
Gabriel Tamanchieviz Argenton é professor de ciências da natureza, licenciado em Educação do Campo (UFFS – Campus Erechim) e mestrando no Programa de Pós-graduação em Educação da UFRGS.