Ética profissional não pode ignorar as redes sociais

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta. Para acessar, clique aqui.

Mariana Mandelli*

“Tem que ser muito FILHA DE UMA P*** pra vir 1 da manhã no pronto socorro por conta de infecção urinária viu (sic)“. Numa madrugada de maio, esta mensagem foi postada no Twitter por uma médica de plantão numa Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Almirante Tamandaré, região metropolitana de Curitiba (PR). O texto viralizou, provocando uma enxurrada de comentários revoltados. Com a repercussão, a profissional foi afastada e o Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) abriu uma sindicância para investigar sua conduta.

Já neste mês, o Conselho da Polícia Civil de São Paulo aprovou a demissão de um delegado suspeito de ter inventado a prisão de um membro do PCC com o objetivo de ganhar engajamento nas redes, em um caso que se soma a ocorrências de outros policiais que têm usado as mídias sociais de formas que contradizem os códigos da profissão.

Não é de hoje que se discute os limites da presença digital de profissionais, num debate que esbarra na liberdade de expressão dos funcionários e funcionárias. Em tese, corporações não podem proibir seus quadros de se manifestarem politicamente, por exemplo, mas podem usar o teor de postagens para demiti-los por justa causa caso os conteúdos sejam ofensivos e discriminatórios. Vale destacar ainda que essa “vigilância” muitas vezes começa antes da contratação, pois é sabido que muitas empresas analisam os perfis de candidatos e candidatas a uma vaga de emprego antes de decidir pela aprovação.

Portanto, não é exagero dizer que um tweet pode acabar com uma carreira profissional. Talvez o caso mais emblemático desse tipo seja o de Justine Sacco, ocorrido em 2013. Antes de pegar um voo para a Cidade do Cabo, ela publicou para pouco menos de 200 seguidores: “Estou indo para a África. Espero não pegar HIV. Brincadeira. Sou branca”. Quando seu voo pousou, a mensagem racista tinha viralizado: seu nome estava nos assuntos mais comentados em todo o mundo no Twitter, o que ocasionou sua demissão da empresa onde trabalhava como relações públicas.

Ou seja: ter uma rede pequena ou postar certas coisas abjetas em grupos privados não é garantia nenhuma de que o conteúdo não vai sair dali. Foi exatamente o que ocorreu com Arthur do Val, deputado estadual por São Paulo que teve seu mandato cassado por falas misóginas contra mulheres ucranianas.

Não publicar ou engajar postagens antiéticas e/ou de ódio deveria ser algo óbvio em qualquer profissão, ainda mais quando se trata de servidores públicos, como médicos e policiais. Como o próprio nome diz, esses cidadãos e cidadãs estão literalmente prestando um serviço à população e, assim, a proteção da saúde e da vida das pessoas deveria figurar sempre em primeiro lugar. 

Mas o volume de ocorrências desse tipo evidencia que nos falta a consciência plena de que a digitalização do cotidiano fundiu a nossa vida online e a offline. Essas duas dimensões não se separam mais — ao contrário: elas se retroalimentam e o que acontece em uma tem impacto direto na outra, inclusive no nosso trabalho. A linha tênue que as dividia não existe mais.

Se antes só acompanhávamos nossos colegas e chefes no ambiente profissional, durante o período de expediente, as redes sociais trouxeram uma convivência perene, ainda que virtual. Nossa postura como cidadãos e cidadãs está cada vez mais imbricada às esferas da vida e, com isso, fica cada vez mais difícil interpretar personagens em cada um desses espaços, físicos ou não.

Se parece óbvio que é no mínimo descabido um médico reclamar de um paciente cara a cara, o mesmo deveria valer para o virtual. É urgente o entendimento do nosso papel e, consequentemente, da nossa responsabilidade nas redes sociais, compreendendo que a nossa ação nesses ambientes deve sempre ser norteada por questões éticas.

*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

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