Estudo investiga como a desinformação é tratada nas decisões judiciais

Publicado originalmente em *Desinformante por Liz Nóbrega. Para acessar, clique aqui.

Conceituar desinformação não é uma tarefa fácil. Se o termo já não era um consenso para o campo científico, o estudo “O que é desinformação no Judiciário brasileiro?” mostrou que ele também não é uma unanimidade nos tribunais superiores. A pesquisa, realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em parceria com Unesco e a Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), mapeou decisões sobre o tema de janeiro de 2019 a outubro de 2022 e concluiu que “há uma dificuldade de conceituar o tema e uma diversidade de dispositivos legais utilizados”.

“O aumento da disseminação de desinformação e a ausência de legislação específica acerca do tema, impõe desafios ao Poder Judiciário Brasileiro, tanto no tocante à delimitação conceitual quanto à identificação do tratamento jurídico adequado para o fim de combater a desinformação dentro de uma dinâmica institucional democrática”, destacou o relatório.

A partir de 282 decisões do Supremo Tribunal Federal (87), Superior Tribunal de Justiça (15), Tribunal Superior Eleitoral (179) e Tribunal Superior do Trabalho (1), os pesquisadores elencaram 70 veredictos para investigar como havia sido a conceituação da temática e quais os argumentos legais haviam sido usados para determinar o julgamento do caso. 

No âmbito do STF, as expressões mais utilizadas foram: Fake News, Notícias falsas, Desinformação, Informações falsas, Conteúdo falso, Conteúdos falsos, Notícias fraudulentas, Conteúdo fraudulento, Conteúdos sabidamente falsos e Fato sabidamente inverídico. “O que demonstra a priori que não há na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal uma padronização acerca do tema  com diferentes termos sendo utilizados para se referir às fake news”, pontua o relatório.

Além disso, a pesquisa identificou três conceituações nas decisões do Supremo Tribunal Federal:

  • ADPF 572, Ministro Gilmar Mendes “[…] divulgação massiva e sistemática de notícias falsas”. 
  • Ação direta de inconstitucionalidade 7.261, Ministro Edson Fachin “[…] aquela que é transmitida sem a menor condição de embasar uma opinião sobre a sua probabilidade de certeza, desde que tenha aptidão para interferir no processo eleitoral”. 
  • ADPF 572, Ministro Dias Toffoli “É nesse contexto que se inserem as fake news ou notícias fraudulentas, expressão que considero mais adequada, por melhor exprimir a ideia de utilização de um artifício ou ardil para se galgar vantagem específica e indevida. Trata-se de notícias integral ou parcialmente inverídicas aptas a ludibriar o receptor, influenciando seu comportamento e sua visão de mundo.”

Já no Tribunal Superior Eleitoral, foram encontradas sete definições para fake news/desinformação nas decisões analisadas:

  • Autos nº 060010883.2020.6.24.0104, Ministro Mauro Campbell Marques “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”. 
  • Autos nº 000097229.2016.6.13.0263, Ministro Luis Roberto Barroso “o conteúdo manifestamente falso que é intencionalmente criado e divulgado para o fim de enganar e prejudicar terceiros, causar dano, ou para lucro”. 
  • Autos nº 060151376.2022.6.00.0000, Ministro Benedito Gonçalves “produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral”. 
  • Autos nº 060153622.2022.6.00.0000, Ministra Cármen Lúcia “divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimenta-se de instabilidade das mentiras digitais”. 
  • Autos nº 060144359.2022.6.00.0000, Ministra Maria Claudia Bucchianeri “a divulgação de fatos sabidamente inverídicos, ofensivos e descontextualizados”, além de mencionar que a “associação de diversos fatos verdadeiros a uma conclusão inverídica também configura ‘fake news’”. 
  • Autos nº 060157349.2022.6.00.0000 Ministra Maria Claudia Bucchianeri “mensagem para ser qualificada como sabidamente inverídica deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”. 
  • Autos nº 060123053.2022.6.00.0000 Min. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino “Em princípio, não devem ser caracterizados como ‘fake news’: os juízos de valor e opiniões; as informações falsas que resultam de meros equívocos honestos ou incorreções imateriais; as sátiras e paródias; e as notícias veiculadas em tom exaltado e até sensacionalista”.

A pesquisa também indica quais são os dispositivos legais citados para a análise das ações. Tanto no STF como no TSE, o artigo 5º da Constituição aparece com predominância. “Isso indica que o TSE fundamenta suas decisões nas garantias e direitos fundamentais previstos na Constituição, como a liberdade de expressão (inciso IV), o direito à informação (inciso XIV) e a proteção da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (incisos IX e XLIV)”, aponta o relatório.

Principais estatísticas

O relatório, além de identificar as definições da temática, aponta quais as partes e quais ministros proferiram as decisões relacionadas ao tema. No STF, foi identificado que a maioria das ações foi decidida de forma monocrática (77) e o ministro Alexandre de Moraes foi o que mais decidiu, com 16 casos, seguido pela ministra Cármen Lúcia, com 14 casos, e o ministro Dias Toffoli, com 10 casos.

Já no TSE, diversos ministros proferiram as decisões, “com destaque para aqueles que tiveram maior quantidade de casos, como Maria Claudia Bucchianeri (39), Cármen Lúcia (26), e Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (25) e Alexandre de Moraes (20)”, aponta o relatório. A pesquisa também ressaltou que 45% das decisões e acórdãos da justiça eleitoral sobre desinformação contaram com Jair Bolsonaro como parte ou envolvido nos processos.

Além de Bolsonaro, as plataformas digitais (Facebook, Twitter, Youtube, Tiktok, Kwai, Google) também estiveram no polo passivo das demandas que foram ajuizadas no período analisado. “As empresas supramencionadas são responsáveis pela identificação do administrador de determinados perfis para a consequente desindexação remoção de publicações”, explica o relatório de pesquisa.

Outro ponto de destaque é a quantidade de processos relacionados à desinformação no âmbito da justiça eleitoral. A maioria das decisões encontradas estão concentradas em 2022 e, neste ano, houve um aumento significativo no período eleitoral (entre setembro e outubro). “Neste período foram encontradas 123 decisões, sendo 24 relativas ao mês de setembro e 99 ao mês de outubro”, destaca.

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