Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
É provável que o número de recém-nascidos com malformações congênitas – alterações que ocorrem com o feto dentro do útero materno e que podem ser detectadas antes, durante ou após o nascimento – esteja subnotificado em registros oficiais, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Apesar do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) ter se tornado mais confiável ao longo do tempo, diferenças regionais podem prejudicar a elaboração de políticas de saúde pública. A análise é de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Hospital Federal dos Servidores do Estado (RJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) em estudo publicado na segunda (5) na revista “Cadernos de Saúde Pública”.
O estudo considera dados relativos à gastrosquise, condição visível em que uma malformação na parede abdominal leva ao nascimento com o intestino exposto. Para avaliar a consistência dos registros, pesquisadores compararam o número de nascidos vivos ao de óbitos infantis pela condição entre 2005 e 2020. Nas regiões Norte, Nordeste e em alguns estados do Centro-Oeste, houve biênios em que foram registradas mais mortes do que nascimentos, indicando a subnotificação.
Os pesquisadores também avaliaram a taxa de registros incompletos, em que há ausência ou insuficiência de informações sobre anomalias congênitas. No Brasil, desde 2007-2008, tal taxa se mantém abaixo de 5%, nível considerado excelente. Entre 2019 e 2020, apenas 1,87% dos registros estavam incompletos, com o Centro-Oeste apresentando os piores resultados (3,9%) e o Sul, os melhores (1%). Para Norte, Nordeste e Sudeste, a taxa variou entre 1,7% e 1,9% no período.
Claudia Tavares Regadas, coautora do artigo, afirma que o SINASC capta a ocorrência de anomalias congênitas em geral, mas que há fragilidades ao registrar quais são estas anomalias. No caso da gastrosquise, por exemplo, ela pode não ser identificada por conta da complexidade dos casos e da utilização de codificação inespecífica para a malformação, mesmo que seja a causa básica da internação.
A análise indica que a qualidade de registro de condições congênitas melhorou ao longo dos anos, mas ainda é um reflexo das diferenças regionais do SINASC, impactando a qualificação de políticas públicas para recém-nascidos. “Os bebês com gastrosquise, por exemplo, têm alto potencial de sobrevivência com boa qualidade de vida, quando devidamente tratados. Saber quantas são essas crianças e onde elas nascem permite a adoção de políticas de saúde que visem um melhor acompanhamento clínico, além de resultar em melhor planejamento da estrutura e processos adequados para que essas crianças sejam tratadas com sucesso”, explica Regadas.
No futuro, os autores pretendem cruzar dados do SINASC com outros sistemas, em busca de mais informações sobre a qualidade dos registros. Para Regadas, melhorá-los é um trabalho descentralizado, já que é nas secretarias municipais de saúde que os diagnósticos são atribuídos a partir das descrições presentes nas declarações de nascidos vivos. “Estas são emitidas no local de nascimento por profissionais de saúde, mas também administrativos, que precisam de sensibilização e treinamento para aportar informações qualificadas. As pessoas podem não ter ideia da importância de preencher um papel”, conclui a pesquisadora.