Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.
Artigo | Eduarda Silva de Lima e Fiorenza Zandonade Carnielli, das Relações Públicas, analisam as estratégias de comunicação em redes sociais adotadas pela deputada
*Por Eduarda Silva de Lima e Fiorenza Zandonade Carnielli
*Ilustração: Fabio Alejandro Viera/ Programa de Extensão Histórias e Práticas Artísticas, DAV-IA/UFRGS
A presença da deputada federal Erika Hilton no cenário político brasileiro configura-se como histórica e revolucionária. Ainda jovem e recém-chegada na política, Hilton conquistou os títulos de mulher mais bem votada para vereadora em 2020 em todo o país, quando foi eleita como a primeira mulher trans/travesti para a Câmara Municipal paulistana e, depois, a partir da eleição em 2022, primeira travesti a ocupar o cargo de deputada federal, ultrapassando a marca de 250 mil votos no seu estado de São Paulo. Entende-se que esses feitos estão associados à projeção estratégica da imagem pública política de Erika Hilton.
A deputada federal, atual líder da bancada do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Rede Sustentabilidade no Congresso, constitui-se como uma figura política bastante presente nas redes sociais, possuindo contas nas principais plataformas atuais, como Instagram, TikTok, Twitter e Facebook. Destacando-se nesse terreno de visibilidade pública e de busca por influência e apoio, Hilton acumula milhões de seguidores.
O foco da pesquisa foi o seu perfil no Instagram, visto ser sua rede com maior número de seguidores e possuir atividade intensa, com uma frequência de publicações quase diária. A análise das postagens feitas na conta do Instagram ao longo de novembro de 2023 permitiu identificar duas categorias que demonstram as estratégias de comunicação adotadas com a intenção de projetar uma imagem positiva da deputada: ação política institucionalizada e ação social politizadora.
A estratégia ação política institucionalizada se refere à visibilidade buscada para a atuação da deputada nos ritos e espaços parlamentares. Nas publicações analisadas, percebe-se a inclusão de aspectos que passam a ideia de uma parlamentar dedicada e atenta à sociedade à sua volta ao pautar sua agenda política e ao escolher se manifestar sobre determinados acontecimentos públicos como a guerra entre Israel e Palestina e o apagão decorrente de temporal em São Paulo.
As publicações buscam projetar a imagem de uma deputada conectada à realidade que afeta seus eleitores, na tentativa estratégica de mostrar como sua atuação no espaço institucionalizado da política não se distancia do público que fez a escolha por votar ou, ainda, segui-la nas redes sociais.
A estratégia de comunicação ação social politizadora é referente às publicações de cunho social e cultural de Erika Hilton. Enquanto a primeira categoria trata da política formal, protocolar, esta segunda abrange contextos mais amplos e diversos da vida de Erika Hilton tornada pública por ela. É fundamental o esclarecimento de que se considera política não somente a presença de Hilton na Câmara dos Deputados, mas também seu próprio corpo, sua existência e o ato de viver e performar publicamente, nos diversos espaços da vida, aquilo que se é.
Aqui, ainda mais do que na categoria anterior, o fator imagético destaca-se. Pode-se inferir que alguém que não conheça a deputada e observe suas publicações, sem considerar as legendas que as acompanham, não reconhece os indícios excludentes e tradicionalmente construídos para deduzir que se trata de uma parlamentar – possivelmente imaginaria ser uma artista ou figura pública influente ligada à moda ou à cultura no geral. Percebe-se, também, a notável associação da deputada com o mundo pop e o universo fashion. Dessa forma, Erika Hilton politiza a sua existência e projeta uma imagem não só de parlamentar, mas de travesti, preta, engajada, fã de ídolos pop e ícone fashion.
Podemos concluir que Hilton emprega elementos que são e que não são comumente considerados políticos, gerando um tensionamento que possibilita constatar a projeção estratégica da imagem política e politizadora da deputada. Inferimos que sua demarcação estratégica integra o uso da beleza, da moda e da arte pop, assim como da responsabilidade social e ética e da luta por minorias identitárias para a produção da sua imagem pública política.
Finalizamos o trabalho com a esperança de novas produções acadêmicas dedicadas não somente a Erika Hilton, mas aos diversos novos sujeitos políticos que têm surgido na esfera pública nacional nos últimos anos. Sujeitos que desafiam o cenário político brasileiro com suas diferentes formas de ser e resistir e mostram que estão dispostos a lutar para conquistar seus espaços de liderança e de tomada de decisões públicas. O estudo das estratégias do posicionamento público político de pessoas públicas como Erika Hilton pode gerar novas percepções sobre o campo político no Brasil e sua associação com a área de Relações Públicas.
Eduarda Silva de Lima é graduada em Relações Públicas e autora do trabalho de conclusão de curso intitulado Travesti Preta Deputada Eleita: estratégias de construção da imagem pública política de Erika Hilton, que deu origem a este artigo.
Fiorenza Zandonade Carnielli é professora do Departamento de Comunicação da UFRGS e foi orientadora do trabalho.