Espécies da flora do Pampa podem migrar para novas áreas devido às mudanças climáticas

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Biológicas | Pesquisa estima que apenas duas das oito espécies analisadas conseguiriam ampliar suas áreas de ocupação em 2070

*Uma das espécies analisadas, a petúnia branca (Petunia axillaris) provavelmente migrará para o litoral da Argentina e do Uruguai em função das mudanças climáticas (Foto: Isadora Quintana)

O Pampa é um ecossistema campestre, composto majoritariamente de gramíneas e herbáceas, ou seja, plantas de pequeno e médio porte. Estima-se que apenas 3% da área desse bioma seja protegida atualmente e ao menos 50% da área global desse ecossistema já foi degradada de alguma forma.

Além da ação humana, fatores como temperatura, radiação solar e chuvas podem afetar a biodiversidade desses espaços. Uma nova pesquisa do Programa de Pós-graduação em Genética e Biologia Molecular (PPGBM) da UFRGS selecionou espécies da flora do Pampa para compreender como as mudanças climáticas podem afetar sua distribuição no território.

A pesquisadora Isadora Quintana projetou a área de ocupação das espécies em dois cenários futuros, baseados em situações já estimadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Uma delas é a previsão moderada (RCP 4.5), em que a temperatura do planeta aumenta entre 2º e 3ºC até 2100. A outra é pessimista (RCP 8.5), indicando que a concentração de gases estufa causa um aumento de temperatura de 4,3ºC no mesmo período.

Nos mapas de 2070, as mudanças climáticas prejudicam a maioria das plantas, que sofrem perda do habitat em ambas as projeções. Para seis das oito espécies estudadas, a retração de área é acentuada no cenário pessimista (RCP 8.5). Duas delas, no entanto, sofrem o efeito contrário: a expansão da área de ocupação.

Os resultados mostram que a orquídea-da-praia (Epidendrum fulgens) Turnera sidoides subsp. carnea conseguiriam se adaptar às condições do ambiente até nas piores projeções, passando a ocupar o centro do Rio Grande do Sul e o Uruguai, respectivamente.

Área de ocorrência atual das espécies Epindendrum fulgens, comuns no litoral do RS, e Turnera sidoides subsp. carnea, encontrada nas pastagens do Pampa (Isadora Quintana/Divulgação)

As espécies Petunia integrifolia subsp. depauperata e Calibrachoa heterophylla, comuns na planície costeira do Rio Grande do Sul, provavelmente sofrerão fragmentação de habitat, dividindo-se em locais com condições inadequadas à sua existência.

Área de ocorrência atual das espécies Petunia integrifolia subsp. depauperata e Calibrachoa heterophylla (Isadora Quintana/Divulgação)

Já as plantas Petunia inflata e petúnia-perene (Petunia integrifolia subsp. integrifolia) encontrariam novas regiões menos favoráveis, mas ainda conseguiriam migrar para outras partes do Pampa. A primeira quase desapareceria do Brasil, habitando então o sudoeste do estado e o Uruguai, enquanto a segunda espécie migraria do centro do Rio Grande do Sul em direção ao norte do estado e nordeste do Uruguai.

Área de ocorrência atual das espécies Petunia integrifolia subsp. integrifolia e Petunia inflata (Isadora Quintana/Divulgação)

Por último, a petúnia branca (Petunia axillaris), encontrada no estado gaúcho e nos dois países que fazem fronteira com ele, encontraria refúgio no litoral dos países vizinhos, pois as áreas adequadas para a espécie no Brasil são quase nulas. E a planta Herbertia pulchella, encontrada na Serra do Sudeste e leste do Uruguai, não deixaria de ocupar os espaços em que já habita, porém perderia significativamente a adequabilidade ao habitat.

Área de ocorrência atual das espécies Petunia axillaris e Herbertia pulchella (Isadora Quintana/Divulgação)

“Mesmo que as espécies possam se deslocar para um lugar mais favorável, não significa que esse ambiente projetado no mapa vai estar disponível para elas. Pode ter uma cidade, um deserto, um lixão ou qualquer coisa lá”, explica Isadora. O nível de degradação do ambiente também pode afetar a ocupação desses seres vivos, e por isso, o local pode estar impróprio em 2070.

A biodiversidade do Pampa

Foi com o objetivo de entender a influência das condições climáticas na biodiversidade que a bióloga elaborou a segunda parte da pesquisa, investigando a distribuição das mesmas espécies do Pampa nos períodos passados. Isadora constatou que, mais uma vez, cada espécie teve uma resposta diferente às mudanças no ambiente.

Utilizando as bases de dados Species Link e Global Biodiversity Information Facility (GBIF), ela simulou as ocorrências dos seres vivos em três períodos: Último Interglacial (há cerca de 125 mil anos); Último Máximo Glacial (há cerca de 22 mil anos); e início do Holoceno (há cerca de 6 mil anos).

No Último Interglacial, as condições eram inadequadas para quase todas as espécies analisadas. A exceção é a petúnia branca, que conseguiu se adaptar ao noroeste do Rio Grande do Sul e ao Pampa paraguaio.

No Último Máximo Glacial, as plantas que hoje são encontradas no interior do Pampa e na região costeira (petúnia-perene; P.inflata; H. pulchella) tiveram uma retração de área. Ao mesmo tempo, as espécies das pastagens do Rio da Prata (petúnia branca e T. sidoides subsp. carnea) mostraram uma expansão da área de ocorrência e, possivelmente, maior adaptabilidade ao habitat na época.

Os ambientes que as espécies analisadas ocupam atualmente são preenchidos apenas no início do Holoceno e, hoje em dia, essas espécies alcançaram o maior nível de adaptabilidade ao clima.

Além disso, a pesquisa aponta que as áreas de maior estabilidade climática, ou seja, que menos mudaram desde o Último Interglacial, não são os espaços com maior diversidade genética. Somente duas espécies demonstraram ter essa relação proporcional: orquídea-da-praia e Petunia integrifolia subsp. depauperata, ambas da Planície Costeira.

“O clima passado não é exatamente o que define a biodiversidade do Pampa. Ele é um fator presente, mas tem outros relacionados ao solo e aos polinizadores que podem ser os principais delimitadores da biodiversidade do Pampa”

Isadora Quintana

Para a bióloga, entender como a flora do Pampa reagiu a diferentes períodos climáticos é essencial para antecipar vulnerabilidades e enxergar possibilidades para resistir aos novos desafios gerados pelas mudanças climáticas.

Como as projeções do passado e do futuro indicam reações diferentes nas 8 espécies, as soluções elaboradas precisam levar em conta as particularidades de cada ser vivo. “Temos que pensar da menor plantinha até o bioma inteiro quando a gente fala em conservação.”

A dissertação de mestrado de Isadora e os mapas de distribuição espacial estarão disponíveis no Lume – Repositório Digital da UFRGS em breve. No periódico Perspectives in Ecology and Conservation, é possível acessar um artigo publicado pela autora sobre a diversidade da flora nos Campos Sulinos, região que abrange o Pampa e parte da Mata Atlântica.

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