Em uma releitura da biografia de Mestre Dezinho, Jota A traz a valorização da arte piauiense com o melhor de outra arte

Publicado originalmente em O Estado do Piauí por Diego Iglesias. Para acessar, clique aqui.

Enquanto ainda hoje se discute se a arte imita a vida e a vida imita a arte, ela segue se reinventando, imitando até ela mesma numa tecitura de metalinguagens. E nesse percurso vão surgindo obras e obras das obras, artistas de artistas num ciclo infindável de mutações. No Piauí, muitos seguem esse rumo, focando os seus trabalhos em valorizar outros talentos. O cartunista piauiense Jota A é um desses que se reinventa todos os dias e ao mesmo tempo alia passado, futuro, história, crítica e valorização cultural. Ele, que é um dos mais premiados ilustradores do mundo, agora traz a história de um dos mais importantes artesãos do país, o Mestre Dezinho, em livro num momento que a literatura também se remodela diante de uma crise no mercado.

Desde 1988, o homem de feição simpática, sorriso contido, voz grave e discreto, ocupa uma cadeira num canto silencioso da redação do Jornal O Dia. É o revés do que é uma redação, um cenário movimentado de repórteres e notícias. No entanto, aquilo é só do lado de fora do homem de cabeça baixa que desenha, silencioso e que, no máximo, se levanta para tomar água. Nos pensamentos segue uma mente inquieta, ácida, por vezes visceral, que traz os perrengues de viver politicamente em traços de personagens sem muitos detalhes, mas carregados de sentidos.

Jota A é graduado em Educação Artística pela Universidade Federal do Piauí-UFPI, cartunista, artista plástico, designer gráfico, xilógrafo e jornalista-ilustrador. É um participante assíduo de centenas de Salões de Humor e Artes Plásticas por todo o mundo, o que lhe rendeu mais de 160 premiações no Brasil, Turquia e Portugal, além de ser uma das pessoas que mais comemora vitórias numa redação de jornal.

Além das ilustrações diárias nas páginas do jornal, também se dedica ao trabalho de designer, criando projetos gráficos, capas, ilustrações de livros, quadrinhos e periódicos, além de ser criador do Salão Medplan de Humor. Já publicou como colaborador para os jornais carioca O Pasquim, Jornal do Brasil, além dos piauienses Correio Corisco e A Voz de Teresina, tendo ainda participação em revistas como Presença, Revestrés e Cadernos de Teresina. Um dos seus projetos de mais orgulho é a participação no MSP+50, Maurício de Sousa por mais 50 artistas, desenhando o Chico Bento.

Algumas das obras de Jota A, uma delas com prefácio de Ziraldo, o do Menino Maluquinho

Por conta do seu currículo e, principalmente, pela construção da sua obra, Jota A é um artista ímpar no Piauí, admirado e respeitado por artistas e ilustradores Brasil afora. Você pode não saber quem é, mas certamente já deve ter se deparado com alguma obra, seja em uma prova de português ou até num cartaz comercial.

Entre os seus livros, a maioria traz suas obras publicadas em jornais ou em salões. Agora, Jota A se dedica à sua oitava publicação, feita em parceria com o amigo jornalista Marcelo Costa, que é editor de livros e histórias em quadrinhos e um especialista na área, além de grande fã de Jota A. A obra, a história em quadrinhos “Mestre Dezinho – Arte da Madeira”, conta a história de vida do maior nome da arte santeira no Piauí, baseada no livro “Minha Vida, Mestre Dezinho”, uma biografia do próprio artista feita com ajuda do professor Cineas Santos e editada pela Prodart em 1999.

Dezinho

O livro conta a trajetória de vida de José Alves de Oliveira, conhecido como Mestre Dezinho, o precursor da arte santeira no Piauí. Nascido em 1916 no município piauiense de Valença do Piauí, enfrentou a labuta de um bom sertanejo com a lida na roça e marcenaria, um talento herdado do seu pai carpinteiro. No entanto, o ofício de trabalhar com peças em madeira era uma dedicação por encomenda feita como hobby desde a infância e sem muitas pretensões.

Já adulto e casado, mudou-se para a capital com a esposa Francisca de Oliveira e os seis filhos em busca de uma melhor educação. Em Teresina trabalhou como vigia e nas horas vagas se dedicava às suas peças de madeira, até que foi convidado a fazer um Cristo para o altar da Igreja Nossa Senhora de Lourdes, na Vermelha, e, em seguida diversas outras peças que hoje tornaram o espaço um grande museu da obra de Dezinho.

O seu trabalho foi tão adorado pela comunidade que passou a ser referência e a inspirar um novo modelo de arte santeira, abrindo espaço ainda para dezenas de novos artistas e elevando a potência do artesão piauiense, com obras de Dezinho espalhadas por todo o mundo, além de exposições pelo Brasil e em vários países como México, República Tcheca, Itália, Israel, França, Bélgica, Estados Unidos, dentre outros.

Inspiração para artistas que inspiram

E foi exatamente a expressão da arte nos traços simples que cativaram Jota A, nascendo o interesse pela obra e sobre o artista. “Sempre fui apaixonado pela história do mestre Dezinho. A primeira coisa que ouvi dele é que ele, com quase 50 anos foi chamado por um padre pra fazer a sua primeira arte santeira e sua obra fez tanto sucesso que ele se tornou o maior santeiro de sua época. Isso é roteiro de cinema! Como não sou diretor de cinema disse que um dia iria fazer uma história em quadrinhos disso”, conta.

Uma das obras de Dezinho que o consagrou como ícone da arte santeira

Para Jota A, a elaboração do livro foi um grande desafio, mas que tem um grande reforço além da leitura, algo que não existe na biografia de Dezinho, e que agora pode ser impulsionada para mais pessoas e de uma forma ainda mais atrativa. “Tanto o livro quanto os quadrinhos tem o seu valor. A vantagem da história em quadrinhos é que ela une texto e desenho, atraído um maior número de pessoas, principalmente as crianças e jovens. O livro Minha Vida é muito interessante. Nele mestre Dezinho escreve como se estivesse fazendo um diário: hoje, março de 1968, fiz isso, fiz aquilo…”, explica o cartunista.

Esse desafio de apostar nessas publicações vai contra a maré, mas sendo obrigado a remar forte. Isso porque o mercado editorial no Brasil vem passando por uma das suas maiores crises, desde 2014, quando iniciou uma queda. O problema foi mais perceptivo quando, em 2018, as livrarias Saraiva e Cultura, as maiores redes do país, entraram em recuperação judicial. E apesar de um crescimento expressivo durante a pandemia em 2021, não bastou para estancar a queda no faturamento de 2022.

Por conta disso, inclusive, a publicação da obra de Dezinho feita por Jota A e Marcelo Costa só foi possível com apoio do poder público, com ações de patrocínio coletivo e muita divulgação para conseguir a impressão. Agora, o problema subiu de status e está nas prateleiras, com obras ainda aguardando para serem deliciadas por um novo curioso amante das letras (ou desenhos). No entanto, isso é algo que os autores acreditam que pode ser amenizado com a divulgação das obras.

Para Jota A, um dos fatores que pode ajudar no interesse do seu livro é o apelo visual somado à beleza da história, os mesmos elementos que valorizaram obras como a HQ Foices e Facões, de Bernardo Aurélio, que conta a história da Batalha de Jenipapo, bem como a “A Voz de Esperança Garcia”, de João P. Luiz e Bernardo Aurélio, que conta a história da mulher considerada a primeira advogada brasileira, a piauiense Esperança Garcia.

No entanto, segundo o ilustrador, isso precisa chegar nos jovens, nas escolas. “Toda forma de atrair leitores é válida. O nosso maior problema é fazer com que esse material em quadrinhos chegue ao público. A HQ Foices e facões, do Bernardo Aurélio e Caio Oliveira, seu irmão, é um registro importante da história do Piauí. Sabe em quantas escolas esse material é adotado? Em nenhuma!!  E não é por falta de tentativas. Eu mesmo já levei os quadrinhos dos irmãos a três escolas para serem avaliados. Até hoje não recebi nem resposta. Aliás, tem uma lei que obriga a escola do Piauí a adotar livros de autores piauienses. Não conheço nenhuma que tenha feito isso”, lamenta Jota A, destacando que a maior dificuldade é encontrar leitores que comprem esse material produzido. “Tanto é que todas as minhas obras foram financiadas por leis de incentivo a cultura, como o SIEC”, acrescenta.

O jornalista, especialista em quadrinhos, Marcelo Costa, e Jota A em evento no Rio Grande do Sul

Apesar disso, Jota A segue sendo persistente produzindo diariamente e engrandecendo a produção piauiense. E quem sabe daqui a alguns anos seja publicada uma obra contando a história do ilustrador. “Ainda não tinha pensado nisso. Quem sabe quando tiver uns 90 anos e uns 300 prêmios em salões de humor e artes plásticas!!”, brinca.

Enquanto não sai, as pessoas podem se encantar com a história de Dezinho, além de outras. Os interessados podem entrar em contato com os autores Marcelo Costa (@marcelocosta.the) e Jota A (@cartunista_jotaa) e adquirir.

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