Em meio às enchentes, moradores se organizam em grupos de WhatsApp em busca de informações sobre seus bairros

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS por Pedro Henrique Tubiana Pereira. Para acessar, clique aqui.

Sociedade | Espírito comunitário reacende entre vizinhanças de regiões centrais de Porto Alegre e prevalece enquanto alternativa ao individualismo

*Foto: Flávio Dutra/JU

Cortado pela avenida Ipiranga e pelo Arroio Dilúvio, o bairro Santana divide o Câmpus Saúde da UFRGS com o bairro Santa Cecília. A presença do arroio e sua escalada ao longo dos dias de intensa chuva na capital gaúcha foram motivo de espanto e preocupação entre a vizinhança.

A maior possibilidade de alagamento, no entanto, não era pelo transbordamento do Dilúvio, e sim caso a Casa de Bombas Santa Terezinha deixasse de funcionar, segundo a projeção do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS (IPH) divulgada até aquele momento. Foi o que aconteceu nos bairros próximos ao Santana, o Menino Deus e a Cidade Baixa, no dia seis de maio, em função do desligamento da Estação de Bombeamento de Água Pluvial 16.

Mapeamento do bairro

Avelino Maicá Neto é redator publicitário, egresso da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS e residente do bairro Santana. Preocupado com a falta de informações específicas sobre a situação do bairro em meio às inundações e aos volumes crescentes de chuva, começou a realizar rondas de bicicleta pela região: “Tavam saindo aqueles mapas de área de risco e colocavam minha rua dentro do mapa, eu pensava que a água viria do Dilúvio. Eu ia a pé três ou quatro vezes por dia, pra ver se tava ou não enchendo.”

Nos dias seguintes, poças de água foram se acumulando em outras regiões do bairro e Avelino resolveu alugar uma bicicleta para mapear um perímetro maior do Santana. Dessa forma, as áreas com concentração de água eram registradas na forma de regiões coloridas sobre o mapa do bairro, que Avelino passou a compartilhar na rede social X (antigo Twitter). Em caso de necessidade de evacuação, o redator queria estar preparado.

Unindo forças

Quem também estava aflita era Júlia do Amaral, estudante de Ciências Sociais na UFRGS que também reside no bairro Santana. Tal como Avelino, nos primeiros dias de intensa chuva, andava de tempo em tempo até a Avenida Ipiranga para observar a situação do Arroio Dilúvio: “Quando começou a dar a função [alagar] no Menino Deus e a Cidade Baixa, a gente começou a se sentir muito desamparado. Eu cheguei a ir de seis a sete vezes na esquina para ver como tava o Dilúvio. Cheguei a ir às duas da manhã. O medo que eu tinha era que ali fosse transbordar e ia acontecer o que aconteceu no Menino Deus ou o que aconteceu em Canoas, que as pessoas começaram a se apavorar no meio da madrugada.”

Da mesma forma que Avelino, Júlia comenta: “O que mais me angustiava era não ter acesso à informação; se eu for esperar os meios oficiais, a prefeitura gravar um vídeo pedindo para evacuar, o bairro já vai estar embaixo da água”.

Ainda que vizinhos de bairro, Avelino e Júlia não se conheciam. A primeira interação veio na postagem de uma das rondas do redator publicitário, quando, em uma madrugada, antes de pegar no sono, a estudante de Ciências Sociais resolveu criar um grupo de WhatsApp para que moradores do bairro Santana compartilhassem avisos e preocupações acerca da possibilidade de inundação do bairro.

O acesso ao grupo era livre, por meio do link criado por Júlia, que circulava na rede social X. Quando acordou, na manhã após a criação do grupo, 380 pessoas já integravam o “infos bairro santana”. Assim como os residentes já citados, essas outras pessoas também estavam aflitas em busca de informações mais específicas.

Até onde a água chegou

“Pra mim não faz sentido ser chamado de enchente, foi muito mais do que uma enchente. A água veio de lugares que a gente nem imaginava. Na Cidade Baixa, a maior parte da água veio dos bueiros. Foi um problema, acredito eu, não só do Guaíba, mas também de contenção da cidade, de cuidado e revisão”. Esse é o relato de Taiane dos Santos Panizzi, proprietária de um bar no bairro Cidade Baixa, na região central de Porto Alegre. A empresária ainda acrescenta que “todo mundo teve que evacuar de surpresa, do jeito que foi, foi muito rápido.”

Os moradores e comerciantes da Cidade Baixa, assim como a vizinhança do bairro Santana, também se organizaram em um grupo de WhatsApp. Taiane é uma das pessoas que administra o grupo.

“O objetivo inicial do grupo era a gente ficar se avisando sobre as ruas, porque infelizmente a água ficou alta por muito tempo. A Cidade Baixa acabou ficando sem água [potável] e sem luz. As ruas ficaram muito inseguras, tava todo mundo com medo de saques nos imóveis”

Taiane dos Santos Panizzi
Controle de informação

Tanto o grupo de moradores do bairro Santana quanto o da vizinhança da Cidade Baixa tiveram um número crescente de participantes ao longo das semanas do mês de maio. Muitos desses participantes, assustados com a realidade caótica vivenciada na cidade, acabavam por compartilhar toda e qualquer informação que recebiam, muitas delas alarmistas ou falsas.

Como a rotina estava corrida para todos, inclusive para as pessoas que administram o grupo da Cidade Baixa, a inspeção da veracidade de todas as informações encaminhadas diretamente no grupo aberto se tornou insustentável, resultando em uma mudança sobre a qual comenta Taiane: “Com o tempo a gente fechou só pra administradores poderem mandar informações. Daí a gente conseguia de fato mandar as atualizações e quem tinha uma dúvida pontual mandava no privado para os administradores”.

Assim como o grupo da Cidade Baixa, o de moradores do grupo Santana também tomou uma iniciativa parecida: criou-se outro grupo no qual apenas os administradores poderiam mandar mensagens, filtrando as informações. O grupo principal seguiu aberto, ainda que com uma moderação, e acabou ampliando os assuntos ali discutidos.

Adaptação

Ao contrário da Cidade Baixa, o bairro Santana não alagou. Assim que o nível do Guaíba começou a baixar e o pior parecia já ter passado, o grupo que nasce em um momento de apreensão e desespero ganha um tom descontraído e cumpre com um dos seus objetivos: aproximar a vizinhança e montar uma rede de apoio.

Durante os dias de falta de água potável, os residentes compartilhavam quais mercados da região tinham galões disponíveis, assim como as necessidades de voluntariado nos abrigos próximos. Agora, próximo ao fim de maio, as informações sobre voluntariado continuam, visto que a estrada para reconstrução da cidade e do estado é longa, mas também começam a surgir informações mais corriqueiras, da vivência de bairro, e planejamentos de confraternizações para quando todo o caos encerrar.

O grupo da Cidade Baixa também tem tomado outro rumo, como comenta Taiane: “Quando a gente viu que a água começou a baixar, e a luz e água potável começaram a voltar, a gente viu que talvez fosse importante o grupo tomar o rumo de como a gente vai fazer a retomada desse bairro. O grupo de comerciantes tá muito perdido, tá todo mundo desesperado pra si recuperar. Antes mesmo do incidente, das inundações, a Cidade Baixa já vinha sendo mais escanteada, sendo que é um bairro super vivo”.

Avelino chegou a estender o percurso das rondas, abrangendo o Santana e a Cidade Baixa, acompanhando o baixar das águas. Através do grupo de moradores do Santana, conseguiu uma bicicleta emprestada, para realizar as rondas, substituindo as que alugava. Vizinhos de prédio descobriram o nome de Avelino em função do trabalho que o redator vinha realizando nas ruas e compartilhando. Sobre a relação com a vizinhança, Avelino aponta para a possibilidade de um bairro mais unido e comunicativo, mas antes comenta: “Antes todo mundo era só parte da paisagem.”

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