Em discurso de 100 dias, Lula usa dado falso sobre investimentos da Petrobras e exagera superávit primário

Publicado originalmente em Agência Lupa por Chico Marés, Carol Macário, Evelyn Fagundes e Maiquel Rosauro. Para acessar, clique aqui.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um balanço dos primeiros 100 dias de seu governo durante uma reunião ministerial nesta segunda-feira (10). No discurso, entretanto, ele citou dados falsos sobre o investimento da Petrobras quando assumiu o cargo pela primeira vez, em 2003, e ao comentar a posição do Brasil em um ranking de felicidade dos países medido pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Lula ainda exagerou ao falar sobre o superávit primário obtido pelo país durante suas gestões anteriores e sobre ter zerado a fila da Previdência Social. Durante a fala, em que fez promessas para os próximos meses, o presidente ainda citou o relançamento de alguns programas, como o Mais Médicos e o Bolsa Família, e mencionou projetos prioritários de sua gestão, como o que define o novo arcabouço fiscal e o que regula as redes sociais. Também anunciou que serão feitas obras para gerar empregos, sem dar muitos detalhes. 

Lupa checou algumas das frases ditas por Lula durante o evento, que foi transmitido ao vivo. A assessoria de imprensa do presidente foi procurada, e esta checagem será atualizada se houver resposta. Confira:

“Quando nós chegamos em 2003, ela [a Petrobras] tinha 3 bilhões de investimento”

– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso durante reunião ministerial sobre os 100 dias de governo no dia 10 de abril de 2023 

Falso

Os investimentos totais da Petrobras em 2002, ano em que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito pela primeira vez, somaram R$ 18,8 bilhões — e não R$ 3 bilhões, como afirmou o presidente. Se considerado o valor corrigido pelo IPCA, o valor foi de R$ 61,76 bilhões.

No ano seguinte, quando Lula completou seu primeiro ano como chefe do Executivo, o investimento total da empresa foi de R$ 18,5 bilhões (página 5).

“Quando nós saímos, ela [Petrobras] tinha 30 bilhões de investimento”

– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso durante reunião ministerial sobre os 100 dias de governo no dia 10 de abril de 2023 

Falso

Os investimentos da Petrobras foram mais que o dobro dos valores citados pelo presidente tanto em 2010, último ano das primeiras gestões de Lula, quanto em 2015, último ano completo de uma gestão petista — quando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) era chefe do Executivo. 

Se considerado apenas o último ano de Lula, em 2010, foram R$ 76,4 bilhões (página 6) investidos pela empresa no total — o equivalente a R$ 157,8 bilhões no valor corrigido pelo IPCA.

Já em 2015, os investimentos da Petrobras totalizaram R$ 76,3 bilhões (página 12) — R$ 112,5 bilhões no valor corrigido pelo IPCA. 

“Nós vivemos um momento em que esse país era o país do povo mais feliz, reconhecido por todas as pesquisas da ONU”

– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso durante reunião ministerial sobre os 100 dias de governo no dia 10 de abril de 2023 

Falso

Desde 2012 — portanto, depois de Lula ter deixado o poder pela primeira vez —, a Organização das Nações Unidas (ONU) publica anualmente o chamado Relatório Mundial da Felicidade, no qual classifica países-membros a partir de um índice de felicidade — composto de dados econômicos e sociais. O Brasil nunca liderou esse ranking: sua posição oscilou entre 16º, em 2015, e 49º, na edição mais recente (página 35). Dinamarca, Suíça, Noruega e Finlândia — que lidera o ranking há seis anos consecutivos — são os únicos países a terem chegado no topo do ranking. Veja os dados completos aqui.

Durante a gestão de Lula, o que existia era o chamado Índice Planeta Feliz (HPI, na sigla em inglês), que não tem relação com a ONU e segue sendo produzido. Assim como o Relatório Mundial da Felicidade, esse índice combina diferentes métricas sociais, econômicas e ambientais. E, assim como no índice da ONU, o Brasil nunca liderou: o melhor desempenho foi 6º lugar, em 2013. A Costa Rica liderou entre 2006 e 2019, e a Suíça ficou em 1º lugar em 2020.

“Eu fiz superávit primário de 3,45 [% do PIB]. Chegou a 4,25 [% do PIB] o meu superávit primário”

– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso durante reunião ministerial sobre os 100 dias de governo no dia 10 de abril de 2023  

Exagerado

Embora as contas do setor público tenham ficado no azul em todos os anos durante os dois primeiros mandatos Lula, entre 2003 e 2010, em nenhum momento o resultado primário anual chegou aos patamares citados pelo presidente. Em 2004, ano em que o setor público brasileiro fez seu maior superávit primário na série histórica disponível no Tesouro Nacional — iniciada em 1997 —, o resultado positivo foi equivalente a 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) da época.

Nos dois primeiros mandatos de Lula, o resultado primário oscilou entre 1,8% do PIB, em 2009, e 2,7%, em 2004. O Brasil teve superávit entre 1998 e 2013. Entre 2014, no governo de Dilma Rousseff (PT), e 2021, no governo de Jair Bolsonaro (PL), o Brasil teve repetidos déficits. Em 2022, o país voltou a ter resultados positivos: 0,6% do PIB, o que equivale a R$ 55 bilhões. Veja aqui os dados compilados aqui.

O resultado primário equivale à diferença entre as receitas e despesas primárias — isto é, desconsidera gastos e ganhos que envolvam endividamento, como empréstimos. Para facilitar a comparação entre anos diferentes, ela costuma ser contabilizada como um percentual do PIB do país. 

“Um dia nós acabamos com a fila da Previdência Social”

– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso durante reunião ministerial sobre os 100 dias de governo no dia 10 de abril de 2023

Exagerado

Embora durante os primeiros dois mandatos de Lula as filas presenciais tenham, de fato, acabado na porta das agências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), não foi eliminado o atraso no tempo de espera para a concessão das aposentadorias.

Em junho de 2006, durante o primeiro mandato de Lula, foi lançada a Central 135, um serviço telefônico para o agendamento de perícias médicas nas agências do INSS. A implantação do sistema teve um impacto imediato, mas não chegou a zerar a fila física. Em dezembro de 2005, havia uma média de 82 pessoas aguardando do lado de fora no momento de abertura das agências; enquanto que em dezembro de 2006 a média caiu para 25. Em dezembro de 2007, a média era de 14 pessoas na fila, segundo livro publicado em 2013 pela Dataprev (página 53). 

Para agilizar o acesso ao benefício, no início de 2009, entrou em vigor uma medida determinando que o INSS liberaria a aposentadoria por idade para trabalhadores urbanos em apenas 30 minutos. Os trabalhadores rurais foram contemplados a partir de junho de 2009. O diferencial da iniciativa era o agendamento telefônico ou pela página da Previdência Social na internet. 

Isso, no entanto, não zerou o tempo de espera no processo, que podia superar 45 dias. Reportagem de abril de 2010 do Jornal Nacional, por exemplo, mostrou que algumas pessoas aguardavam dois meses por uma perícia médica. A falta de peritos na época provocou um aumento na fila de processos de aposentadoria pendentes.

Em dezembro de 2009, conforme o Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS), havia 422.743 benefícios em análise por tempo de tramitação, sendo 108.532 tramitando por mais de 45 dias (página 39). Em dezembro de 2010, havia 381.460 benefícios em análise (página 39); 470.421 em dezembro de 2011 (página 43); 493.045 em 2012 (página 40), 433.067 em 2013 (página 40); 427.190 em 2014 (página 40); 521.266 em 2015 (página 40) e 725.937 em 2016 (página 47) – último ano da gestão de Dilma Rousseff (PT).

“Depois de anos congeladas, as bolsas da Capes e do CNPq foram reajustadas (…)”

– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso durante reunião ministerial sobre os 100 dias de governo no dia 10 de abril de 2023

Verdadeiro

Em fevereiro de 2023, o governo federal anunciou um plano de reajustes de 25% a 200% das bolsas de pós-graduação e iniciação científica.

Tanto as bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que estavam sem reajuste desde 2013, quanto as do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) passaram de R$ 1,5 mil para 2,1 mil para estudantes de mestrado; de R$ 2,2 mil para R$ 3,1 mil para doutorado; e de R$ 4,1 mil para R$ 5,2 mil para estudantes de pós-doutorado.

Há outros auxílios que tiveram reajuste no valor, chegando ao teto de R$ 750 para Apoio Técnico à Pesquisa e até R$ 7,7 mil para a bolsa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional. Pela Capes, também há a oferta de auxílios de formação de professores para educação básica. 

“Nós pagamos o que devíamos ao FMI”

– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso durante reunião ministerial sobre os 100 dias de governo no dia 10 de abril de 2023 

Verdadeiro

No final de 2005, o governo brasileiro decidiu quitar a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), pagando US$ 15,5 bilhões. O pagamento foi antecipado. As parcelas venceriam apenas no ano de 2007.

“Nós emprestamos dinheiro para o FMI”

– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso durante reunião ministerial sobre os 100 dias de governo no dia 10 de abril de 2023 

Verdadeiro

Em 2009, quatro anos depois de ter quitado a dívida com o FMI, o governo brasileiro emprestou dinheiro para a instituição. Na época, foram emprestados US$ 10 bilhões ao Fundo.

Erramos: o texto foi alterado

10.04.2023 – 18h45

O reajuste das bolsas de pós-graduação e iniciação científica foi anunciado em fevereiro de 2023, e não em fevereiro de 2022, como informava o texto.

Editado por

Leandro Becker e Maurício Moraes

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