Eleições presidenciais: Lula, Sérgio Moro e a imprensa que precisa encontrar o tom

Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Álisson Coelho
Doutor em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e pesquisador associado do objETHOS

Meu primeiro impulso foi intitular esse texto com algo como “Lula e Moro são iguais e a imprensa precisa entender isso”. Seria um caso clássico de clickbait, aquela isca que alguns sites jogam colocando um título de sentido dúbio que desperta a atenção das pessoas fazendo com que elas entrem no texto. Como aqui no objETHOS não estamos na luta pelo clique a qualquer custo, resolvi poupar os editores do site desse constrangimento.

A questão é que esse título imaginado não está muito longe da ideia que quero desenvolver aqui.

Faltando menos de um ano para as eleições presidenciais, uma parte significativa da imprensa brasileira ainda não entendeu como cobrir uma disputa que reúne, dentre outros possíveis candidatos, um ex-réu e o seu ex-juiz. E é por fazer a leitura de Lula e Sérgio Moro como, respectivamente, ainda réu e ainda juiz, que muitos jornalistas derrapam em princípios básicos da cobertura política.

Manuais de jornalismo eventualmente divergem entre si em alguns pontos, mas não no que diz respeito ao tratamento dado a candidatos. Prega o bom jornalismo que, em disputas eleitorais, o princípio da isonomia no tratamento das diferentes candidaturas seja respeitado. Isso significa tratar a todos de forma equilibrada, expondo suas qualidades e contradições, sem endeusamentos ou perseguições, colocando todos os candidatos em um mesmo lugar de escrutínio público.

Isso significa colocar Lula e Sérgio Moro em um mesmo lugar: políticos que nesse momento colocam-se como pré-candidatos à Presidência da República.

Obviamente que a história pregressa de ambos não será esquecida, nem deve. Muito pelo contrário. Os processos que foram/são movidos contra o ex-presidente Lula serão tema recorrente na campanha, assim como sua história política e o legado de seus anos de governo, mas o mesmo valerá para a atuação de Moro como juiz em casos de corrupção e como ministro do governo de Jair Bolsonaro.

O que se tem visto nesse momento é um tratamento ainda fora do tom, como se as eleições fossem a reedição do julgamento de Lula, com Moro ocupando ainda a função de juiz acusador, encarnada por ele durante os processos, e Lula sendo o que, para grande parte da mídia, seguirá sendo: um réu condenado.

Um exemplo desse tratamento ainda desconexo aconteceu nesse mês de novembro, quando da viagem do ex-presidente Lula à Europa. Enquanto Lula era recebido por figuras como o favorito para assumir o posto de primeiro-ministro na Alemanha, Olaf Scholz, e tinha sua agenda ignorada por parte significativa da grande imprensa, a possível filiação de Sérgio Moro ganhava amplo espaço nos debates dos programas políticos.

Foi nessa mesma semana que o ex-juiz Sérgio Moro deu uma comentada entrevista para Pedro Bial. O mesmo Bial que, no programa Manhattan Connection, disse que só entrevistaria Lula ao vivo se pudesse dispor de um polígrafo, um detector de mentiras. A Moro, no entanto, foi dispensando o uso do polígrafo e, na abertura do programa, Bial reserva ao ex-juiz uma verdadeira jornada do herói, afirmando que ele foi de herói, na Lava-Jato, a vilão, ao associar-se ao governo de Bolsonaro, e que agora poderia voltar ao posto de herói com uma eventual candidatura presidencial.

A desconexão da cobertura das candidaturas Moro e Lula na imprensa tradicional parece seguir um roteiro já estabelecido quando ambos eram, respectivamente, juiz e réu. Foram bastante comentadas as capas da Veja e da Istoé de maio de 2017 quando do depoimento de Lula a Moro. Ambos foram colocados em um ringue, como se depoimento de um réu a juiz fosse uma luta de boxe.

A cobertura do processo contra Lula foi marcada por uma ideia de oposição entre juiz e réu, algo completamente fora do processo penal brasileiro. Se naquele momento colocar Moro e Lula em um lugar de igualdade era absurdo, agora isso é extremamente necessário. E isso não passa por aceitar acriticamente a narrativa de um ou de outro. Passa por entender que ambos são dois políticos disputando um mesmo cargo público e não mais um juiz e um réu.

É alto o risco de que a próxima disputa presidencial seja transformada em uma reedição do ringue imaginado por Veja em sua capa. O crescimento de Sérgio Moro nas pesquisas, aliado ao derretimento da popularidade de Jair Bolsonaro, incentiva a isso.

Esse é um enquadramento possível em uma imprensa que costuma cobrir a política a partir do confronto, dos bastidores, das negociatas. Mas seria um enquadramento pobre e prejudicial ao país frente aos enormes desafios que o próximo presidente terá. Essa é uma cobertura que ainda precisará encontrar um tom, precisará situar os concorrentes em um mesmo lugar para que possamos ter algum (mínimo) debate de ideias para o Brasil.

Mauricio Stycer – A ideia desse texto vem (também) da leitura das colunas de Mauricio Stycer no UOL. Em conversa com os estudantes de Jornalismo da Universidade Feevale, onde dou aulas, Stycer comentou sobre um deslocamento que vem fazendo em sua atuação no portal. Sua coluna saiu da seção de entretenimento, a Splash, e foi deslocada, a pedido do jornalista, para a seção de Notícias.

Isso significa que Stycer, um dos poucos críticos profissionais de mídia do país, passará a se dedicar mais a análises do mercado de mídia e de jornalismo e menos à crítica do entretenimento televisivo. Ainda que perceba a importância da crítica no entretenimento, entendo ser de extrema importância esse movimento do jornalista. Quem dera tivéssemos muitos outros mauricios mobilizando a crítica profissional no Brasil.

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