Artigo de Ana Regina Rêgo. Também disponível em Jornal O Dia e Portal Acesse Piauí.
O primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil ocorrido no último domingo, 02 de outubro, foi repleto de resultados surpresas, mas surpresa para quem? Esta é a pergunta que fazemos entre os eleitores com visão de esquerda que desejam um mundo mais humano, digno e onde a equidade seja uma constante.
Entre os grupos bolsonaristas a narrativa plantada pelo próprio Presidente Bolsonaro, candidato à reeleição, de que teria 60% dos votos, era tida como verdade e cantavam vitória. Para essa visão bolsonarista, nós do campo democrático e vinculados ao campo da comunicação víamos tão somente, mais uma estratégia pautada pela desinformação, que tem sido constante na prática do atual presidente do Brasil, seus filhos e correligionários, desde as eleições de 2018. Prática que perdurou durante seu governo e agora se mantém com mais força, tendo em vista que o mercado da desinformação só cresce, inclusive, envolvendo alguns grupos midiáticos, muito bem remunerados por plataformas.
Ao que parece a confiança bolsonarista estava pautada em ações estratégicas de grande porte. Aqui vamos nos dedicar a apenas duas delas, a primeira, a liberação dos recursos do orçamento “secreto”, a segunda continuou sendo a desinformação orquestrada em todas as regiões, tendo como rede de fluxo, grupos de Igrejas evangélicas e católicas conservadoras, para além de perfis e grandes canais desinformadores.
No que concerne ao orçamento secreto vejamos um quadro comparativo entre os estados em que Bolsonaro ganhou e os recursos recebidos:
ESTADO ( mais informações em https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/jamildo/2022/10/15091859-onde-lula-e-bolsonaro-ganharam-quem-venceu-em-mais-estados.html ) | ORÇAMENTO “secreto” liberado ( mais informações em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/05/15/orcamento-secreto-confira-por-estado-e-por-partido-os-dados-enviados-pelo-congresso-ao-stf.ghtml |
Acre | R$ 582.626.105,54 |
Rondônia | R$ 412.572.107,00 |
Roraima | R$ 443.798.713,18 |
Mato Grosso | R$ 204.613.528,52 |
Mato Grosso do Sul | R$ 228.781.043,03 |
Goiás | R$ 295.041.019,98 |
Distrito Federal * | R$ 53.104.138,00 |
São Paulo | R$ 760.563.268,61 |
Rio de Janeiro | R$ 524.180.843,23 |
Espírito Santo | R$ 69.405.462,04 |
Paraná | R$ 517.473.978,21 |
Santa Catarina | R$ 471.650.257,87 |
Rio Grande do Sul | R$ 279.029.501,34 |
Outros estados em que o núcleo duro do denominado “centrão” distribuiu recursos de forma abundante aos partidos apoiadores de Jair Bolsonaro, mas onde o resultado não foi como o esperado por estes, pelo menos até o momento presente, foram: Minas Gerais que recebeu R$ 1.227.898.553,81, Piauí que ficou com R$ 827.837.803,17, terra do Ministro Ciro Nogueira, cuja ex-esposa concorria à Vice-Governadoria, mas onde o PT venceu com mais de 70% dos votos e Pernambuco que recebeu R$ 508.118.227,34, dentre outros.
É válido ainda apontar quais partidos receberam mais recursos, quais sejam: PP (partido de Ciro Nogueira e Artur Lira) que figura em primeiro lugar com R$ 2.006.625.961,21, PL ( partido de Jair Bolsonaro) em segundo com R$ 1.678.088.665,71, União Brasil que angariou e distribuiu R$ 1.656.624.376,04, PSD em quarto com R$ 1.525.131.106,04, Republicanos em quinto com R$ 1.431.276.996,66 e MDB em sexto R$ 1.153.684.564,03, todos esses com recursos acima de um bilhão de reais. Para saber mais, acessar o link já incluído acima e referente aos valores do orçamento “secreto”.
Vale pensar que grande parte do resultado “surpresa” do primeiro turno pode ser analisado seguindo os rastros do dinheiro.
Outra estratégia adotada de forma intermitente é a própria desinformação. A extrema direita mantém os principais canais e perfis veiculadores de desinformação, assim como, grandes produtoras de audiovisual cujos produtos têm como narrativas principais a desinformação que tem intencionalidade de intervir no processo eleitoral nesse momento, e que abrange pautas religiosas, morais, cívicas e políticas por um lado, e por outro, objetiva afastar o povo dos fatos desastrosos do governo Bolsonaro, tais como a péssima gestão da pandemia, os quase 700 mil mortos, a negação da ciência, a negação da história, a destruição das bases estruturais e legais de inclusão das minorias na democracia brasileira e a vergonha de ter mais de 33 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza.
Monitoramento realizado diariamente por parceiros da Rede Nacional de Combate à desinformação- Rncd Brasil e ao longo do dia da eleição, dão conta do aumento potencial das mensagens de áudio, dos vídeos e dos demais produtos contendo desinformação. No próprio domingo, o TSE recebeu denúncias de 783 fake News de canais e perfis, uma pequena amostra do grande universo de desinformação que circulou no dia 02 de outubro. Dentre estas, vale destacar a mais absurda e pautada em completa mentira, como a que associava Lula e o PT ao PCC (crime organizado) e ao Marcola. A decisão do Ministro Alexandre de Morais a partir de ação judicial movida pela Coligação Brasil da Esperança foi pela retirada da fake News de sites como O Antagonista e o Terra Brasil Notícias ( do Osmar Terra), da Rádio da Jovem Pan e de perfis de desinformadores eleitos como Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, dentre uma dezena de outros praticantes de fake News que seguem impunes em nosso Brasil, muito embora, o Tribunal Superior Eleitoral tenha mecanismos não só para derrubar as fake News, como para determinar multas e prisões, a partir da Resolução 23.671/2021 e de um pool de leis vigentes.
Obviamente que do ponto de vista de uma análise mais profunda do processo eleitoral é necessário observar e ponderar que o perfil dos eleitores é diverso e a relação que estes mantém com a experiência histórica e antropológica também, considerando que os lugares por onde a experiência se estrutura a partir do acolhimento e das afetividades, muitas vezes são exploradores dos indivíduos, a partir da religião ou da família e podem ser determinantes para a visão de mundo “escolhida” que em si, pode também ser guiada por valores e crenças, cujo regime de verdade é desvinculado do regime da fatualidade e da evidência.
O perfil socioeconômico também está entre os parâmetros analíticos, desvelando o viés neoliberal como forte propulsor das desigualdades históricas e que muitos desejam manter em níveis impensáveis, como o que vivemos hoje, com 33 milhões de brasileiros com insegurança alimentar grave.
Para o segundo turno vote por um Brasil mais humano e acolhedor para todas e todos que estão à margem da sociedade.