Eleições 2024: Damares Alves desinforma sobre ações da Justiça Eleitoral contra campanha eleitoral em igrejas

Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Viviane Castanheira e Suianne Souza. Para acessar, clique aqui.

Nas últimas semanas de setembro foi divulgada uma série de casos de propaganda irregular e abuso de poder religioso em campanhas eleitorais. Um grupo de políticos com identidade religiosa têm atribuído à aplicação da lei eleitoral nessas situações a perseguição a cristãos. Bereia checou alguns desses casos, cujas notícias circulam em espaços digitais religiosos.

Senadora Damares Alves promove pânico 

A senadora evangélica Damares Alves publicou vídeo em seu perfil no Instagram com conteúdo relacionado à temática checada pelo Bereia. Nele, a parlamentar  alerta “candidatos conservadores” a serem cuidadosos porque “os seus inimigos estão de olho” e todo cuidado é pouco ao realizarem campanha eleitoral em igrejas.. De acordo com a senadora, o simples ato de ir a um culto pode causar a impugnação de uma candidatura como teria ocorrido, na avaliação dela,com a candidata à reeleição e prefeita de Votorantim, no interior de São Paulo, Fabíola Alves (PSDB). 

Acabei de receber uma notícia de que uma jovem candidata em Votorantim, no estado de São Paulo, teve a sua candidatura impugnada porque ela foi no culto. Já faz um tempo no Brasil, que estão falando do tal de ‘abuso de poder religioso’ de que o cristão, durante o período eleitoral não pode ir numa igreja. Então cuidado, porque os seus inimigos, conservadores, estão de olho. (…) não vamos dar nenhuma brecha para que essa esquerda faça a impugnação dos candidatos conservadores”,  disse Alves no vídeo.

Imagem: Reprodução/ Instagram

Bereia verificou que, conforme a denúncia recebida pela Justiça Eleitoral, a candidata Fabíola Alves, o vice-prefeito em sua chapa, Lourival César Silva (PSDB) e o candidato a vereador Pastor Lilo (MDB) participaram de culto na Igreja Quadrangular do Reino de Deus da cidade, em 10 de agosto, “onde realizaram atos típicos de propaganda eleitoral, com o apoio da autoridade religiosa que conduzia a celebração”. Ambos teriam recebido abertamente apoio de pastores para suas campanhas e de outros candidatos ali presentes. Durante o culto, o líder da congregação fez comentários sobre a importância de eleger políticos ligados ao projeto de cidadania da igreja, o que foi interpretado pela Justiça Eleitoral como uma forma de angariar votos.

A ação movida pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), entretanto, não se baseia apenas na propaganda política dentro da igreja que, por si só, já configura crime eleitoral, segundo o artigo 37 da Lei nº 9.504/97. A denúncia inclui ainda a suspeita de um aumento de 34,10% no valor pago pela Prefeitura à Igreja Quadrangular, pela locação de um imóvel de propriedade da instituição religiosa. Esse aumento foi uma parte importante da denúncia. Originalmente estipulado em R$14.541,06, o aluguel sofreu um aumento abrupto para R$19.500,00, o que levantou suspeitas de abuso do poder político. A Justiça alega que não houve justificativas claras para a elevação do valor e considerou que houve uma utilização inadequada do erário.

A candidata à Prefeitura da cidade Fabíola Alves, Pastor Lilo e Lourival César Silva tiveram seus registros de candidatura cassados e foram declarados inelegíveis por oito anos. 

Caso em Nova Friburgo (RJ)

Em Nova Friburgo (RJ), o Ministério Público Eleitoral (MPE) também investiga caso de abuso de poder religioso por parte de candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador do município da região serrana fluminense. 

A investigação foi motivada por uma denúncia enviada através do Sistema Pardal (aplicativo criado pelo Tribunal Superior Eleitoral que permite o envio de denúncias de práticas indevidas ou ilegais no âmbito da Justiça Eleitoral), que indicou propaganda eleitoral irregular em um culto religioso em algumas congregações da Igreja do Evangelho Quadrangular na cidade. 

Na denúncia os pastores responsáveis teriam promovido o candidato a vereador Jorge Leite (PL) durante um culto. Ainda de acordo com o relato enviado pelo aplicativo do TSE, houve a exibição de vídeo com conteúdo eleitoral explícito, pedindo votos para candidatos, o que viola o artigo 37 da Lei Eleitoral (Lei nº 9.504/97), que proíbe propaganda em templos religiosos. Comunicações oficiais do MPE afirmam que o próprio candidato aparece em gravações realizadas durante as cerimônias, o que reforça as suspeitas de abuso de poder religioso. 

As ações resultaram na notificação de Jorge Leite, dos pastores envolvidos, e do prefeito Johnny Maycon (PL), também relacionado à propaganda irregular. A investigação segue sob a responsabilidade da 222ª Zona Eleitoral, que avalia possíveis sanções, incluindo a cassação da candidatura de Jorge Leite.

Caso em São Fidélis

Em São Fidélis, também no Rio de Janeiro, mais um caso de abuso religioso. A propaganda irregular ocorreu em uma igreja, que não pode ser identificada pelo Bereia, no município da região norte fluminense. Segundo a denúncia do MPE, o pastor Abner Abreu “pediu votos, declaradamente, para o candidato a Vereador ‘Jeffinho’, e para o candidato a prefeito e seu vice, Higor Porto e Eduardo Raposo”. O documento diz ainda que o pedido foi registrado em vídeo e serviu como evidência para a punição. 

O pastor alegou que o vídeo havia sido editado e retirado de contexto, e que a denúncia seria uma tentativa de intimidação por parte de seus opositores. Apesar da argumentação, o MPEl considerou o vídeo uma prova clara de propaganda irregular, uma vez que as leis brasileiras proíbem a utilização de púlpitos e espaços religiosos para promover candidatos. 

O que diz a Legislação Eleitoral sobre campanha em igrejas

A Legislação Eleitoral Brasileira (Lei nº 9.504/97) estabelece normas para a publicidade eleitoral, visando garantir a transparência e a igualdade de oportunidades entre os candidatos. O artigo 37 determina que a propaganda deve ser feita de forma a respeitar os direitos dos concorrentes e proíbe práticas enganosas, como a divulgação de informações falsas sobre candidatos ou partidos.  

O artigo 37 também busca evitar que aconteça o abuso de poder religioso durante o período eleitoral. O abuso religioso acontece quando líderes de instituições religiosas influenciam suas comunidades em favor de determinados candidatos ou partidos, utilizando sua posição de autoridade para direcionar votos. Essa prática pode ocorrer de várias formas, como declarações públicas em cultos, distribuição de materiais de campanha dentro das igrejas e até mesmo a pressão direta sobre os fiéis para que votem em candidatos específicos. O enfrentamento do abuso de poder religioso é fundamental para garantir que todos os cidadãos possam exercer seu direito ao voto de maneira livre e consciente.

***

Bereia chama a atenção de leitores e leitoras para os casos de campanha por busca de votos nas igrejas, o que não é permitido pela Lei Eleitoral, por ser classificado como abuso de poder religioso. Por isso, Bereia classifica o conteúdo publicado pela senadora Damares Alves (PL) em relação à aplicação da lei em Votorantim (SP), como enganoso. Ela distorce o contexto dos acontecimentos classificados judicialmente como abuso de poder religioso em campanhas eleitorais. 

A senadora sugere que o simples ato de participar de um culto poderia resultar na impugnação de candidaturas, mas omite que, no caso mencionado, a cassação foi motivada por uso político da cerimônia religiosa, não pela simples presença da candidata e seus pares na igreja. Além da suspeita de crime contra o erário público com o repasse de valores financeiros à instituição religiosa. Ao apresentar essa informação de forma distorcida, o vídeo propaga discurso que confunde os seguidores e desvia o foco do que levou à punição eleitoral.

Essa distorção dos fatos reforça a falsa ideia de perseguição de esquerdas a  candidatos conservadores, e cria um cenário alarmista que não corresponde à realidade, tema já tratado pelo Bereia. Ao insinuar que há uma vigilância injusta sobre políticos cristãos, Damares Alves desvia a atenção das infrações eleitorais cometidas por estes, e sugere que todos os segmentos agem da mesma forma sem sofrer penalidades. A desinformação apresentada no vídeo confunde o eleitorado e deslegitima ações legais que buscam combater abusos de poder religioso nas campanhas.

Referências:

Ministério Público do Rio de Janeiro. https://www.mprj.mp.br/visualizar?noticiaId=154902. Acesso em: 02 de outubro de 2024.

G1. https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/eleicoes/2024/noticia/2024/08/28/justica-eleitoral-multa-candidato-a-vereador-de-votorantim-por-propaganda-de-pre-candidatura-durante-culto-religioso.ghtmlhttps://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/eleicoes/2024/noticia/2024/09/19/justica-eleitoral-cassa-registro-da-candidatura-de-fabiola-alves-por-participar-de-culto-em-votorantim.ghtml. Acesso em: 02 de outubro de 2024.

ttps://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/eleicoes/2024/noticia/2024/08/28/justica-eleitoral-multa-candidato-a-vereador-de-votorantim-por-propaganda-de-pre-candidatura-durante-culto-religioso.ghtmlhttps://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/eleicoes/2024/noticia/2024/09/19/justica-eleitoral-cassa-registro-da-candidatura-de-fabiola-alves-por-participar-de-culto-em-votorantim.ghtml. Acesso em: 02 de outubro de 2024.

SF Notícias. https://sfnoticias.com.br/eleicoes-pastor-e-multado-em-r-2-mil-por-pedir-votos-no-pulpito-de-igreja-em-sao-fidelis#google_vignetteCaso. Acesso em: 02 de outubro de 2024.

Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/entrelinhas/damares-alerta-candidatos-conservadores-sobre-riscos-de-impugnacao-nas-eleicoes/. Acesso em: 02 de outubro de 2024.

TSE. https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2020/Agosto/tse-rejeita-instituir-abuso-de-poder-religioso-em-acoes-que-podem-levar-a-cassacoes. Acesso em: 02 de outubro de 2024.

Planalto. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em: 02 de outubro de 2024.

MPRS

https://www.mprs.mp.br/media/areas/eleitoral/arquivos/guia_intranet.pdf Acesso em: 04 de outubro de 2024.

Bereia

https://coletivobereia.com.br/a-mentira-que-nao-quer-calar-sobre-perseguicao-a-cristaos-no-brasil/  Acesso em: 04 de outubro de 2024.

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