Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Ochs. Para acessar, clique aqui.
Mariana Ochs é coordenadora de educação do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta
Quando pensamos em educação midiática, geralmente o que nos vem à cabeça é a ideia de preparar adolescentes e jovens para lidar com um ambiente de comunicação complexo, em que múltiplos atores fazem circular toda forma de conteúdo, seja ele confiável, ético ou não. Lidar com esse ambiente que hoje media tantas das nossas relações – de trabalho, de convivência social e de construção de conhecimento – exige o domínio de um arsenal de habilidades operacionais, reflexão e senso crítico, e também habilidades socioemocionais.
Parece lógico pensar que tudo isso é complexo demais para as crianças menores, sobretudo aquelas que ainda não estão alfabetizadas. No entanto, precisamos lembrar que elas circulam em um mundo repleto de mensagens de mídia, acessando imagens ou conteúdos audiovisuais que vão formando sua visão de mundo. Essas mensagens podem estar nos livros que lhes são oferecidos, embalagens dos brinquedos e alimentos que consomem, vídeos ou jogos com os quais se entretém etc. E todas elas podem ser questionadas quanto a seus elementos fundamentais: autoria, propósito, estratégias empregadas, “pistas” ou evidências no conteúdo.
É nessa faixa etária, com esses materiais com os quais as crianças interagem no dia a dia, que temos a oportunidade de começar a construir os fundamentos – vocabulário, habilidades e atitudes – de uma leitura mais atenta do ambiente midiático. Esses primeiros passos são cruciais para que, mais adiante, essas crianças possam navegar de forma consciente no enorme oceano de informações que as cerca.
Segundo Faith Rogow, especialista em educação midiática para crianças e autora da obra Media Literacy for Young Children: teaching beyond the screen time debate (2022), a literacia midiática deve ser tratada como uma extensão da literacia tradicional. Assim como ensinamos as crianças a decodificar palavras e frases, devemos orientá-las a entender os símbolos e mensagens que recebem por meio das mídias – ou seja, ensiná-las a “ler” (ou acessar integralmente o significado) e “escrever” (ou exercer a autoexpressão criativa) nas diversas formas de mídia.
Na educação infantil, frequentemente mobilizamos a curiosidade natural das crianças, levando-as a explorar, questionar e descobrir. No contexto da educação midiática, essa curiosidade é o ponto de partida para desenvolver um olhar mais atento para o que consomem, ao invés de se engajarem de forma passiva com o conteúdo. Na prática, isso significa encorajar as crianças a perguntar de onde vem a informação, quem a criou e por que, bem como tomar consciência de suas reações. É importante pedir sempre que apontem para o que as levaram a pensar dessa maneira, de forma a desenvolver o hábito da análise intencional e consciente dos materiais.
Por exemplo: apresente um livro de ficção e um de não ficção, uma série de ficção, um vídeo educativo, um videogame e uma embalagem de brinquedo que mostram dinossauros. Pergunte: é tudo verdade? Como você sabe? Qual material podemos usar para descobrir o que os dinossauros comem? Se uma embalagem ou game mostra um dinossauro ameaçando carros ou pessoas, pergunte se os dinossauros comem essas coisas, e por que ele estaria representado assim. Em atividades desse tipo, exploramos o que é informativo e o que é entretenimento, e o que são boas fontes de pesquisa.
Essas práticas são, conforme Rogow afirma, mais voltadas ao processo do que ao conteúdo específico, cultivando um modo de pensar. A educação midiática se dá por meio da relação cotidiana inquisitiva, atenta e exploratória entre crianças, educadores, tecnologias e mídias. Ao fazer perguntas sobre todo tipo de mensagens que acessam cotidianamente, podemos desenvolver o vocabulário das crianças, bem como destacar valores como responsabilidade, cuidado consigo e com o outro, e diversidade – valores esses que ajudarão, mais tarde, a sinalizar e combater bullying e violações de direitos nos ambientes digitais.
Na relação das crianças com as mídias, portanto, precisamos fazer muito mais do que estabelecer limites para o tempo de tela ou filtrar o que é ou não apropriado. Como em qualquer processo de amadurecimento, é necessário guiá-las para uma relação saudável com as mídias e com seus dispositivos, de forma a construir senso crítico e autonomia e, futuramente, torná-las cidadãs capazes de contribuir para um ambiente midiático centrado no bem-estar comum.