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Circula nas redes sociais a informação de que a Carta de Goiânia, um documento produzido por uma comissão nomeada pela mesa diretora da 100ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, não foi aprovada pelo plenário da Assembleia por ser considerada “esquerdizante” e “ideológica”.
A Convenção Batista Brasileira (CBB) é o órgão máximo da denominação batista no Brasil. É a maior convenção batista da América Latina, representando cerca de 8.753 igrejas, 4.944 Congregações e 1.706.003 fiéis. Como instituição, existe desde 1907, servindo às igrejas batistas brasileiras com sua estrutura de integração e seu espaço de identidade, comunhão e cooperação. É esta convenção que define o padrão doutrinário e unifica o esforço cooperativo dos batistas do Brasil.
Bereia checou o vídeo da décima sessão da 100° Assembleia da CBB, publicado na página do facebook da Convenção Batista Brasileira.
Neste vídeo, dentre outras questões debatidas, a Carta de Goiânia é apresentada quando a sessão completa 2:00:00.
O teor da Carta de Goiânia é o seguinte:
A Convenção Batista Brasileira, reunida em sua 100ª Assembleia na cidade de Goiânia/GO dirige-se a sociedade brasileira num clamor pela paz, diante dos seguintes desafios:
1) JUSTIÇA:
Reconhece com preocupação que o fosso da desigualdade social tem sido ampliado em todo mundo, inclusive no Brasil, fazendo que poucos tenham muito e muitos tenham pouco; (Jr 22.13)
Lamenta que por conta dessa desigualdade nossos semelhantes sejam expostos as situações de vulnerabilidade, impingindo dor, tristeza e desesperança especialmente as crianças e idosos. Lamentamos também a situação de miséria e injustiça a que são submetidos os refugiados em todo o mundo (Dt. 10.17-18; Dt. 24.17).
Reprova por conta disso toda tentativa de desmonte do aparato social que ainda protege os que não tem vez e voz, (Pv. 19.17, Pv. 14.31),bem como rejeita o impingir ao pobre a responsabilidade pelos mais diferentes desafios brasileiros;
Conclama os batistas brasileiros a buscarmos a paz social, através da diminuição da desigualdade social (Lc 14.12,13; Sl 85.10).
Encoraja a todos os brasileiros a amarem a Justiça, (Is. 61. 8 ), exercerem o compartilhamento e a misericórdia, (1Jo 3.17,18), a investirem seus recursos em iniciativas que apoiem pessoas que nada tem. Estimula ainda todo o combate à corrupção e a sonegação, que são endêmicas nesse país (Mt. 22:21; Rm 13.5-7).
2) VIOLÊNCIA:
Reconhece, com pesar e preocupação, o aumento das notificações de violência contra mulheres (feminicídios) e contra as crianças (Tg. 1.27;).
Reconhece em contrapartida a diminuição dos casos de homicídio.
Lamenta que ainda hoje mulheres e crianças tenham sua integridade emocional e física aviltadas (Jr. 22.3). Não é por outro motivo que lembramos, consternados, que o Brasil entrou na rota dos atentados em escolas, como aconteceu no Rio de Janeiro, Goiânia e Suzano (SP). Lamentamos que diante de tantas tragédias, queiram facilitar a posse e o porte de armas nesse país (Pv. 20.22; Sl 37.11).
Reprova toda e qualquer forma de vilipêndio à dignidade humana, especialmente no tocante as mulheres e as crianças, bem como a toda polarização e hostilidade que venham a ser alimentadas no seio familiar.
Conclama a sociedade brasileira a preservar a vida e dignidade de nossas crianças como investimento, legado no futuro de paz;
Encoraja que sejam amplamentes divulgados todos os programas do Governo e do Terceiro Setor que promovam a vida, a paz e a segurança para as mulheres e crianças.
3) FAMÍLIA:
Reconhece o estrago feito pela polarização política no seio de muitos lares, igrejas, gerando rancor em lugar de congraçamento (Hb 12.14);
Lamenta que tal hostilização impeça o caminhar fraterno e amigo, a vivência da paz nas relações pessoais;
Reprova o uso de informações falsas, mentiras, que buscam disseminar ainda mais a discórdia e a dissensão (Ex. 23.1; Tg. 4.11);
Conclama a sociedade brasileira para que volte a enxergar o lar como um lugar de diálogo, de harmonia, de benquerença mutua e de respeito, como lugar de refúgio e paz;
Encoraja a todos para que nos esforcemos na manutenção da família, tal qual preconizada nas Escrituras Sagradas, (Gn. 2.24; Mc. 10.6-9), na promoção da unidade e da paz sobre todas as relações. (I Pd 3.11).
4) TOLERÂNCIA:
Reconhece com indisfarçável e desconfortável surpresa, o aumento da intolerância.
Lamenta que esse clima de intolerância tenha invadido o campo religioso, contaminado as relações étnicas, polarizado o universo político e tornado impossível, para muitos, a convivência numa mesma comunidade de fé (I Pd. 2.17; Cl. 3.13; At.10.34);
Reprova toda e qualquer ameaça às relações interpessoais e fraternais pelo desrespeito com o diferente, com a alteridade, com o pensamento discrepante, bem como toda e qualquer ilação com os valores ou com o discurso presente nas ideologias extremistas.
Conclama a todos e todas a valorizar os princípios batistas, pilares constitutivos da modernidade, dentre eles a liberdade nas suas três formas: de consciência, de expressão e de culto (religião) (Jo. 8. 31-32; II Co. 3.17; Gl. 5.13),
Encoraja todos e especialmente os batistas brasileiros que prezem pela liberdade, que celebrem a alteridade e que construam na diversidade e até mesmo na dialética, a unidade, a paz, promovendo um clima de tolerância ao diferente.
5) VIDA:
Reconhece o clima perigoso e beligerante no qual o mundo adentrou, com o acirramento das tensões, provocações e incitamento à guerra;
Lamenta que a vida e a paz não esteja ameaçada somente pela guerra iminente, mas sobretudo pelo menosprezo com o meio-ambiente o que pode ser exemplificado com as florestas em chamas, e visualizado na fumaça australiana que deu a volta no globo terrestre.
Reprova toda falta de esforço dos líderes mundiais no cuidado do meio ambiente, bem como toda tentativa de culpabilizar o mais pobre pelos males ambientais;
Conclama os governos deste mundo a promoverem e apoiarem programas marcados pelo compromisso com a sustentabilidade e pela defesa da paz;
Encoraja a sociedade a promover a paz (Mt. 5.9; Rm. 14.9; Sl 122.6-7) e a valorizar a vida, na compreensão de que a preservação desse mundo criado, como ato de mordomia a Deus, é o que cabe a cada um de nós para a nossa existência (Rm 8.19-23).
Goiânia, 26 de janeiro de 2020.
A comissão: Relator – Guilherme de Amorim Avilla Gimenez (SP); Klaus Peter Friese (SC); Nilson Gomes Godoy (FL); Rosane Andrade Torquato (PR); Sergio Gonçalves Dusilek (CA)
Após a leitura da Carta, feita pelo pr. Nilson Gomes Godoy, da Segunda Igreja Batista de Nova Friburgo, membros da plenária são convidados a vir até o microfone para suas observações.
A primeira análise foi feita por Jessé Bezzera da Silva, membro da Igreja Memorial Batista de Curitiba.
“Com todo respeito à comissão, aos irmãos que elaboraram a carta como um todo, embora esteja muito bem fundamentada biblicamente, mas o teor geral da carta me parece muito esquerdizante. Entendeu? Ela não representa toda a convenção batista brasileira, na minha opinião. Então acho que alguns itens deveriam ser mais bem elaborados, de maneira que a gente não caísse nem para um lado nem para o outro. Na convenção, acho que a gente não deve aderir correntes, né? A igreja tem sido alvo de acharques de alguns grupos políticos. A gente vê nas mídias sociais alguns grupos que desprezavam o evangelho, desprezavam os evangélicos e hoje querem se aproximar para se locupletar dos votos dos irmãos. Então, eu creio que essa carta deveria ser um pouco mais bem analisada no seu aspecto ideológico, essa é a minha opinião. Me perdoem os irmãos da comissão.”
Após aplausos na plenária, a palavra é repassada para outro membro da plenária, chamado Ananias. Ele afirma:
“Quero louvar a comissão pelo fato de ter buscado embasar os seus argumentos na Bíblia. Se não houvesse essa modificação eu seria um a propor que não emitíssemos essa carta. Contudo, senhor presidente, eu quero recomendar, quero propor aliás, vou concordar com a palavra do orador que me antecede, até porque no item que eu falaria, há uma expressão que eu ia propor a sua suspensão. Então eu quero propor, senhor presidente, realmente eu concordo, há uma série de expressões que se identificam com posições de lá ou de cá, não vou nem citar. Há algumas questões. Por isso eu proponho, senhor presidente, que este documento fique sobre a mesa ou que seja reemitido ao conselho e que se analise melhor esta carta, para que nós não incorramos em problemas. Nós não podemos, como convenção batista, desculpe a expressão, cutucar a onça com vara curta.”
A palavra é retomada pelo presidente da mesa, pr. Fausto Aguiar de Vasconcelos, que orienta os irmãos a levantarem as mãos a favor ou contra o encaminhamento da carta para o Conselho Geral, para que seja analisada novamente.
A “maioria absoluta”, nas palavras do pastor Fausto, foi favorável à volta da carta para o Conselho, não sendo aprovada no momento da assembleia.
Na página oficial da Convenção Batista Brasileira, foi publicada a seguinte nota de esclarecimento:
O texto da “Carta de Goiânia”, produzido por uma comissão nomeada pela mesa diretora da 100° Assembleia, não foi aprovado pelo plenário da Assembleia, por falta de tempo, tendo sido remetido ao Conselho Geral da Convenção, para avaliação, o que ainda não aconteceu. Assim, nenhum texto que esteja circulando nas mídias sociais retrata a realidade dos fatos.
Pr. Sócrates Oliveira de Souza – Diretor Executivo CBB
A equipe do Bereia fez contato com a comissão da carta, mas ainda não obteve resposta.
Bereia vai continuar acompanhando o Conselho Geral da Convenção para verificar a análise que será feita sobre a carta produzida pela comissão.